Arte de Rufino Tamayo
Sou brigão. Um Hulk amarelado. Um caixa automático do Procon.
Minha aparência é calma, educada e sensível na maior parte do tempo. Mas é cometer uma injustiça contra mim ou querer me enganar, que enfureço. Subo nos tamancos. Monto no porco.
Babo, esbravejo, cerco a conversa, acelero a fala para não permitir que o oponente pense e revide.
Em casa, são folclóricas as refregas com garçons, taxistas e vendedores.
No Súper Trunfo familiar, minha agressividade é 9,5, a campeã absoluta das cartas.
Os filhos são os que mais sofrem com os escândalos públicos. Mariana, 18 anos, se cala de cantinho, envergonhada, pedindo desculpa por existir.
Aquele que discute alto deveria ter consideração com seus acompanhantes. Ou, pelo menos, consultá-los antes de tomar uma atitude intempestiva de chamar atenção do restaurante ou da loja ou da rua.
Busquei me reabilitar na última semana. Não me esquentar por qualquer atrito, não estragar o passeio com minha sede de justiça.
Em Belo Horizonte, veio a primeira chance de desfazer a fama. O taxista roubava de modo escancarado. Aumentava o trajeto, costurava rumos desnecessários, salteava entradas com destemor, assobiava malandragem. O trajeto de R$ 10 da ida (linha reta na Avenida Afonso Pena), já resultava o dobro no taxímetro da volta.
Respirava cachorrinho para não latir. As têmporas cresciam, a dor de cabeça aumentava, mas não iria constranger novamente minha filha. Dessa vez, suportaria o erro em silêncio, conteria o ímpeto de pegar a falha em flagrante e exigir explicações.
A mão suava, a garganta arranhava de raiva. Repassei o dinheiro para Mariana disposto a evitar o conflito direto, o confronto final, o choque da verdade.
Não desejava sequer ouvir a voz fanhosa do sujeito.
Festejei quando saí do carro para pegar as sacolas no porta-malas. Finalmente controlei a fúria, estava curado da maldição, merecia estrelinhas douradas no caderno escolar.
Mas estranhei a demora de Mariana para deixar o táxi. Fui conferir pela janela e ela apontava o dedo e gritava com o motorista, chamava o cara de ladrão, de criminoso, de estúpido, de grosseiro, de nojento.
Levantou-se e bateu a porta com força. Lacrou a porta do Sandero. Nunca a vi assim.
– Que safadeza, a corrida custou R$ 22,10 e ele insistiu pelos 10 centavos, não aguentei e explodi – esclareceu.
Nas férias de minha cólera, ela ocupou meu lugar. Bem coisa de máfia.
As maiores brigas de nossa vida acontecem quando defendemos as dores dos outros.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 29/05/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 1784
4 comentários:
Isso parece eu e minha mãe andando na rua...rsrsrs
Bah, pior que é bem assim... Falar, ou melhor gritar, brigar para que todos ouçam da mais vergonha,mas na cabeça dessas pessoas parece que da mais resultado tambem, ou não hehe. adorei o texto.
Muito bom...
meu pai já dizia "a fruta não cai longe do pé" hahaha
“Respirava cachorrinho para não latir”. Excelente! Isto vai de encontro a uma máxima do pensamento sartreano: "O existencialista não crê na força da paixão". Sua esposa, no entanto, preferiu Shakespeare - em "Romeu e Julieta" o escritor inglês conduz um casal de amantes ao suicídio, contrariando a razão – e chingou o taxista: “Fui conferir pela janela e ela apontava o dedo e gritava com o motorista, chamava o cara de ladrão, de criminoso, de estúpido, de grosseiro, de nojento. Levantou-se e bateu a porta com força. Lacrou a porta do Sandero. Nunca a vi assim”.
Abraços, Fabrício.
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