segunda-feira, 24 de outubro de 2016

LONGEVIDADE DO AMOR

Sempre que duas casadas se encontram disputam quem está mais tempo com o seu par. Existe uma concorrência pelo troféu moral.

Elas nem percebem a mania, é um cacoete involuntário, como coçar os olhos diante do sono.

Fui visitar o ateliê da estilista Solaine Piccoli, que vem confeccionando o vestido de noiva da minha mulher.

Proibido de espiar os movimentos no provador pela superstição da cerimônia, puxei conversa à toa e perguntei quanto tempo ela tinha de casada. Solaine encheu a boca: 43 anos juntinho de Ernani.

Cândida, a sua assessora, se sentiu ofendida com a realeza da amiga e atalhou:

– Eu estou casada há 39 anos, mas namoro o meu marido há 44. Se é por isso vou completar bodas de rubi no ano que vem.

Solaine não se deu por vencida:

– Mas, se é por namoro, eu estou há 49 anos com Ernani e completarei bodas de ouro.

Só eu devo ter visto Cândida bufando de raiva. Buscou disfarçar a contrariedade e logo emendou:

– Mas eu conheço de vista o meu marido há 51 anos. Amizade também conta, não?

– Pode contar, como quiser. Daí tenho 60 anos de amor à primeira vista e comemoro bodas de diamante – replicou Solaine.

A partir de uma pergunta banal, fui exposto a um coliseu de leoas famintas pela posteridade romântica. Pretendiam ganhar o título de maior longevidade no amor. Não aceitavam a proximidade da adversária.

Para assinalar a vitória da intimidade, usavam qualquer indício remoto de antiguidade dos laços com os seus homens, desde aceno a esbarrão na rua.

As amigas colocavam a cumplicidade em risco. Gritavam, esperneavam, batiam na mesa. No calor da discussão, jogavam pesado, dispostas a desclassificar a rival questionando separações em algum período e somando finais de semana longe.

Não entendia absolutamente nada. Ambas atingiam seis décadas e uns quebrados de convivência com os seus maridos naquela conversa, apelando para os mais platônicos sinais, e eu não conseguia fechar as contas. Não aparentavam, cada uma delas, mais de 50 anos de idade. Já eram mais casadas do que nascidas.

Publicado no Jornal Zero Hora - Caderno Donna
Coluna  Semanal
23.10.2016

2 comentários:

filipe disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKK

Varlice disse...

Caso interessante.
Continuasse você no atelier e elas avançariam para encarnações passadas e estaríamos, a essa altura, por volta do século XIV.