Arte de Gustav Klimt
Brigamos quando não desejamos brigar. Existe paz e amor. Não existe paz no amor. John Lennon errou a equação.
Por isso, decidi que agora vou planejar uma briga com a namorada. Agendar uma briga. Arrumar uma data mensal para o inferno dos berros, choro e insultos. É o dia da ofensa no lugar das pequenas e irritantes DRs.
Em vez de avisar que pretendemos nos acalmar e ajudar, que somente pretendíamos conversar na boa, assumiremos que é uma guerra desde a primeira palavra. Dará no mesmo ao querer e não querer discutir.
Não será fácil, vamos rir dispersivos no início, haverá a inclinação para comentar algo do trabalho ou cafungar o pescoço, sentiremos fome, dependeremos de concentração e orelhas fervendo. Mas vale o sacrifício, trata-se de uma catarse necessária para empobrecer os recalques.
Prefiro uma mulher que me ofenda tudo num dia do que uma mulher que me ofenda um pouco por dia. É melhor. Mais sadio. Menos insano.
Desde que os casais aceitem uma regra básica: não vale colher insultos durante o entrevero para cobrar depois.
Pode falar as maiores perversidades e mentiras nos 90 minutos do confronto, incluindo intervalo e troca de lado na cama (gritaria que não dura um jogo de futebol indica o fim do amor). Pode juntar suspeitas avulsas, perguntas ancestrais e rumores antigos. É uma promoção: só nome feio e ofensa de baixo calão. Até xingar a mãe é permitido.
A única exigência é respeitar o território da hostilidade, fazer um círculo de giz no espaço e no tempo e permanecer naquela roda. Nada sai do contexto. Não vale embrulhar salgados e impropérios para a manhã seguinte. Deve-se comer somente na festa da raiva. No instante da cólera. Com sangue quente.
O grande problema dos atritos domésticos é que o insulto de uma briga passa a ser transportado para a seguinte e para a seguinte. No fim das contas, a batalha é uma só que nunca terminou. Uma gripe mal-curada que gera a vontade de cuspir na próxima gripe.
Caso reunirmos uma noite para limpar o pulmão, cansaríamos de tossir e bufar. E o suspiro reencontraria a brisa e pediria para andar de mãos dadas com o beijo.
Feito esse passo, agora é o momento de lavar a honra do ciúme.
Pior do que ciúme é a falta de ciúme. A indiferença é uma doença muito mais grave. Alguém que não está aí para o que faz ou não faz, para onde vai e quando volta. De solidão, chega a do ventre que durou nove meses.
Tão cansativa essa mania de ser impessoal no relacionamento, de ser controlado, de procurar terapia para conter a loucura. Loucura é não poder exercer a loucura.
Permita que sua companhia seja temperamental, intensa, passional. As consequências são generosas. Ela suplicará o esquecimento com mimos, sexo e delicadeza. O perdão é sempre mais veemente do que o rancor.
Repare que no início do namoro todos são descolados, independentes, autônomos. Aceitam ménage à trois, swing e Chatroulette. Não caia, é disfarce, medo puro de desagradar.
Se minha namorada arde de desconfiança, agradeço. Surgirá a certeza de que se importa comigo.
A vontade é abraçá-la com orgulho e reconhecimento, como um aniversário secreto. Às vezes ela cumpre seu ciúme, às vezes ela satisfaz um capricho e atende minha expectativa de ciúme. O importante é que não falha.
Com uma mulher ciumenta ao lado nunca estaremos isolados, nunca estaremos tristes, nunca estaremos feios. Deixo que ela mexa em meu Orkut, deixo que ela leia meus e-mails e chamadas no celular, deixo que ela cheire as minhas camisas, deixo que ela veja meus canhotos e confira os cartões de crédito (com sua revisão, nem dependo de contador, é improvável um engano nas faturas).
Facilitarei o acesso às máquinas, devidamente abertas e ligadas em cima da mesa, e tomarei banho para não incomodar. No jantar, esclarecerei qualquer dúvida.
Perigoso é não responder e deixar a namorada imaginar. Entre a realidade e sua fantasia, mil vezes contar o desnecessário. Estarei em lucro. Não faço nem metade do que ela pressentiu.
Publicado no jornal Zero Hora
Caderno Donna, domingo (30/05/10), p.19
Porto Alegre (RS), N° 16351
22 comentários:
O problema é que a maioria dos homens não tem sua inteligência e sensibilidade para lidar com a relação a dois. Não entendem que a indiferença é pior que o ciúmes..
Achei esse genial!
ps: e aaah, como a gente se sente leve depois desse dia :D
Acabei de ler na Zero Hora!!fiquei feliz de ver sua crônica ali, na minha frente!Ai, como relacionamentos são complicados!Tensos e intensos!hehe
Seria bom ter um "dia de ofensa" com todas as pessoas que nós amamos...ia ser o maior barraco, mas concordo que é + saudável colocar tudo para fora!
Parabéns pelo novo livro!muito sucesso, amor, paz e saúde (e loucuras tbm)!
Queria ir na cultura segunda-feira para ver tu e a Martha Medeiros!
Beijos e ótimas escritas!
Parabéns!
Fabricio, se os homens não nos dessem motivos, certamente não brigariamos "em parcelas". Contudo, é bom avisarmos que, para se ter um dia de ofensas, será exigido apenas UM dia para aprontar alguma coisa, ou deixar de fazer alguma coisa. Eu me surpreendo com a tranquilidade com que alguns homens encaram os fatos, e reclamam: "Pra que fazer tempestade em um copo d'água?" Homens... Concordo em relação à indiferença, é a pior das penalidades. E viva a tempestividade, ela que movimenta, mas com doses homeopáticas, claro. Bjos.
