Remédio não cura depressão, o que nos salva são os sapatos novos.
No caso de tristeza, uma caixinha resolve. No desespero, recomendam-se dois pares para serem usados em sequência. Se possível, no mesmo dia, de tarde e de noite.
Minha mulher estava estressada, ansiava por uma superdose. Saiu da loja com três modelos. A melancolia foi embora. Na manhã seguinte, seu riso era cadarço com brilho nas pontas.
Roupa não melhora um homem, mas pode piorá-lo. O guarda-roupa é meu confidente. Parto da tese de que o armário, depois de guardar tantos gays, é capaz de oferecer os melhores conselhos. Quando cansado, vou arrumar as roupas. Não as bagunçadas e as que ficam atiradas no espaldar da cama e da cadeira. Retiro as pilhas das estantes e dobro tudo de novo. Apenas o trabalho inútil dignifica. Sei pelo cheiro do tecido qual a última vez que coloquei.
O pai também superou um conflito com a ajuda dos cabides. Entrou numa crise de estima pelo sobrepeso. Por mais que emagrecesse, ainda engordava. Não admitia um prato menor e o ponteiro da balança sempre maior. No instante em que comprou suspensório, recuperou o domínio da alegria. Os suspensórios são a armação colorida para quem não usa óculos. Ele esticava o elástico como um estilingue, abatia os pássaros dos ombros. Ainda rangia, eufórico: — Agora tenho um chicote para meu corpo, ele vai me obedecer!
É previsível que largou a dieta, engordou mais vinte quilos para adquirir outros suspensórios. Gostou de engordar. Agora sem culpa e com charme de colecionador.
Eu me divirto que hoje me confundem na rua com um DJ ou um músico. Já fui um mecânico, um executivo fracassado, um metaleiro, um emo. A fixação pelo figurino começou tarde. Em casa, minha mãe empregava termos como carpim e fatiota. Não existia chance de bom gosto.
A estreia como macho talvez tenha sido na primeira comunhão. Inaugurei cinto, sapato preto e terno. Quatro números acima do meu. Meditando com calma diante das fotos, não representava roupa de homem, e sim de velho. Não entendo como não recebi diretamente a extrema-unção.
A irmã Carla buscou me amparar na adolescência. Com a minha cara cravejada de espinhas, desafiou à insanidade da tarefa. Incomodada com as opções, decidiu ceder calça branca, camisa branca e tênis branco. Passei em branco pelas garotas. Como um sujeito que pega emprestado as roupas da irmã apresentará resultado? Nunca.
É razoável supor que tenha me sentido homem ao enfrentar a extravagância, ao pôr um colete preto com lantejoulas, que arrematei num brechó do Bom Fim. Os colegas zombaram de minha masculinidade. Nem a inscrição “God is dead” me poupou das ironias. Morria pela terceira vez.
Confesso que não me vejo homem homem com nenhuma roupa. Muito menos com poncho, que transforma o gaúcho numa gaita de lã.
O que acende a virilidade é absolutamente insignificante. É recolher as meias de Cínthya entre os lençóis. Ao preparar a cama, localizo aquele novelo que escapou dos seus pés, um colchete de seu sono, um parêntese de suas unhas; emociono-me ao saber que ela deve ter procurado durante a noite.
Coloco o novelo sobre o cobertor, com destaque de um travesseiro. No restante das horas, controlo a ansiedade pelo beijo de recompensa.
Eu só dependo de um par de meias para me enxergar inteiro.
No caso de tristeza, uma caixinha resolve. No desespero, recomendam-se dois pares para serem usados em sequência. Se possível, no mesmo dia, de tarde e de noite.
Minha mulher estava estressada, ansiava por uma superdose. Saiu da loja com três modelos. A melancolia foi embora. Na manhã seguinte, seu riso era cadarço com brilho nas pontas.
Roupa não melhora um homem, mas pode piorá-lo. O guarda-roupa é meu confidente. Parto da tese de que o armário, depois de guardar tantos gays, é capaz de oferecer os melhores conselhos. Quando cansado, vou arrumar as roupas. Não as bagunçadas e as que ficam atiradas no espaldar da cama e da cadeira. Retiro as pilhas das estantes e dobro tudo de novo. Apenas o trabalho inútil dignifica. Sei pelo cheiro do tecido qual a última vez que coloquei.
O pai também superou um conflito com a ajuda dos cabides. Entrou numa crise de estima pelo sobrepeso. Por mais que emagrecesse, ainda engordava. Não admitia um prato menor e o ponteiro da balança sempre maior. No instante em que comprou suspensório, recuperou o domínio da alegria. Os suspensórios são a armação colorida para quem não usa óculos. Ele esticava o elástico como um estilingue, abatia os pássaros dos ombros. Ainda rangia, eufórico: — Agora tenho um chicote para meu corpo, ele vai me obedecer!
É previsível que largou a dieta, engordou mais vinte quilos para adquirir outros suspensórios. Gostou de engordar. Agora sem culpa e com charme de colecionador.
Eu me divirto que hoje me confundem na rua com um DJ ou um músico. Já fui um mecânico, um executivo fracassado, um metaleiro, um emo. A fixação pelo figurino começou tarde. Em casa, minha mãe empregava termos como carpim e fatiota. Não existia chance de bom gosto.
A estreia como macho talvez tenha sido na primeira comunhão. Inaugurei cinto, sapato preto e terno. Quatro números acima do meu. Meditando com calma diante das fotos, não representava roupa de homem, e sim de velho. Não entendo como não recebi diretamente a extrema-unção.
