quarta-feira, 30 de agosto de 2017

MELHOR, PIOR. PIOR, MELHOR.

Foto: Gilberto Perin

Aquele que convive com pais mais velhos entenderá o que digo.
Eles são representantes da contraespionagem.
Podem falar a verdade em qualquer área da vida, menos quando abordam a própria saúde. Não há como confiar literalmente em seu estado. Pregam peças em abundância.
Tendem a piorar quando não é nada e subestimar quando é grave. Engrandecem o alarme falso e boicotam os chamados sérios.
Se têm uma enxaqueca agem com o acento de um derrame. Se têm uma indisposição já convocam uma coletiva com os filhos para adiantar o testamento. Se sofrem de uma gripe tapam o rosto com cobertor aguardando a caveira encapuzada e a sua foice.
Colocam uma lupa na letra miúda das bulas. Dor de garganta é câncer. Dor nas costas é osteoporose. Dor no ouvido é surdez.
Eu até prefiro o exagero ao menosprezo. Melhor um fóbico a um cético. A prevenção, ainda que errada, continua sendo um cuidado.
Os pais me complicam mesmo ao negar os seus ataques mais contundentes e menosprezar a autenticidade do quadro clínico. Encontram-se à beira da morte e fingem que é uma fraqueza passageira.
A pressão dispara acima dos 23 e procuram me convencer que é normal e que só precisam descansar um pouco. "É apenas uma tontura, vou tirar um cochilo e melhoro".
A desidratação avança no Saara da testa e a crise se reduz a um desconforto momentâneo, resultado de algo que se comeu no almoço.
Quando não estão mal querem correr ao hospital. Quando estão mal querem ficar em casa a todo custo. É enlouquecedor. No primeiro caso, julgam os filhos como omissos. No segundo, os filhos são autoritários e pretendem forçar internações.
Não tenho problema com o teatro, não me irrito com a invenção dos sintomas, desgastante é ter que provar a doença para o doente.

Publicado em O Globo em 14/07/17

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