sábado, 25 de junho de 2011

PROCURA-SE UM BARBEIRO

Lorena resiste a fechar negócio herdado do pai. Walter, que trabalhou por seis décadas como barbeiro, em registro feito em 2000. Fotos de Adriana Franciosi.
Barbear-se é um luxo masculino. Ainda mais se feito com navalha.

O avental azul, a espuma, as laminadas de baixo para cima no pescoço. Depois a toalha quente, a loção, o talco na nuca. Todos os cuidados para a pele não ressecar e receber plenamente as carícias do vento.

A leve ardência no rosto ao sair na rua, em especial no inverno, é uma das melhores sensações de bem estar dos homens.

A cena é rara no Rio Grande do Sul. As barbearias foram substituídas pelos salões de beleza, e são poucos os profissionais que sabem manejar uma lâmina. Um exemplo é a barbearia de Rio Pardinho, distrito do interior de Santa Cruz do Sul, cidade de 118 mil habitantes, a 147 quilômetros da capital gaúcha.

– Ninguém se interessa em ser barbeiro, somente cabeleireiro – desabafa Lorena Waechter, 61 anos.

Desde a morte do seu pai, Walter, em 2000, o negócio não encontrou um funcionário. A vaga permanece aberta. Dois pretendentes apareceram, e não voltaram no dia seguinte.

Localizada às margens da ERS-471, num casarão histórico de 1895 (onde funciona bar, restaurante e bolão), a salinha está desamparada, deserdada, sem aquela alegria dos senhores esperando sua hora folheando revistas antigas.

Apesar da tabuleta convidando para entrar, as tesouras enferrujam em cima da cômoda, os pentes mentem a idade dos fios presos nos dentes.

O espelho é fiel ao dono e fez luto; enegreceu, cobrindo exatamente a posição em que Walter ficava, acima dos ombros dos clientes.

– O pai trabalhou seis décadas a fio, desde 1944. Comprou o ponto de meu avô Helmut, no fim da II Guerra Mundial. Não vejo sentido em fechá-lo. Minha esperança é meu fiado, confio que uma alma talentosa virá para continuar sua história – diz Lorena.

– Havia um ritual maravilhoso, ele afiava a lâmina na pedra de amolar antes de atender. Os cães paravam de latir em respeito – explica Irinêo Becker, 69 anos, marido de Lorena.


Walter recebia 40 pessoas por mês, até adoecer de câncer e falecer aos 90 anos. Cobrava barato na época, o equivalente hoje a R$ 10 o corte e R$ 5 a barba e o bigode. O que o motivava era a animada conversa que travava com os amigos sobre política e futebol. A tertúlia iniciava suavemente em português e terminava sempre inflamada em dialeto alemão – alguns, irritados com as opiniões, esqueciam de pagar.

– Minha tristeza é que ele nunca aparou o meu cabelo, só arrumava cabeça de homem.

Lorena é uma de suas três filhas do casamento com Olinda. As outras são Margit Panki, 65 anos, e Doris Brust, 69 anos.

– A vida inteira junto; de vez em quando peço para o pai abrir a porta, esqueço que ele já partiu.

A barbearia de três janelas é o cantinho predileto de suas folgas no bar. Senta na cadeira fabricada pelas mãos paternas e chove saudade pelos vidros.

– É meu pátio dentro de casa, cada um tem o seu, né?

O vizinho Arno Waechter, 89 anos, é um dos moradores do distrito que mais lamentam a lacuna do serviço. Cobrador de ônibus aposentado, não disfarça o recente talho no lado esquerdo do rosto. Não é prêmio de nenhuma briga ou cicatriz de uma confusão.

– Desde guri, me arrumava na poltrona de Walter. Não me acostumei com sua ausência. Como protesto, eu me corto fazendo a barba.








Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 35, 25/06/2011
Porto Alegre, Edição N° 16740
Acompanhe nossos vídeos na barbearia.

11 comentários:

gill disse...

Bela e melancólica história. Foi meu avô também barbeiro, e menina me recordo de cadeiras altas que giravam, acho que eram vermelhas e douradas. De lavandas, espumas e navalhas reluzentes. Homens em conversas e risos. Ficava quieta, num canto absorta naquele ritual masculino e o meu avô era o líder, chamavam-no de Mestre.
Saudade boa de um tempo quase esquecido e seu texto me trouxe. Obrigada!
Abraço!

Mima disse...

