sábado, 10 de setembro de 2011

MESTRE-CUCA

Com suas massas recheadas irresistíveis, Borghetti ajudou a sepultar plano de dieta coletiva. Foto de Tadeu Vilani.

Lagoa dos Três Cantos, situada no Planalto Médio, a 277 quilômetros da capital gaúcha, ficou conhecida como a cidade mais obesa do Brasil em 2001, em pesquisa da Organização Mundial da Saúde.

60% dos moradores estavam acima do peso e fugiam da balança.

A partir de convênio da Prefeitura com o Hospital Santa Casa de Misericórdia, houve uma dieta coletiva que durou até 2004. O programa de reeducação alimentar utilizou o telefone e a internet (www.emagrecendo.com.br) para monitorar pacientes. Os alimentos foram transformados em números. As mulheres não poderiam ultrapassar 330 pontos por dia, os homens estavam restritos a 450 pontos. As refeições ganharam reforço de matemática. A calculadora tomou o lugar de honra do guardanapo. Um copo de cerveja valia 33 pontos, um bife à parmegiana correspondia a 185 pontos.

A população bem que tentou, chegou a emagrecer quatro toneladas, a média decresceu de 82 para 75 quilos, mas no fim a comunidade sucumbiu à terrível tentação: as cucas deliciosas do Borghetti.

O italiano Ivaldo Fioravante Borghetti, 70 anos, é o vilão do regime da pequena localidade alemã. Ninguém resiste às suas massas caseiras, recheadas de morango, framboesa, uva, tangerina, coco, chocolate e doce de leite.

– O regime é propaganda para a comida. Controlando as calorias, sentimos saudade da liberdade da infância – teoriza.

Ele é o Anticristo dos anoréxicos e dos bulímicos, o inimigo número 1 do colesterol. O perfume de sua padaria na Avenida Otto Radtke tonteia os passantes e vicia os vizinhos.

– A cuca de Borghetti é uma arma irresistível de açúcar. Se uma fatia da cuca equivale a 89 pontos e é impossível comer uma só, não dava para segurar mesmo a cota – explica a funcionária pública Georgia Walker, 38 anos.

– Ele arruinou nossas pretensões de magreza. Eu inicio e termino o expediente comendo cuca. Não consigo parar – expõe Cláudia Regina Schmidt, 32 anos.

A desculpa de Ivaldo para a expressiva venda é o grande número de turistas consumidores.

– Já mandei produto por sedex para Mato Grosso. Atendo muito pedido de fora – defende.

– Me engana que eu gosto, nós é que comemos demais – desmente a agricultora Rejane Freis, 42, que sofreu o efeito sanfona dos conterrâneos, emagreceu 36 quilos e voltou a engordar tudo de novo.

Ivaldo não tem o que explicar. Sua padaria vende 1,6 mil cucas por semana, exatamente o mesmo número de habitantes de Lagoa dos Três Cantos. Durante março, abril e dezembro, períodos festivos, a fabricação dobra para 3 mil unidades.

Não existe toalha de mesa que não conheça os farelos de seus confeitos.

A mulher, Lairdes, 63 anos, a responsável pela famosa receita do doce, também ganhou seis quilos. Nem ela escapou do feitiço:

– Nosso problema é que comemos ligeiro, e nunca é o suficiente.

A filha de Ivaldo, Claudete, 45 anos, acha que o sobrepeso é resultado da interminável vocação festiva.

– Todo final de semana tem festa. Ou é bolão ou é bocha ou é futebol ou é galeto de Igreja ou é churrasco de escola – afirma.

O padeiro encolhe os ombros alegando que não tem nada a ver com a gula do município.

– Não tenho culpa se o pecado é bom. O inferno é o céu da boca.





Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 36, 10/9/2011
Porto Alegre, Edição N° 16821
Veja vídeos mostrando a rotina da famosa padaria.

5 comentários:

natplena disse...

Sempre bom te ler, te ver, te conhecer e a todos que fazem o seu eu! bjos... ;)

Francisco Carrasco disse...

Cuidado com a cuca. A vilã das dietas. Adorei o texto.

Jane disse...

Engordei uns 2kg só lendo esse texto...vou passar o resto do final de semana sem comer nada...

Ramiro Conceição disse...

Não existe toalha de mesa que não conheça os farelos de seus confeitos. Nosso problema é que comemos ligeiro, e nunca é o suficiente. O inferno é o céu da boca.


ASSIM SEJA
by Ramiro Conceição

“A César o que é de César”
“A Deus o que é de Deus”
- disse a Lenda aos bípedes.

Portanto parece que dois direitos co-existem:
um, profano, é mortal; outro, sagrado, imortal;
no primeiro… uma falta é crime;
no segundo, o pecado se define;
no primeiro, vivo, se vai para o calabouço;
no segundo, ao céu do avesso, só… morto!

Ora, pra onde vão os pedófilos que, durante séculos,
fizeram do sacramento da confissão um instrumento
à perpetuação do poder maligno… no cio das eras?
Ora, o que fazer com a cruel iGREJA omissa
e com todos os dias de rezas… e de missas?
Ora, o que se fará com o livre-arbítrio:
nova ideologia maldita aos martírios?
E com o pecado para o qual não há perdão:
o esconderão sob entulhos… na podridão?

Ah… adoradores do minúsculo
do dia, sábios só do crepúsculo!
Diz a Lenda que aos porcos, sem beleza,
um abismo resta sempre… Assim seja!

Vanessa Reis disse...

Nossa, adoro cuca!

Beijos, Fabro! Que continue inspirado e inspirando!