sexta-feira, 21 de maio de 2010

LONGE DE UM LAR

Arte de Tristan Tzara



Casal inteligente enriquece junto?

Por favor, me dá um desconto.

Ter objetivos em comum separa o casal. É confundir a relação com um negócio. Daí não será um namorado, mas um sócio. Daí não será uma namorada, mas uma investidora.

Não há engano maior do que partilhar metas. Trocar a televisão pelas planilhas do Excel. O que parece uma referência de parceria, tampa de margarina, é um se aproveitando do outro.

Estão preocupados em não perder tempo, em render o máximo desempenho com o mínimo esforço, em aproveitar as chances e as ocasiões para eliminar as exigências domésticas. Não têm afinidades, a não ser a vontade de crescer profissionalmente.

Invente de retirar o interesse dos dois, não sobrará coisa alguma, pedra sobre pedra, cartão sobre cartão. Não terão assunto. Adoram a distância para simular saudade. A única sintonia é a carreira, o que um oferece e o segundo aceita, não vão partilhar o futuro. O mercado é muito instável para um casamento. Afinal, é preciso ser livre para atrair ofertas.

Alguns podem até delirar que é amor, chegue perto com o olfato: o perfume excessivo é ambição. Dividir o poder não significa cumplicidade, é adoração de si. A paixão é o espelho da obsessão. Um espelho que nunca fica embaçado.

É conveniente amar a prosperidade de um homem ou sucesso de uma mulher. Tomar carona.

Amor é empobrecer junto, se for o caso. É ser inútil e continuar tentando. É não ter medo de começar com um colchão no chão e com as mesas dos joelhos. Não aguardar o momento, ficar ao lado até que ele venha ou não venha. Suportar as dívidas, os credores, as piores fases e encontrar humor dentro das contas.

É admirar mesmo sem qualquer identificação imediata. Respeitar os caminhos diferentes, opções distantes, vocações opostas e procurar entender para conversar e recolher os farelos de pão e arrumar a gola na hora de partir.

Não se escolhe uma companhia por aquilo que ele faz, porém por aquilo que deseja. Por aquilo que ele guarda no desejo.

Sempre estranhei casal que se esbarra no corredor de casa e passa reto. Encontra seu par e não diz nada. Como dois desconhecidos, mesmo que já tenham se visto há um minuto. Alheios, fantasmagóricos. Não contraem culpa pela desatenção, acham natural ver e não ver, estar ocupado e seguir adiante. Não se intrigam de ternura, não se espantam com a falta repentina. Não mencionam um toque. Não se pronunciam com um beijo ou um abraço. Não se provocam com as perguntas irritantes e tão necessárias: "O que está pensando?" ou "O que está fazendo?"

Estão longe de um lar. Suas casas são escritórios.

37 comentários:

Sâmia disse...

Uuiiiiiiii arrepiei da cabeça aos pés... Linda crônica!!

Carol disse...

Que texto lindo... Todos deveriam saber disso! Estou encaminhando o link para meus amigos...

Elen Cezar disse...

Lindo! Chorei! Pensei nos meus pais, começaram assim com um colchão no chão e até hoje se esbarram no corredor sem nunca passar reto. E já são 30 anos...Amei o texto.

Antonio Carlos S. Dos Santos disse...

Cara tu "é demais" como diria o Professor. Muito bom este texto, sou seu fã. Tenho alguns livros e textos avulsos. E este último texto vem bem de encontro pelo o que eu passei no término do namoro. Concordo contigo, que enquanto os casais se preocuparem com os bens materiais e financeiros, nunca conseguirão ser felizes. Pra mim felicidade é estar bem consigo mesmo p/ poder estar bem com outrem. Como nos diz o filósofo chileno Humberto Maturana (2008, p. 29), "o amor, é o domínio das condutas relacionais através das quais o outro surge como um legítimo outro em convivência com alguém". Quando eu amo, amo por inteiro, amo as pessoas com todos os seus defeitos e qualidades. Abração e muito sucesso.

Anônimo disse...

