Homem somente pinta o cabelo desesperado. Ou é emo ou é político.
Brizola desistiu de sua candidatura a presidente quando apareceu com cabelo acaju. Seu índice de rejeição assumiu uma proporção inestimável.
Pintar cabelo é um manifesto feminino. O equivalente ao serviço militar obrigatório.
Depois de dezoito anos, é mais do que um experimento, é mudar de vida. Pode sinalizar uma separação, um novo namorado, último recurso para adiar uma dieta, desistência da terapia.
* * *
Serve também para desafiar as mechas maternas. Tanto que a menina desmama quando pinta os cabelos. Um contra-ataque ao coque e trança, artesanatos de postura impostos dentro de casa para ir à escola e festas. Uma revolta ao regime tirânico do laquê, mousse, cera e gel, que obrigava o rosto a permanecer imóvel. Corresponde a mais importante desobediência doméstica. É quando a moça se desarma, se ama e assume a sexualidade de sua brincadeira.
* * *
Superior ao signo e ao histórico escolar, a mulher entende que é pelo cabelo que se apresenta ao mundo. É pelo cabelo que ditará seu perfil, provará que é dramática, romântica, tímida, expansiva, agressiva, esportiva.
Com a bolsa e as sobrancelhas, forma a sagrada trindade da personalidade.
* * *
A idealização do marido não alcança a idealização cromática dos fios.
Ela delira com um cabeleira de bordas, redonda, macia, desembaraçada, lustrosa. Aquela espontaneidade onde não se enxerga o fim. Uma cabeleira infinita. Dobrando o oceano dos ombros. Vibrante.
* * *
Mas é quase impossível concretizar a metamorfose. Por mais que cada uma siga as instruções da bula.
É como imitar as pinceladas de Van Gogh. Como imitar as formas sensuais das banhistas de Monet. Como imitar os movimentos de tons da ciranda de Matisse.
Pintar os cabelos será a primeira traição que o mulherio enfrenta.
* * *
A dureza já encontra seu auge no início. Nem toda mulher quer ser loira, mas toda mulher precisa ser loira. É um pedágio para encontrar a coloração do sonho. Se ousar partir do matiz original para repetir as caixinhas, o espelho quebra. Obrigatório clarear para diminuir o desastre. Na ambição de ser ruiva, uma morena descobrirá o vermelho beterraba, longe do brilho e da intensidade da embalagem. Terá na cabeça um incêndio apagado, sem labaredas, terra devastada, cinzas e fuligem. Só com muita generosidade para chamar aquilo de ruivo, é o mesmo que confundir espinhas com sardas.
* * *
Muçulmanas, católicas, evangélicas, luteranas, taoístas, batistas… Não há religião que salve. O milagre nunca acontece conforme rezado.
Tingindo de amarelo verão, na ânsia de reproduzir os ares praianos de surfista e aventureira, o máximo que conseguirá é cabelo palha de inverno.
A decepção não tem fundo. São quarenta minutos de expectativa frustrada.
Cereja terminará marrom. Após cinco lavagens, torna-se água suja. O preto azulado — que ninguém avisa — dependeria de licitação da Secretaria de Obras. É, essencialmente, piche. Para tirar, apenas cortando.
* * *
Conhecerá a maldição de fadas. A dissolução do castelo. Ao adormecer como Marilyn Monroe e seu fulgurante platinado, acordará como Cicciolina em fim de carreira.
Crônica publicada no site Vida Breve
Brizola desistiu de sua candidatura a presidente quando apareceu com cabelo acaju. Seu índice de rejeição assumiu uma proporção inestimável.
Pintar cabelo é um manifesto feminino. O equivalente ao serviço militar obrigatório.
Depois de dezoito anos, é mais do que um experimento, é mudar de vida. Pode sinalizar uma separação, um novo namorado, último recurso para adiar uma dieta, desistência da terapia.
* * *
Serve também para desafiar as mechas maternas. Tanto que a menina desmama quando pinta os cabelos. Um contra-ataque ao coque e trança, artesanatos de postura impostos dentro de casa para ir à escola e festas. Uma revolta ao regime tirânico do laquê, mousse, cera e gel, que obrigava o rosto a permanecer imóvel. Corresponde a mais importante desobediência doméstica. É quando a moça se desarma, se ama e assume a sexualidade de sua brincadeira.
* * *
Superior ao signo e ao histórico escolar, a mulher entende que é pelo cabelo que se apresenta ao mundo. É pelo cabelo que ditará seu perfil, provará que é dramática, romântica, tímida, expansiva, agressiva, esportiva.
Com a bolsa e as sobrancelhas, forma a sagrada trindade da personalidade.
