terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

QUAL O SEGREDO DO PADRE NEJAR?

Arte de El Greco

Meu pai teve um tio padre: Alberto Nejar.

Preencheu a cota de ascese da família. Uma batina para aliviar a língua ferina de duas gerações de escritores.

Ele conduzia as missas no bairro São Geraldo, em Porto Alegre.

Nunca tive a chance de ouvi-lo no púlpito, na verdade não lembro de qualquer encontro. Acho que meu pai brigou com seu tio, o que indica uma imensa coragem. Brigar com padre é coisa de bagual, ainda mais do mesmo sangue. É realmente não temer o inferno.

Imaginava o sacerdote com frequência, a ponto de acreditar que eu o conheci: bufo, bochechas rosadas pelo calor, gargalhada rouca, barriga de senador romano. O engano decorria de uma fantasia repetida. Toda lembrança é uma fantasia repetida.

Alberto foi um de nossos mais famosos parentes. Mais do que ele, somente um remoto Ildo Nejar, dirigente e árbitro de futebol no Rio de Janeiro.

Quando soletrava meu sobrenome na infância, logo me perguntavam qual o vínculo com o padre Nejar. Fiquei craque em responder por evasivas, comentar da distância dos laços, levantar os ombros aos pássaros.

Mas me espantava com a adoração dos fiéis:

– Padre Alberto nos motivava a voltar!
– Não existia um padre igual!
– Alma compreensiva!

Intrigado com o impacto positivo na paróquia, nunca encontrei alguém que falasse mal dele, que insinuasse casos secretos, hábitos estranhos, favorecimentos esdrúxulos, desvio de hóstias para casquinhas de sorvete, superfaturamento de vinhos de garrafão.

Perante sua trajetória ilibada, inconsútil, não duvidaria de uma possível beatificação, fardo intolerável. Um padre na família estava de bom tamanho, um santo seria um transtorno psicológico irreversível. Ninguém mais poderia cometer maldades em paz.

O curioso é que o elogio de seus contemporâneos vinha com convicção, nem fazia sentido questionar o motivo do favoritismo. Deduzia que fosse um excelente orador, que falava as verdades na cara dos pecadores e lotava as missas dominicais. Ou que resolvia impasses do confessionário com excelentes conselhos. Ou que cantava lindamente, barítono acompanhado do coro da Terceira Idade.

Mordido pela cisma, finalmente perguntei a um antigo coroinha da São Geraldo o segredo do padre Nejar.

– Por que todo mundo gostava dele?
– Sua missa era a mais rápida da cidade.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 21/02/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 16986

7 comentários:

Unknown disse...

Se tens um padre na família,és por toda vida condenado a falar de anjos e expulsar teus demônios em verso e prosa.
Um abraço.

Leonardo Xavier disse...

Realmente, esse é um belo motivo para ser um dos padres mais queridos... Sermão prolixo de duas horas, ninguém merece!

Francisco Coimbra disse...

Comentário rápido, parabéns!

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

era um homem a frente do tempo... fosse hoje, ele seria um sucesso ainda maior..

abraço.

Marcia Lautert disse...

Pois agora tu encontrou alguém que não gostava do Padre Nejar...euzinha.Aliás, ninguém na minha família gostava dele.Mal educado e grosseiro.Destratava as pessoas, era antipático.Ele casou meus pais e batizou a mim e meus irmãos.Sempre mal educado.

Bernalum... disse...

Oi, Marcia Lautert...
Eu tb. da igreja São Geraldo. Do Pe. Nejar, minha lembrança é igual a tua...Mal educado e mal-humorado ... Casou meus pais e batizou os 8 filhos... Um dos defeitos dele era ser misógino . O grupo de jovens rapazes (Stella Maris) era o preferido do pároco Nejar... As moças eram atendidas pelo coadjutor, que quer dizer , tipo um padre auxiliar... Talvez o fato de ser de ascendência libanesa explique o fato...A grande maioria dos países de língua e cultura árabe trata a mulher como ser secundário...
Sou Inês Bernal
bernalum@gmail.com

Unknown disse...

Muito convivi com o Padre Alberto Nejar, depois Cônego e Monsenhor. Suas missas eram concorridas. Sua presença nas Missas do Emaus, nas noites de quintas-feiras, na Igreja da Pompéia, era muito apreciada por todos nós. Volta e meia dava palestras, geralmente sobre assuntos polêmicos para a época, final da década de 1970, início dos anos 80. Vez ou outra co-celebrava às missas com Monsenhor Urbano Zilles, Coordenador Espiritual do Movimento Emaus. Era bem quisto por seus paroquianos e por todos àqueles que faziam parte dos Cursilhos da Cristandade.