segunda-feira, 6 de junho de 2016

GRANDES HISTÓRIAS DE AMOR



Amor não é preguiça. Amor é vencer a preguiça. Com filhos ou com esposa. É trocar a paz pela dedicação. É sair do conforto para atender alguém. É abdicar do calor das cobertas em nome do cuidado, é se antecipar em gentilezas e enfrentar o frio do inverno e dos pés descalços na cozinha.

Quem deseja dormir passando do meio-dia como fosse um eterno adolescente, ficar assistindo a séries ou futebol sem ser incomodado, deixar a bagunça se acumular para a chegada da faxineira, não lavar a louça até não encontrar mais copos e pratos limpos, permaneça solteiro. Não se case, não seja pai. Não gozará do luxo de duas horas de tranquilidade para ler ou boiar com os pensamentos. O intervalo de distração é de três minutos.

Família é perder o controle dos próprios horários. É madrugadão. É o equivalente a trabalhar como vigia ou segurança noite adentro, é assumir a condição de taxista nos momentos vagos.

Quando o filho é bebê, você terá que atender às cólicas, usará o gogó para desfiar as canções de ninar da época da vó e dar colo de um lado para o outro, incessantemente, com os faróis dos carros iluminando as janelas da sala. Quando o filho é criança, é acudir os pesadelos e de repente levar o pequeno para a cama de casal. Quando o filho é adolescente, é esperar o chamado para buscá-lo de carro nas festas.

Não conhecerá trégua. Não conhecerá moleza. O sono vem aos surtos, aos goles, aos poucos, em curvas, não ocorre em linha reta. O alarme do celular é o melhor amigo do homem de família. Há décadas que não sei o que é me espreguiçar lentamente, com os braços esticados para cima, ronronando, treinando posição de yoga e saudando o sol. Eu acordo de susto, com o coração aos pulos, determinado a cumprir tarefas. Nem penso muito, faço para depois pensar.

Tenho consciência de que amar é nunca mais ser egoísta, é renunciar ao individualismo e ao prazer de estar sozinho.

Foi uma decisão de uma vida feita na maior insignificância. Defini a minha paternidade e o meu casamento durante a segunda noite com a minha mulher. Ela estava com sede e pediu um copo d’água. Poderia fingir que não ouvi, poderia fingir sono profundo, poderia fingir que não era comigo, afinal a temperatura beirava os cinco graus. Mas empurrei o meu corpo para fora da cama, concluindo que ela merecia o meu esforço e que não custava nada oferecer um pouco de ternura.

Não duvide da banalidade. Levantar ou não para buscar o copo de água para a sua namorada é sempre onde começam grandes histórias de amor.

Publicado no Jornal Zero Hora
Caderno Donna
05.06.2016

2 comentários:

marina disse...

Olá, Fabricio, tudo bem?

Trabalho na Azul Magazine, revista de bordo da Azul, e estou escrevendo uma matéria sobre o cruzeiro do Iberostar pelo Rio Negro, que é o mesmo roteiro do Navegar É Preciso. Gostaria de enriquecer a matéria com os depoimentos de alguns escritores que participaram do projeto – e gostaria que você fosse um deles.
Você toparia escrever para a gente o que considera imperdível nesta viagem? Duas ou três linhas são mais do que suficientes. Se preferir me responder por email, você me acha no marina.azaredo@azulmagazine.com.br.
Fico no seu aguardo.

Abs e obrigada,

Raquel Beatriz disse...

Aprender todos os dias sobre generosidade é disso também que se trata o amor.