* * *
A idealização do marido não alcança a idealização cromática dos fios.
Ela delira com um cabeleira de bordas, redonda, macia, desembaraçada, lustrosa. Aquela espontaneidade onde não se enxerga o fim. Uma cabeleira infinita. Dobrando o oceano dos ombros. Vibrante.
* * *
Mas é quase impossível concretizar a metamorfose. Por mais que cada uma siga as instruções da bula.
É como imitar as pinceladas de Van Gogh. Como imitar as formas sensuais das banhistas de Monet. Como imitar os movimentos de tons da ciranda de Matisse.
Pintar os cabelos será a primeira traição que o mulherio enfrenta.
* * *
A dureza já encontra seu auge no início. Nem toda mulher quer ser loira, mas toda mulher precisa ser loira. É um pedágio para encontrar a coloração do sonho. Se ousar partir do matiz original para repetir as caixinhas, o espelho quebra. Obrigatório clarear para diminuir o desastre. Na ambição de ser ruiva, uma morena descobrirá o vermelho beterraba, longe do brilho e da intensidade da embalagem. Terá na cabeça um incêndio apagado, sem labaredas, terra devastada, cinzas e fuligem. Só com muita generosidade para chamar aquilo de ruivo, é o mesmo que confundir espinhas com sardas.
* * *
Muçulmanas, católicas, evangélicas, luteranas, taoístas, batistas… Não há religião que salve. O milagre nunca acontece conforme rezado.
Tingindo de amarelo verão, na ânsia de reproduzir os ares praianos de surfista e aventureira, o máximo que conseguirá é cabelo palha de inverno.
A decepção não tem fundo. São quarenta minutos de expectativa frustrada.
Cereja terminará marrom. Após cinco lavagens, torna-se água suja. O preto azulado — que ninguém avisa — dependeria de licitação da Secretaria de Obras. É, essencialmente, piche. Para tirar, apenas cortando.
* * *
Conhecerá a maldição de fadas. A dissolução do castelo. Ao adormecer como Marilyn Monroe e seu fulgurante platinado, acordará como Cicciolina em fim de carreira.
Crônica publicada no site Vida Breve
25 comentários:
Maravilhoso!!!!
HAHAHAHAHAHHHAHAHAHAHHA, alguém um dia me disse que mulher não envelhece, fica loira!
Adorei...
Sei bem o que é isso, não por pintar o meu cabelo, pois o mesmo já está indo pelos ralos, mas tive uma namorada que quando começamos, ela tinha um cabelo grande e ruivo e terminamos com uma cabelo curto e loiro hahaha
SHOW
Muito bom.
Fabricio, como sempre, um texto delicioso. É uma busca sem fim essa dos nossos cabelos, hein? E quando a gente desiste dessa metamorfose e assume o tom natural? Ou, ainda mais ousado, assume os fios brancos que começam a aparecer? Será que essa é a verdadeira libertação?
ANO NOVO, CABELO NOVO! Aboli o Blond Ambition e voltei aos meus castanhos ontem mesmo! Adorei a cronica!
Perfeitamente Carpinejar!!!
Me Blondei recentemente,que descrição perfeita das inquietações femininas as quais realmente externamos no cabelo,nas sombrancelhas e nas bolsas que não paramos de mudar.
Cabelos, cabelos... TUDO VERDADE. Cabelos pintados menina vira mulher. Minha saga dos cabelos começaram de fato cedo, mas aos 15. Pra que? Pra crescer. Mas nunca loiro.
Amarelo sol me lembra fraqueza. Fraqueza de espirito, de personalidade. Transmite um vão existente na alma da mulher. Na verdade, o loiro nao transmite nada.
Ja pintei de ruivo sim, fogo, horrivel. Adorei. FOi novo mas passou. Assumo hoje o denominado PICHE, de acordo Carpinejar. Adoro o "piche" azulado. De fato, só cortando.... De longos, lisos e azulados, para curtos, crespos e castanhos naturais. Vejo que finalmente cresci para mim mesma.
Ótimo texto. Consegue descrever todo o processo melhor do que as próprias mulheres. Sensível como sempre. Adoro!