Obrigada, Carpinejar. Eu realmente precisava ler isso, especialmente hoje.

Augusto Patrini Menna Barreto Gomes disse...

Cara, fantástico. Obrigado ! Essa crônica falou fundo em uma crise profunda na minha vida...

Camila Reis disse...

Cara, quando vi algumas pessoas do meu trabalho lendo esse livro pensei - Meu Deus!!!! As pessoas estão pirando, fazendo dos seus casamentos um negócio! E você descreveu isso muito bem aqui. Acho saudável que as pessoas se interessem uma pelo objetivo da outra e incentive, um ajude o outro a crescer, mas isso está muito longe de ser uma meta pro relacionamento, com intuito de fazer um negócio...affff.

Legal seu texto. Curti bastante.

Bjs!

Carmem Gomes disse...

Fabri, conseguistes formular exatamente o casamento em tempos modernos. Muitoooo bom com sempre! Beijossss

Elaine disse...

Amor não tem razão, não espera a hora certa, muito menos a cotação mínima do dólar. Ótima crônica, como sempre.

Leandro Lima disse...

Te sigo há exatos 14 meses, e ler teus textos virou rotina. Tu sempre vem com um lado novo do mesmo lado que estamos acostumados a ver. Não esqueço o texto do vidro do fogão que quebrou e, por causa dele (do vidro quebrado), deixamos de gostar do fogão, mesmo funcionando do mesmo jeito que funcionava. Por causa de algo "banal" perdemos o encanto.
Fabro, dá vontade de te xingar até a morte!! Agora entendo porquê meu último relacionamento não prosseguiu...
Tuas palavras são FABULOSAS, cara!!

Anônimo disse...

Você consegue captar aspectos do cotidiano com uma sensibilidade ímpar. Lindo texto!

vanvader disse...

Texto ducaralho!

Anônimo disse...

Com o perdão das palavras mas acho muita hipocrisia. Um casal ter interesses em comum, de crescer e conseguir mais do que tem não significa que estes sejam os únicos interesses do casal. Sem dúvida você escreve muito bem. Mas então significa que um casal que consegue potencialmente acumular riquezas ao longo de sua vida junto não pode ser feliz. Me desculpe meu caro, mas sou casada a um bom tempo já, e podemos dizer que além de sermos um casal bem sucedido somos felizes como poucos casais o são, sejam eles pobres ou ricos.

Controlar seus custos e ter racionalidade nos gastos e proventos domésticos não significa que um casal tenha que se ignorar em todos os outros aspectos existentes. Pelo contrário, enquanto os outros se preocupam em pagar as dívidas a gente se preocupa em que viagem fazer nas férias!

De qualquer forma você deve saber o que diz.

Abraços.

_Archie

carol c. disse...

as perguntas chatas, insistentes, os muitos beijos, pegar nos pés, beijar, lamber, lambuzar, morder, querer engolir e ainda assim não cansar. amor tem que ser muito, em excesso, intenso e ainda achar pouco. é verdade que a praticidade dos dias não comporta tanto dengo, mas que era bom se todos os dias pudessem ser assim, ah isso era. um viva ao casal perdigueiro?!

Amelinha disse...

Muito legal! Faz pensar...

|Blog da Aline disse...

O engraçado é que o seu texto parece a biografia de um casal que eu conheço. Ficou ótimo.

É perfeito o parágrafo: "Não se escolhe uma companhia por aquilo que ele faz, porém por aquilo que deseja. Por aquilo que ele guarda no desejo."

Um abraço,

Anônimo disse...

Sublime!!

celia.musilli disse...

Perfeito Fabro! Vc sintetizou o que penso a respeito "de casais que enriquecem juntos", no máximo são sócios, não são amantes. No primeiro casamento tive uma experiência assim, desastrosa, mas por completa ingenuidade, achando que somaríamos esforços, naufragamos...E lindo isso que vc diz sobre o amor, no qual até podemos "empobrecer juntos", ganhando em outros quesitos que não têm nada a ver com cifrões. O capitalismo insiste em nos converter em adoradores de contas bancárias, sempre a meio caminho do desafeto total. Um bj, Célia (www.sensivelldesafio.zip.net)

Ramiro Conceição disse...

