quarta-feira, 17 de agosto de 2011

TAL PAI, TAL FILHA

Arte de Cínthya Verri

A paternidade nunca desfrutou de igualdade de condições com a maternidade. Havia uma larga desvantagem nos hábitos, além da gestação, amamentação e de todo o cuidado instintivo.

Não há mais. O Muro da Mauá caiu. Minha filha Mariana, 17 anos, empatou os dois papéis a partir de um singelo gesto. Rompeu o último reduto confessional.
Ela pega minhas roupas emprestadas na calada da noite. Assim como fazia com sua mãe.
Desde que ela veio morar comigo, realiza o anarquismo dos armários. Anseia eliminar os biombos, divisórias e formas de governo. Não preserva sequer conjunto novo. Corta etiqueta para usar pela primeira vez. Desrespeita os lacres e a sensação gostosa de estreia do dono.

Leva minha calça, minha camisa, meu terno, meu macacão. Anda furtando inclusive a coleção de camisetas de futebol, que eu julgava pessoal e intransferível como cueca.

Diz que é altamente autoritário esse papo de masculino e feminino.

Surgiu com a seguinte tirada no jantar: “Enquanto existir autoridade, não existirá liberdade”.

Não posso culpá-la. O homem deveria ter pensado um pouco mais antes de se declarar metrossexual.

Acordo e vou pegar um casaco: sumiu! Passo uma hora procurando entre os cabides, a cesta da lavanderia, o varal, e nenhum sinal. Reviso os últimos passos da roupa. Rezo o pai-nosso pela metade, questiono a mulher, enlouqueço a empregada, incrimino o esquecimento da velhice.

Sabe o que é escolher uma combinação inteira a partir de uma peça e ela desaparecer de repente? Um lampejo de harmonia posto fora? E a frustração? E o desejo reprimido? Você me entende, Laerte?

Desisto, e me dirijo ao trabalho com a sensação incômoda de que não mando mais em minha vida.

Quando Mariana volta da escola, percebo que ela carrega justamente a roupa extraviada. E parece mais dela do que minha.

Nostradamus ou mãe Diná não previu isso. Trate de se acostumar. Não reclame que sumiu, investigue direito, está em casa, no outro quarto.
Controlo o ranger de dentes. Demorei uma década para alcançar a guarda, não vale desperdiçar com picuinhas e egoísmo. Não custa nada renunciar às futilidades, preservar os valores e investir no caráter.

Afinal, é o internacionalismo dos botões, é a integração sociolibertária do vestuário, é a difusão global do figurino.

Hoje coloquei a calça de corações amarelos de minha filha. Não esperava que servisse. Entrou certinho. Quero só ver a cara dela ao descobrir.




Crônica publicada no site Vida Breve

22 comentários:

Penélope disse...

Um prazer chegar até aqui e deparar com este texto emocionante, pois só via teus escritos por outros blogs.
Gosto da sua forma de escrever.
Abraços

Heidi disse...

demais da conta...e vc ta certo...completamente...mas por favor, fotografa-te com a tal calça e nem escreve nada, só posta aqui, vai ser muito bom...rsrsrsrssr....

Guria disse...

kkk
eu concordo com a Heidi, quero vê-lo de calça de corações amarelos.

Renata disse...

Mais um voto a favor da foto com a calça de corações amarelos!

Manu Zaffari disse...

Adorei Fabrício.
Lá em casa é "tal mãe tal filho".
É bem assim que acontece.
Você me diverte nas coisas mais comuns da vida.
Abraço.
ps. mais um voto para a foto da calça de corações.

Anderson Farias Borba disse...

Na minha casa a minha mãe saqueia minhas roupas!

Esses dias ela andava na rua com uma camiseta de banda black metal e nem sabia do que se tratava.

A gurizada do rock deve ter incluído ela na tribo! haha

abraços a todos

Suzy Luz disse...

Amei a crônica! Aliás, amo teu estilo, tua escrita... única e inconfundível!
Mas essa da calça de corações amarelos da filha foi demais! rsrsrsrs
Unanimidade na reivindicação da foto, queremos vê-la!
Você não vai frustrar seus leitores, vai?! rsrs

Abraços!

Unknown disse...

Muito bom texto

Visite (siga): antimateriadonada.blogspot.com

Unknown disse...

Uma certa revanche da tua parte. Realmente não há mais espaço para segmentações... Adorei, como sempre, aliás!

Viviane Zion disse...

Nossa! Muito bom!

Cinderela disse...

Adoro esse blog.

Raquel dos Cabelos Cor de Mel disse...

Calça de corações amarelos!!
Já ganho na votação kkkkkkk
Adoro seu jeito de escrever, me identifico e acho parecido com o meu jeito de escrever também,mas é claro que eu não tenho direito de e gabar, já que sou só uma adolescentezinha que acha que pode muita coisa...hó hó!
Se lhe apetece, meu blog:
minestradeletrinhas.blogspot.com

Maria Tereza disse...

#rialto!

Lisara disse...

Por favor, a foto!!!
Amo demais este blog!

Anônimo disse...

Quem pode prever mudanças como estas? Se é que se julga necessário. Bom texto! Abraços.

Eliane Ratier disse...

Assino a petição pela foto. Bom revide, melhor só se fosse vestir a calça para buscar a filha na porta da escola.

Raquel Rocha disse...

Adoro tudo o que vc escreve!

Janine Lorenzo disse...

Toda menina gosta de passear no guarda-roupa dos pais, da irmã, dos irmãos.. e seu guarda-roupa Fabrício deve despertar muita curiosidade, hehehe. Um abraço!! Janine

DanAngel disse...

AdorOOOO o que você escreve, e quando vai no Jô vivo de tanto sorrir (pq se morresse não estaria aqui escrevendo) kkkkkk,e sempre vou dormir mais feliz, mas é bem isso mesmo meu irmão adora passear no guarda-roupa do nosso pai e pegar as roupas que ele nem vestiu...não só roupas como relógios,sapatos, calças etc...
te seguindo
Abraços

Anônimo disse...

dá pra pedir pro São LOnguinho tbm haha.

Escolher uma coleção inteir a partir de uma peça kkk

Márcio Ezequiel disse...

Ótimo, dá até miniconto:

O pai ganhou a guarda.
A filha,o guarda-roupa.

Anônimo disse...

adorei! adoro o que vc escreve. muito bom mesmo!