segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

ÚLTIMO SAMURAI


Tenho uma nota de R$ 100 na carteira que já vem durando uma semana. Não vou entregá-la. É só pagar algo, e ela desaparece. É só virar uma de R$ 50 e duas de R$ 20 que ela some e nem sei com o que consumi. É só uma balconista usar a expressão troco – “toma o seu troco” – que ela se sente diminuída e se desintegra. Uma nota de R$ 100 jamais poderia ser insultada de troco, é bullying.

A nota de R$ 100 é o último samurai da família, o derradeiro guerreiro do níquel. Fará a vingança do cofrinho quebrado, do porquinho desmanchado em pedaços, do porta-moedas vazio.

Lutarei por ela, e ela lutará por mim. Não deixarei a garoupa ser pescada ou a efígie da República ser pichada. Mesmo que seja necessário atravessar um shopping inteiro com os filhos, atalhar um parque e encarar as carrocinhas de cachorro-quente e churros como um vegano convertido.

As tentações são muitas, em especial no final de semana. Sábado e domingo são inimigos declarados da nota de R$ 100.

A vontade de cinema apertou, mas não cedi e esperei um bom filme aparecer na tevê. Preparei pipoca no micro-ondas, estendi os pés no sofá e não reclamei que a metade do milho não estourou.

Reclamar esvazia o bolso. É dizer que não está feliz que o descontentamento aumenta. É dizer que não tem dinheiro para nada que você gasta o dinheiro que nem tem.

No dia seguinte, estava cansado, pois dormi tarde, vi os imãs de tele-entrega sorrindo para mim na geladeira, mas resisti aos números fáceis. Guardei as propagandas no armário e fui cozinhar. Preparei uma massa para bodear os pensamentos, jiboiar os desejos, enjaular este safári de impulsos.

Decidi empenhar a faxina senão a nota ia embora na segunda. Pensei com ternura na faxineira que é minha amiga, coitada da Vera, mas as intenções não podem demonstrar misericórdia. Esmurrei os tapetes na janela enquanto o vizinho dormia, empurrei a geladeira e varri até o braço cansar, até desistir de erguer a nota de cem.

Não bastando, desci para lavar o carro todo empoeirado da recente visita à chácara de minha mãe, em Eldorado do Sul. Eldorado é agora a nota de R$ 100. A ânsia para repassar o trabalho ao lavador do bairro era imensa, não sei como me contive. Coloquei música alta para fingir que estava cantando e dançando, e não lavando o carro.

Nota de R$ 100 não é mais papel, não é mais uma simples cédula, mas uma armadura. Tomara que eu mantenha a abstinência e bata o recorde de minha vida de oito dias com a nota de R$ 100 na carteira.

Um comentário:

Dilton Araújo disse...

Se eu juntar 100 centavos eu faço 1 real? Não é muito caro? 100 reais vai embora num dia fácil. Dá trabalho de trocar.