segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

JÁ ERA AMOR NO INÍCIO

Foto de Gilberto Perin

Às vezes é amor desde o início, mas recebe o nome errado do medo, é chamado de amizade por engano e demora para ser anunciado. Até virar hipótese improvável.

Você não segurou a mão no cinema quando deveria, você não beijou a boca na primeira vez que saíram, você não usou a licença poética da embriaguez para subir ao apartamento na hora da despedida, você não arriscou e não se entregou, como nos blecautes anteriores. Foi possuído de pudor, a proteger uma afeição pura e inédita. Foi tomado de respeito, não queria avançar o sinal.

Veio um estranho medo de ferir e de ser ferido. As pernas fraquejaram, o aceno pendeu no ar pela metade, os olhos se contentaram em voar com um tchau desajeitado.

Os dias se passaram e não retornaram mais ao início onde a amizade era para ter sido amor.

Trocaram confidências para domesticar o encontro, esconderam a atração forjando lealdade, espantaram a possibilidade de sexo para não sobrecarregar de dúvidas a cumplicidade que corria dentro do toque.

Sufocaram, com as forças da juventude e da dissimulação, a inquietação que reinava no silêncio e na saudade.

Vocês se encaixavam perfeitamente. Concordavam antes mesmo da conclusão da história, decoravam datas e gostos, adoravam caminhar lado a lado e discutir o que vinha à mente com liberdade, sem censuras e filtros.

Usaram todas as palavras um com o outro, menos aquelas que mudariam tudo. Empregaram todas as verdades um com o outro, mas mentiram justamente na confissão que transformaria o relacionamento.

Não arriscaram declarar o que sentiam. Ou porque era cedo demais e estavam se conhecendo. Ou porque era tarde demais e já se conheciam excessivamente.

Não perceberam o quanto se envaideciam no momento que alguém na rua se confundia e elogiava a intimidade:

- Formam um casal muito bonito!

- Ah não, não somos um casal...

Não? Tinham um dialeto, um riso sempre fácil, conversavam por músicas e canções, atravessavam a clareza das madrugadas e a claridade dos dias, mas não apostaram na intuição, o único conselheiro que desfaz dilemas.

Esperaram reunir provas do sentimento mútuo quando nunca existiu tribunal no amor, quando nunca existiu justiça no amor, quando nunca existiu reparação de perdas e danos no amor, é sempre esse agora e sempre, essa execução sumária.

Não há como culpar ninguém por aquilo que não aconteceu, a não ser lamentar a timidez. Permitiram que namorados e namoradas aparecessem no vácuo que não ocuparam, e complicaram o que podia ser fácil. Agora estão condenados a ouvir descrições apaixonadas e lamúrias, fins e abandonos, recomeços e novos romances. Agora estão forçados a mergulhar num ménage espiritual, a suportar indiscrições, a fingir desinteresse e chorar em segredo. Agora serão empurrados pela vida a serem melhores amigos eternamente, a serem convidados para os papéis de padrinho e madrinha de um casamento errado, de um altar que no fundo era destinado aos dois.

5 comentários:

Unknown disse...

Lindo!

Pós outros disse...

Esse texto nos faz refletir de yma forma tão profunda. Enquanto lia, um filme passava em minha mente, memórias e flashs Do qUE poderia ter sido.
É realmente gratificante essa viagem, mesmo que doa ou nos faça rir... Ao menos sabemos que ainda estamos vivos

Unknown disse...

Essa parece a minha história com meu melhor amigo...

Anônimo disse...

Acontece...

Anônimo disse...

O amor deveria ser sutil. Diferente do arroubo de uma paixão. E se um dos dois perder essa sutileza, deixar que escorra pela mão, como areia, talvez fosse assim que deveria ser.
Muitas vezes pensamos que perdemos o momento, mas quem sabe não seja assim.