Pôxa, que bonito... Meu avô também foi barbeiro! Eu moro aqui no outro Rio, o Rio Grande do Norte, e por aqui ainda se encontram uns poucos, bem poucos. Meu avô ainda está vivo, mas depois que a minha avó faleceu (2009), ele anda triste e sozinho. Aposentou a cadeira, que ainda sustentava uns poucos clientes fiéis. Essa história é tão bonita... que bom que a Lorena se recusou a fechar o lugar. Isso fez o Carpinejar escrever a história, o que fez a Gill e eu escrevermos sobre nossas histórias. Histórias, lembranças e todo esse compartilhar - que bom. Que bom.

Grande abraço a todos..

Ramiro Conceição disse...

PENSAR QUASE ENLOUQUECE
by Ramiro Conceição


Preciso cortar o cabelo, mas
não consigo… ir ao barbeiro.

Não é a distância.
Não é o dinheiro.

Sou eu!
Louquim.
Louquim.

Caju, sem cajueiro.
Fogo, sem braseiro.

Meu Deus
- cresceu a barba branca,
o branco cabelo cresceu -

por favor me diz como se faz…
Estou a aparecer - Karl Marx.

Já são três dias - de luta,
de intriga, briga e labuta.

Corta. Não corta.
Corta. Não corta.

Catralhos me mordam!
Ai de mim, fiquei doidim!

Debaixo do bigode,
resta um grito de fé:

“Cadê a corte de Herodes
com a bela Salomé?”

Todo poeta - é um profeta,
mas a loucura não é meta.

Anônimo disse...

Que saudade da minha infancia! Sempe tinha o barbeiro preferido do papai e dos tios. Era um lugar elegante, bem frenquentado de gente culta, discutindo politica , economia e sempre o futebol... Tinha que marcar a hora para ser atendido prontamente. Bons tempos...Barbeiro!!!Mais uma arte que se vai.

Anônimo disse...

Continuando...
Estivemos, eu e meu marido, em Montevideo, em Pocitos e nao é que ao lado do hotel ainda tem um barbeiro aos moldes antigos? E o povo ainda vai la, folheia revista enquanto aguarda a sua vez de fazer barba e cabelo!!!! Sentimos muita nostalgia. Ainda bem que eles conservam o habito ainda...
Beth

Eliza disse...

Barbeiro era o melhor informante da cidade. Conhecia a todos e sabia dar noticias de qualquer habitante da cidade. Confiar naquela navalha afiada que deixava qualquer rosto lisinho e bonito misturado naquela espuma que chegava a cobrir a metade do rosto era uma Arte. Os melhores barbeiros traziam todo equipamento de babear da Alemanha. Sabia da qualidade de servico pelos materiais importados...Que saudade, seu Pedro!!!

Anônimo disse...

Carpinejar, vi seu livro Na Livraria Cultura de Brasilia. Queria saber se vc vem para uma noite de autografo aqui na Capital. Me avise, por favor.
abcs

Eliko

tere disse...

Barbearia, recinto só para homens. Mulheres decentes nem ousava olhar para dentro porque podia pegar mal. Crianca so entrava se fosse menino.
Com o tempo, as coisas foram mudando, a modernidade foi chegando e o barbeiro comecou a ser esquecido. So os antigos ainda frequentavam quase que diariamente para fazer a barba e ficar com a cara lisinha. Chegou a moda dos barbudos. Dos cabeludos! De cabelos baguncados e longos e sem corte. O barbeiro so olhava a nova moda com indignacao. Fazer o que? O tempo foi passando e so os antigos mantiveram o costume de ir ao barbeiro quase que diariamente, um pouco para ter com quem trocar ideias, discutir os novos rumos que o mundo tomava, as durezas da vida.
Bons tempos, bons costumes...

Anônimo disse...

alo amantes da arte , se praparem, sou artesao escultor a 15 anos, e sempre admirei os barbeiros arte feita com as maos iqual a minha ano que vem começo minha carreira de barbeiro, esta ideia surgio em plena semana do barbeiro, aqui em santa cruz do sul, quando voce vier visitar nossa cidade nao esqueça do barbeiro pereira, ja estou montando mas e pra março de 2012 se o mundo nao acabar...artesaod@yahoo.com

Anônimo disse...

Por favor, preciso do contato dessa senhora, herdeira da barbearia.
jlpoliceno@ibest.com.br

Anônimo disse...

Será que ela quer vender as coisas
móveis cadeiras enfim compro tudo!
pubiquem o contato da herdeira!