Sintonia fina!
Carpinegênio, é estranho e extático me ver dentro do seu texto. Deve ser porque sou um homem com ovários, como disse um amigo meu.
“dependeremos de concentração e orelhas fervendo” é uma imagem perfeita, é a foto da aurora rubra do dia da ofensa!
“E o suspiro reencontraria a brisa e pediria para andar de mãos dadas com o beijo” é a foto do crepúsculo, do esgotamento das ofensas e do respirar o ar que sobrou, que é leve!
Gosto especialmente dos seus textos pq eles sempre remexem meus baús. Esse todo foi lido com uma trilha sonora: “Samba de amor e ódio”, da Roberta Sá. Já começou a soar quando li o tweet e permaneceu no desenrolar das linhas.
E o antepenúltimo parágrafo é tão “Os três mal amados”, é como se só faltasse dizer: deixo que ela me coma.
Lindo texto!
Bjs
Discordo, embora goste muito de seu jeito de escrever.
Ao contrário do que parece, isto me aproxima de você: se não exteriorizasse suas opiniões como gostosamente faz, como eu continuaria livre para discordar?
Grata por você ser livre me permitindo liberdade.
Muito sucesso para você, homem!
Bem, caro Poeta, como hoje é domingo, que tal uma briguinha por quem busca o jornal? Porém, antes, este poeminha...
PÁ DE CAL
by Ramiro Conceição
A rua, a casa, o casal,
tudo acorda, pois
o Sol acorda depois
do entregador de jornal.
Mas
o que, na bicicleta,
o entregador entrega?
Notícias?
Certamente, não
(tudo já foi mastigado).
Análises?
Claramente, não
(tudo já foi deturpado).
Educação?
Obviamente, que não!
Afinal
o que, na bicicleta,
o entregador carrega?
Não é um hábito, mas um vício!
Então é preciso voltar ao início
e, com alívio,
jogar uma pá de cal...
A rua, a casa, o casal,
tudo acorda, pois
o Sol acorda sem
o entregador de jornal.
Amei, também sou fã do ciúme, e ninguém me entende.
Antes de mais nada, sou fã do ciúme, não da obsessão.
Adoro seus textos!
"Facilitarei o acesso às máquinas, devidamente abertas e ligadas em cima da mesa, e tomarei banho para não incomodar." kkkkk se todos fossem como ti, que benção seria! =)
"Perigoso é não responder e deixar a namorada imaginar. Entre a realidade e sua fantasia, mil vezes contar o desnecessário. Estarei em lucro. Não faço nem metade do que ela pressentiu."
Se realmente for assim fico mais tranquila.hehe
minha imaginação é muito fértil pra essas coisas!
Adoro teus textos.
ô fabricio....
falas tao bem do amor e da relação homem /mulher q começo a não entender ou a desconfiar ou mesmo a ter compaixão de vc. Discordo q para se amar de verdade faz-necessario brigar, entristecer, discutir, ofender , ....
Amor de verdade traz paz ao coração ,equilibrio vital, sabe?
Paixão é q vive de chamas e se consome em lágrimas. Busca os extremos...
Vivo, orgulhosamente um amor assim, de remanso.... de estar sempre junto mesmo de longe. Amor de confiar cegamente , de acreditar na eterninade e em destino. Amor de fazer filho , dequerer netos e de poupar energia para as batalhas da vida q travamos lado a lado e naõ como inimigos.
Desejo-te do fundo d'alma um amor assim...leve, cumplice, romantico sem fim...
bjo no coração,
lili
Fabrício !!
Você é um tipo raro ...
Adoro seus textos !!
bjs!!
Nunca tinha pensado em criar um "dia da desavença". Acho que vou aderir a idéia!
Excelente texto. Parabéns!!
Uma ótima semana pra ti e de muita inspiração.
Ganhou uma nova seguidora. Só por esse texto a idéia é compensadora pro resto da vida.
Querendo expandir leituras, visite www.poetecetera.blogspot.com
Agradeço sempre!
me avisa se um dia a tua namorada te deixar,tá?
p.s.1 a lili aí de cima vive no mundo da carochinha? ou seria Alice? Só pode ser...
p.s.2 inseri seu blog na minha listagem dos 'mais bacanas' no meu: "crise dos 40"
Não sei se brigar ajuda. Ficar em silêncio, sei que não. Pelo menos, não ajuda a permenecer jutos....
não ,Bel....
A Lili aqui, vivia num mundo assim:
Brigas a cada olhar, cobranças a cada encontro, lágrimas cotidianas. Depois; sexo, promessas arrependidas, romance e logo....desconfiança, traição....e tudo de novo:(
já era rotina...
namoro, noivado, certezas vazias, imcompletas. Medo de estar só!
desfecho:
chutei o balde,surtei, terminei o interminavel e aceitei que amor não existe.
Então...desprentenciosamente conheci alguem.
Veja o que escrevi certa vezem uma dessas vai-e-volta:
Lembranças:
Ondas de saudade que desaguam em meu peito que precisa de remanso!
achei remanso!
bjos de sorte p ti tbem
Lili
De solidão, chega a do ventre que durou nove meses - disse tudo! :D
Aí q delícia sua crônica Fabro! Delícia das delícias! Ser ignorado[a] é uma das piores dores que um ser pode sentir. Eu sou passional, é tão bom ser assim, delícia das delícias!!! Um bjo grande!
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