NANDINHA
by Ramiro Conceição


Desempregada recém, na cidade,
tinha algum tutu e muito tutano.
Batalhadora com método
montou a casa de cosméticos.
O negócio ficou aberto.
Mas... não deu certo.

Lutadora, abriu uma lotérica
com todos os bichos do seu rabicho,
mas, nhenhenhém, ninguém ganhou.

Então se reciclou,
abandonando seu mentor,
e inflou a moradia
com simpáticas simpatias:
fulanas, beltranas e sicranas;
as belas duma noite fugidia.

Em segredos sussurrados,
geradas foram receitas
por um congresso seleto,
afeito às libidinagens
feitas.

Hoje,
a venerável vencedora
tem um site,
www.nandinha.met.com.br,
na internet.

E já ampliou a rede de negócios.
Agora, aos gritos, cria cabritos.
E como bale!,
recolhendo dízimos às sextas,
quando se torna caçadora de capetas;
e vive a vender com destreza, pois sabe:

O IMPORTANTE É TER CABEÇAS!

Nanda disse...

Já falei via twitter... Mas repito: Vc merece um presente bem legal pelos textos que faz! Pq são presentes pra nós! Obrigada!

Nanda Nascimento disse...

Concordo com cada vírgula, muito bom!

Amanhã estarei indo a Bienal que está acontecendo aqui em Bh, será um prazer poder ouvi-lo por lá.

Beijos!

juliana disse...

Perfeito Fabro, descreveste bem o que os casais vivem hoje em dia.
Bjosssssssssss, tua eterna fã.

Anônimo disse...

E, nas discussões acaloradas, dizem um ao outro: "você sabe com quem está falando?".

********
Triste e verdadeira a postagem.
Gostei muitíssimo.
Abraço

Marga disse...

Ai ai, comecei bem o dia!
Supimpa!

Suziley disse...

Boa tarde, Fabrício:
Belo texto. Belas palavras. Amar não é negócio nem sociedade de metas ou projetos. Tudo isso são temas que pertencem à área profissional. Quando amamos não estamos preocupados em contabilizar, embora não vivamos de vento ou de ar; quando amamos não estamos ligados em traçar metas de sucesso, de poder, embora saibamos que o êxito da nossa união da comunhão de nossos seres. O dinheiro, a segurança material é importante mas não é tudo nem essencial quando se fala de amor. Enfim, amamos quando sabemos, sentimos e buscamos a essência desse amor. Aquilo que realmente é importante, a saber, o bem do outro. Aquele outro que humanamente nos enriquece com seu carinho, amizade, compreensão e amor. Se não o pobre não poderia amar por causa da sua condição material. E isso não é verdade. É isso aí, o amor é maior do que tudo mesmo!! Parabéns!! Um bom sábado, um bom final de semana. Abraços, ;)
http://arslitterayelizus.blogspot.com

Paulo Sérgio disse...

Boa Fabrício!!! Valeu pelo texto. Num mundo mediado pelo descartável, tudo é fácilmente descartável, inclusive as pessoas, precisamos de textos e pensamentos como o teu, oque vale a pena na vida são as pessoas, o resto são apenas cartões de crédito espalhados pelo chão do quarto!!!

popfabi disse...

ufa. inda bem que alguém também pensa assim. obrigada.

Thiago Fernando Crivellari disse...

Você é maravilhoso, meu caro.
Um abraço.

lídia martins disse...

Glorioso Carpinejar:


Teu consultório poético tem me economizado algumas libras. Especialmente agora que desisti de ser gente. Minha ambição não coube no prato. Virei mendigo. Tenho construído riquezas com as moedas do dia. E já tenho o bastante para uma pipoquinha de saquinho. Reviro tambores e mais tambores na esperança de encontrar alguma verdade no meio de todo esse lixo.



E você não imagina quanta beleza encontro na miséria.



Teu post, como tudo que já li sobre você:



Devastadores!



Não sei como sua mulher te aguenta.


