Padre mudava o destino de uma cidade. A missa era obrigatória. Não havia domingo sem missa, já dizia Otto Lara Resende. De manhã, Deus; de tarde, futebol.
O sermão influenciava relacionamentos e cargos em comissão. O salão ficava lotado como num comício, mulheres abanavam leques, homens seguravam os chapéus no colo. A leitura do evangelho não acontecia ao acaso, a escolha dos versículos traduzia um recado especial aos pecadores. Padre representava a central de fofocas do município, com insinuações metafóricas e um jogo de adivinhação dos culpados: — De quem ele está falando?
Nos anos 50, padre Corso mandava em Guaporé (RS) tanto quanto o prefeito. Distribuía generosas penitências e fazia indiretas para a população. Construía ou destruía reputações com sua língua presa. No púlpito, tomado de Sodoma e Gomorra, terminava por sugerir informações privilegiadas do confessionário.
A igreja estava separada em duas alas. Na direita, sentavam os partidários do PDS e na esquerda, os correligionários do PTB. Uma disputa de facções para ver quem sofria mais represálias. A mesma divisão se perpetuava no café, no cemitério e no cinema. Direita de um lado, esquerda de outro, neutros não existiam.
Um dos assuntos dominantes veio a ser o sucesso de um cabaré. O cochicho ficou sério quando um frequentador se arrependeu do hábito e procurou lavar sua honra.
— Padre Corso, pequei feio, entrei no bordel.
— Por que, meu filho?
— É que as jovens têm seda, pele macia, perfumada, seus cabelos armados, suspiram quando falam, ronronam como gatas, são pintadas como não se vê por aí, batom, rouge e rímel, tudo importado, padre, de primeira. E cultas, gemem em três dialetos…
Enfurecido, Corso parcelou a dívida espiritual do sujeito em dois anos, por pouco não entregou um carnê de rezas, para que ele não se perdesse na contagem das ave-marias e pais-nossos.
O horror foi o final de semana. Na missa, o sacerdote estava fora da casinha, com cabelos de medusa e olhos de pedra. Num disparate, pediu para que os homens saíssem do recinto, e se reuniu somente com as damas. Discursou durante noventa minutos, sem parar, recorde apenas batido uma década depois por Fidel Castro.
— Esposas, os bons costumes estão ameaçados pela luxúria. Usem todas suas armas. Tratem de se arrumar, comprem seda e perfume, pintem o rosto, cuidem da pele, procurem dançar, não temam esforços… Porque tudo é permitido dentro do casamento!
O bordel fechou logo em seguida para reabrir na cidade vizinha, em Encantado.
Crônica publicada no site Vida Breve
O sermão influenciava relacionamentos e cargos em comissão. O salão ficava lotado como num comício, mulheres abanavam leques, homens seguravam os chapéus no colo. A leitura do evangelho não acontecia ao acaso, a escolha dos versículos traduzia um recado especial aos pecadores. Padre representava a central de fofocas do município, com insinuações metafóricas e um jogo de adivinhação dos culpados: — De quem ele está falando?
Nos anos 50, padre Corso mandava em Guaporé (RS) tanto quanto o prefeito. Distribuía generosas penitências e fazia indiretas para a população. Construía ou destruía reputações com sua língua presa. No púlpito, tomado de Sodoma e Gomorra, terminava por sugerir informações privilegiadas do confessionário.
A igreja estava separada em duas alas. Na direita, sentavam os partidários do PDS e na esquerda, os correligionários do PTB. Uma disputa de facções para ver quem sofria mais represálias. A mesma divisão se perpetuava no café, no cemitério e no cinema. Direita de um lado, esquerda de outro, neutros não existiam.
Um dos assuntos dominantes veio a ser o sucesso de um cabaré. O cochicho ficou sério quando um frequentador se arrependeu do hábito e procurou lavar sua honra.
— Padre Corso, pequei feio, entrei no bordel.
— Por que, meu filho?
— É que as jovens têm seda, pele macia, perfumada, seus cabelos armados, suspiram quando falam, ronronam como gatas, são pintadas como não se vê por aí, batom, rouge e rímel, tudo importado, padre, de primeira. E cultas, gemem em três dialetos…
Enfurecido, Corso parcelou a dívida espiritual do sujeito em dois anos, por pouco não entregou um carnê de rezas, para que ele não se perdesse na contagem das ave-marias e pais-nossos.
O horror foi o final de semana. Na missa, o sacerdote estava fora da casinha, com cabelos de medusa e olhos de pedra. Num disparate, pediu para que os homens saíssem do recinto, e se reuniu somente com as damas. Discursou durante noventa minutos, sem parar, recorde apenas batido uma década depois por Fidel Castro.
— Esposas, os bons costumes estão ameaçados pela luxúria. Usem todas suas armas. Tratem de se arrumar, comprem seda e perfume, pintem o rosto, cuidem da pele, procurem dançar, não temam esforços… Porque tudo é permitido dentro do casamento!
O bordel fechou logo em seguida para reabrir na cidade vizinha, em Encantado.
Crônica publicada no site Vida Breve
15 comentários:
noossa! além de ir à missa aos domingos vou comprar umas maquiagens novas!
Maravilha!
Se as fomes são laicas, os bordéis acabam ficando entre quatro paredes (e um confessionário).
Bela crônica.
"Se o amor é troca ou entrega louca discutem os sábios entre os pequenos e os grandes lábios..."
Sábios ensinamentos do padre! Mãos (e tudo o mais) à obra, mulherada!!
Grande crônica!
http://omundoparachamardemeu.blogspot.com/
Parece-me que a culpa foi jogada para as mulheres casadas que não se vestiam bem e não dava nada ao marido, que não fosse o habitual. Proponho que tenha sido meras desculpas dos homens, meios para se tentar justificar suas traições, ou desejos...
Talvez a este ponte haja uma explicação, mas de maneira alguma justificável.
Fascino-me a cada crônica.Sinto que as palavras dançam e se entrelaçam dando forma ao nosso cotidiano. Esteje certo de que, o dito, toca-me e me faz crescer! Obrigada,por ser mais um que contribui para a vida!
No casamento,
no bordel,
na igreja...
tudo é permitido.
Na verdade, quando a mulher quer ela fecha qualquer bordel, estando dentro ou fora dele...
Mas acredito que as mulheres não podem ser as únicas responsáveis pelo tédio da relação...vamos inovar juntos...e quem sabe dar uma passadinha no bordel a dois...serve como material de pesquisa a ser colocado em prática.
Pouco importa o teor machista. O que que vale mesmo o jogo de palavras. Boa crônica!!!!
Padre esperto. Não queria que seus fiéis o vissem no antro, por isso deu jeito de fechá-lo.
Que é percorrer alguns quilômetros, até Encantado, para voltar a desgrenhar os cabelos com as jovens de pele macia, que até gemiam em três dialetos?
Ótima crônica.
Abraço.
Adorei como sempre. E falando em responsabilizar-se pela manutenção do desejo, do prazer e da luxúria na relação a dois, sugiro a seguinte leitura, poderá inspirar-te.
http://revistatpm.uol.com.br/revista/103/editorial/E-dando-que-se-recebe.html
Se não... o homem é um bicho danado!
Machista.rs
As indústrias da moda e dos cosméticos agradecem.
Bela crônica!
Excelente crônica!
Há que se pesquisar se depois disso houve alguma alteração no tráfego da estrada Guaporé-Encantado...
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