Concordo com a Luana,
Esse texto veio em boa hora. Justamente quando estava querendo mudar meu cabelo de preto para "cor de surfista" apenas para tentar mudar internamente...kkk
Eu consegui ser ruiva. Consegui mesmo! [risos]
Grito de liberdade estampado nos cachos há 4 anos.
kkkkkkkkkkkkkkKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK! Maneiro...Se vc nao tivesse tao poucos cabelinhos diria que aprendeu na pratica! Tamanho conhecimento de causa!... KKKKkkkkk...A menos que seja por isso que vc ficou com tao poucos cabelinhos, ne?!...KKKKKKKKKKKKKKK... De qualquer forma o texto e bacana! (pessoalmente ja tive o cabelo de todos os tamanhos e cores e curti cada um, so nao tenho mais paciencia pra essas coisas) Os homens deveriam experimentar essa brincadeira, se nao estiver tentando resolver um problema com a tintura pode ser bem divertido! Valeu!
rsrsrsrsrs muito bom! Sou loira (de verdade gente.. rs) Mas sei q chegará o dia em q vou ter q pintar o dito cujo.. pq o branco chega.. aí... vai ser o descrito do texto hehe
Adoro seus textos, parabéns!
Caroline Rohwedder
Que Sansão que nada, a história devia ser invertida, era Dalila que tinha força nos fios. E só uma mulher apegada aos seus cabelos sabe o drama inconsolável de enfrentar as peripécias de um cabelereiro aventureiro.
Pois é, vc descreveu perfeitamente o suplício de quem pinta os cabelos. Sempre acaba detonando, ultimamente resolvi deixar curtinho, pois o 'estrago' vai tesoura abaixo. Fica prático, chique e pra deixar um ar feminino, existem várias presilhinhas belas, mas sinto falta do cabelão, das madeixas longas e sedosas [que só um cabelo virgem tem]
bjo Fabro
Ótimo texto, Carpinejar! A minha rebeldia foi nunca pintar os cabelos! E com orgulho hehe
Mas conta aí, como você consegue? Você ridicularizou o ato de pintar os cabelos de "piche", "fogo morto", "confundir espinhas com sardas" (genial, por sinal!) e a mulherada adorou!! Você tem o dom da crítica, meu caro. Falar mal e ser amado é coisa para poucos!
Abraço.
http://bernardoececilia.blogspot.com/
amei! simplesmente isso!
só quem sabe o drama de pintar pra concordar com voce.
pinto de vermelho cereja a quase 8 anos. (e com o tempo, o meu fica alaranjado)
e não existe cor que me descreva melhor do que meus fios de fogo.
acho muito lindo cabelo branco. confere um certo charme de quem viveu muita coisa, e tem orgulho de tudo.
fico pensando se abandonarei meus vermelhos para adotar a cor da neve um dia.
Hahaha... Já tentei pintar, não deu outra, voltei ao cabelereiro para voltar a morenidade... Embora assim como a Mel comentou aprecio os brancos, uma nostalgia e um charme!
Homem que tinge cabelo passa atestado de ignorância. Não sabe nada sobre sedução.
segundo lugar que chego hoje pra dizer "muito aconchegante por aqui",
um poof literário!!!
encantadíssima;
Absolutamente encantada com mais texto !!!
Carpinejar adoro este espaço !!!
Parabéns!!!
Você eh "O CARA"!!!!
Abraços, continue nos brindando com tão belas relíquias !!!
Pintar o cabelo para disfarçar a tristeza, no meu caso sempre pinto e corto...lá se vão alguns e cachos e lá se vem tonalidades ruivas, castanhas, escuras...
Cabelo sem sentimento, sem face, não agride, mas é vitima de bullying ao ser apontado como um fora da lei: é ruim. Dão até sobrenome, é duro, não molha, é de nego, é pixaim, é de pixete... . O que fazem os cabelos nessa terra e vida de meu Deus, pra serem chamados de bons ou ruins? Será que é por causa dos seus tamanhos curto ou longo que modifica o modelo, está solto, está preso? Todos acusam. Onde está à defesa? Qual juiz dará a sentença? O cabelo acompanha a cabeça e os tempos, só quer cuidados, elogios e afagos. Não importa a cor ou tonalidades, pois na vaidade das aparências pintar os cabelos é o mesmo que maquiar os tempos. O risco de pintar os cabelos é esquecer a idade.
Margareth.
Simplesmente Perfeito!!!
Eles se apaixonam pelos nossos cabelos, tenho certeza disto, quando dizemos que vamos mudar o corte ou a cor, já ficam dando palpites, se o cabelo é comprido diz: Não corte curto!
Se tem franja diz: Não corte muito!
Se é loira diz: Não pinte de preto!
Se é morena diz: Não pinte de loiro!
...
No final dando uma ajeitada e amor no nosso bom e velho cabelo natural ele é perfeito!.
Homens tem que ter os cabelos naturais, homem de peruca perde toda a confiança,
homem de cabelo pintado perde todo o charme.
Nós sempre o aceitamos como é.
Postar um comentário