Receba meus mais sinceros cumprimentos.



Lídia Martins

Dalva M. Ferreira disse...

É isso mesmo. Que piada! Mas vai daí que tenha mesmo esse tal "casal". Certamente vão enriquecer juntos e viver juntos para sempre. E achar que "nós" somos os idiotas... O ser humano é dose.

Anônimo disse...

Não sei, fiquei um pouco confusa com o que vc quis dizer e com o que atrapalhou no meio da conversa. Então casal feliz é casal pobre e com dívidas?! Acredito que não tenha sido essa sua intenção, mas ao explicitar os opostos, acho que vc passou uma visão meio equivocada. Não interessa se é pobre, se é rico, se tem metas semelhantes ou opostas. O amor não escolhe o caminho, o amor escolhe as formas. Tudo é muito relativo, conheço gente diferente, com metas diferentes e é infeliz, não há uma regra "do verdadeiro amor". Acho que falou sobre algo que não conhece tão bem assim. E por escrever bem, engana quem acha que essa sua crônica fez algum sentido. Ou é dor minha ou sua. Será?

O amor ultrapassa limites, não se esbarra somente no fato de eu querer o mesmo que o outro quer ou não. É mais além, muito mais além.

(ainda bem!) Não dá pra conceituar onde o amor brota. Foi prepotência demais limita-lo tanto!

ao ver alguns comentários o primeiro pensamento é de frustração de vida! De amores, de certezas e de dívidas. Crescer sozinho é bom sim, mas se podemos fazer juntos temos que nos separar? Bem, eu não quero ser sustentada por ninguém!! Se isso é não ter amor, então vamos prezar por um mundo com mais vagabundos e dondocas? Ah, me dá um desconto. Se ter metas, sonhos e vontades é ruim, então pega metade do Brasil e leva pra casa, oras!

quanta hipocrisia.

Claire disse...

adoooro passar aqui@@!!!



www.anatomiadopensar.blogspot.com

nina rizzi disse...

sei não, a história ensinou que é mais fácil enriquecer junto.


diálogo
nina rizzi

olha que bonitinhos os dois, cheios de sonhos pequeno-
-burgueses. vão se casar.

estão apaixonados? não, querem acumular capital.
*

gostei da página. bem "clara". o desenho de vicente mais abaixo é de torar.

abraços.

Roseanne disse...

É no mínimo, fantástico. Não tem como não gostar daqui. Todo dia passo, quase nunca comento, mas sempre te leio. Adoro.

juliana disse...

Essa anônimo é ridículo, fora daqui, vai se tratar.

sandra camara disse...

Olá, na última edição da Revista, do Jornal O Globo, de 23.maio, na coluna da admirável Martha Medeiros, cujo título é "no que você está pensando?" o conteúdo talvez seja o equilíbrio saudável disso que vc "idealiza" e que todos sonhamos numa relação amorosa, rotineira e pelejada, diga-se de passagem, já que todos temos outros coisas em que pensar como "o que comer, onde passear, com quem nos divertir, com quem sair quando estamos desencontrados, quem vai "brigar" com o filho adolescente desta vez... e por aí vai. Acho que é inquestionável a parceria, a troca diária de carinho e a cumplicidade dos gestos e olhares, da mesma forma como acho que nosso "pensamento é sagrado, o único território liver de patrulha, de julgamentos".
No mais, vc é, dos homens que conheço, um dos mais atraentes depois do meu maridão, que está há 16 anos vivendo um romance batalhado comigo e com nossos 3 filhos! Um ser admirável, companheiro e doce. Acho que mereço!

Anônimo disse...

Comprei seu livro - Me ajude a chorar....- Na tampa, realidades sem aquela mesmice de muitos escritores "famosos", "celebridades" que trocam figurinhas entre si,sem pedirem permissão, do tipo Lavoisier, só que naquele caso é "nada se cria tudo se copia.." Ora, até eu! Adoro escrever,sou entusiasta.Todo escritor é que um repentista em outra versão, basta um mote. Você faz a diferença. Sou sua tiete!