quinta-feira, 18 de agosto de 2016

VAGA-LUMES E POKÉMONS

Quando a mãe nos via muito tempo trancados no quarto, ela já esmurrava a porta:

- Não vão para a rua hoje? O que aconteceu? Olha que vão virar mofo, ácaro, cupim...

Deflagrava uma campanha terrorista para que eu e os três irmãos tomássemos ar. Não sei se ela tinha medo do que estávamos arquitetando, quietinhos, ou se realmente vinha de uma preocupação sincera. Naquela época, filhos na rua significavam saúde, filhos confinados em casa indicavam sinal de depressão.

Mas existia uma sentença mágica que nos impelia a abrir imediatamente o esconderijo e girar a chave na fechadura: quando ela dizia que estava anoitecendo e perderíamos a chance de caçar vaga-lumes.

Migrávamos do silêncio para o alvoroço. Gritávamos, brigávamos para cruzar o capacho primeiro e partir em busca dos tesouros nos quintais do mundo.

Levávamos potes de vidro com um buraco na tampa e ziguezagueávamos pelos bairros Petrópolis e Chácara das Pedras com os olhos em alerta. Bastava identificar o brilho peculiar, que cercávamos o inseto e colocávamos em um vidro para estudarmos as suas emissões luminosas. Era o equivalente a capturar estrelas. Depois de uma hora observando o facho luminoso dos besouros e procurando entender aquela estranha eletricidade, devolvíamos os bichinhos aos canteiros e árvores.

Quando vejo turmas perseguindo pokémons nas praças, com o visor dos celulares na frente dos olhos, eu não identifico o novo jogo como alienação. Não irei chamá-los de zumbis digitais, não reclamarei de que eles desprezam a realidade e só pensam em jogar, não farei cara de cegonho quando explicarem que estão no pokéstop e que usam pokébola para capturar os monstros ou que sonham em prender o Pikachu e chocar ovos.

Como pai, fico imensamente feliz, repetindo a atitude de minha mãe há três décadas.

Finalmente os adolescentes estão saindo do quarto, caminhando, fazendo exercícios, conhecendo espaços públicos, decorando o nome de ruas, começando amizades com quem também gosta do game, entrando em museus e prédios históricos que jamais conheceriam por sua espontânea vontade.

E ainda desfrutam do lucro ecológico, diferente da minha infância, de não torturar vaga-lumes.

Publicado em Zero Hora
Coluna Semanal
16.08.2016

4 comentários:

Anônimo disse...

O que houve?! Se tornou tão acrítico e lugar comum nos últimos textos. Talvez só consiga falar de amor.

Anônimo disse...

Excelente crônica! Realmente as pessoas só saem hoje em dia na rua para jogar jogos e, mesmo fora de casa, continuam em seus aparelhos.

Flavia Abu Jamra de Oliveira disse...

Adorei, Carpinejar! Compartilho da sua opinião! As crianças estão saindo às ruas, famílias inteiras frequentando praças em busca dos bichinhos... Sedentários andando quilômetros para chocar ovos! Acho legal! Quando a tecnologia está a favor de promover encontro, quando ela serve pra CONECTAR, é bem vinda!

Anônimo disse...

Na época do narrador, o que significava filhos confinados em casa?