A irmã Carla buscou me amparar na adolescência. Com a minha cara cravejada de espinhas, desafiou à insanidade da tarefa. Incomodada com as opções, decidiu ceder calça branca, camisa branca e tênis branco. Passei em branco pelas garotas. Como um sujeito que pega emprestado as roupas da irmã apresentará resultado? Nunca.
É razoável supor que tenha me sentido homem ao enfrentar a extravagância, ao pôr um colete preto com lantejoulas, que arrematei num brechó do Bom Fim. Os colegas zombaram de minha masculinidade. Nem a inscrição “God is dead” me poupou das ironias. Morria pela terceira vez.
Confesso que não me vejo homem homem com nenhuma roupa. Muito menos com poncho, que transforma o gaúcho numa gaita de lã.
O que acende a virilidade é absolutamente insignificante. É recolher as meias de Cínthya entre os lençóis. Ao preparar a cama, localizo aquele novelo que escapou dos seus pés, um colchete de seu sono, um parêntese de suas unhas; emociono-me ao saber que ela deve ter procurado durante a noite.
Coloco o novelo sobre o cobertor, com destaque de um travesseiro. No restante das horas, controlo a ansiedade pelo beijo de recompensa.
Eu só dependo de um par de meias para me enxergar inteiro.
Crônica publicada no site Vida Breve
20 comentários:
Lindo... Fabrício. Meus olhos se encheram de lágrimas. Simples palavras, mas todas juntas tem uma profundidade e complexidade que exigem lágrimas nos olhos para entender...
Não resisti ao impulso de ser óbvia: Tu escreves lindamente. Teu post emocionou-me tanto, que confesso um ponta de inveja (quando vou conseguir expressar como ele?) Obrigada por inspirar-me nessa manhã luminosa e seca.
Lugar comum:és um ARRASO!!!Com aparente feição de humor fazes um jogo de ternura e emoção que nos leva fundo à comoção.Gracias! És um BOM DIA !
Dinah Hoisel
Ai Carpinejar.. Ai Cinthya...
Calça branca, camisa branca e tênis branco. Passei em branco pelas garotas. Seu engraçadíssimo, vou tuitar isso.
Sapatos curam depressão sim.
Amo, beijos
Pares de sapatos x Par de meias: As vezes os homens são menos complexos que as mulheres. Só as vezes!
http://omundoparachamardemeu.blogspot.com/
Eu sempre que tenho algum barulho interno pra resolver, vou arrumar os armários. Recentemente joguei fora sacolas e sacolas de tranqueiras inúteis e defasadas.
Um fofo, vc!
Muito bom. Nunca acreditei mesmo que o hábito fizesse o monge.
E também sou confundida nas ruas. Pensam que sou professora de inglês. =)
Beijo.
A expressão vestida para matar sempre me incomodou...não, eu nunca me vestirei assim...talvez, vestida para amar, soa melhor...meias são objetos de minha adoração (ou sedução), principalmente se eu estiver muito bem acompanhada na calada da noite...parabéns pelo texto!
Caramba!!!Incrível!!!
Com certeza tua virilidade está explicita no ato de recolher as meias e esperar o beijo de recompensa.O mínimo é grandioso!!
Um abraço pra ti seu Apaixonado!!!
Olá Fabrício, te vi nos "plins plins" globais...Era uma chamada para o Programa do Jô Soares. Mas a vida árdua jornalística não deixou meus olhos desvendarem àquela pessoa de óculos "manguebeat". Ainda bem que o hábito de ler proporciona diversos feedbacks e acabo de descobrir que todas essas frases que estou lendo ( diga-se de passagem como garimpo em mineração) no TWITTER@CARPINEJAR, são todas das suas lentes coloridas.
Achei tudo mais-do-que interessante e desde já me cadastrei como leitora. Rsrsrsrs ^^
Se puder dar uma lida aqui- www .batateira.blogspot.com- ficarei muito grata.
Bjos.
Cara, lindo. Sei que é meio estranho esse lance de homem dizer “lindo!” (pior seria se eu dissesse “amei!”. Porém, entre retalhos e cacos eu me salvo dizendo que achei lindo. Ela deve ter amado.
Está aí. Foi o que achei. Se eu dissesse “legal” eu estaria mentido. A gente diz legal quando acha legal, tipo aquele som da banda que não arrebenta, porém leva bem.
Falei?
Bem, agora o jabá, pois pobre que é pobre não deixa nunca de tentar descolar algum trocado, ainda que no futuro: Leia O Quinto Sinal Vital no http://jefhcardoso.blogspot.com
Tem um monte de gente lendo. Tem gente famosa também, mas quer saber, se famoso comentar ali, eu acho que não muda nada. [sorrio]. Estou maduro nessas paradas. Abraço!
"... com poncho, que transforma o gaúcho numa gaita de lã." Visão muito interessante. E a bota e a bombacha, hão de desencadear que tipo de metamorfose no gaudério? :)
Abraço!
Tá uma dilícia isso aqui, esqueci até do que li, ao parar para ver as fotos, gente querida entre os comparsas.Fora o look retrô do blog. Beijos
teu diferencial é sem dúvida enxergar uma explicação simplória, espetacular e até racional pra situações do cotidiano. Se me permite filosofar por aqui acho que no amor, meu tema predileto, tudo está na relação do Poker "Apostar e blefar", e às vezes a gente vence, noutras perde, principalmente quando blefa. ah, merchan pode? www.blogdovinisevero.blogspot.com
"Parto da tese de que o armário, depois de guardar tantos gays, é capaz de oferecer os melhores conselhos."
É por estas e outras que este blog é indispensável.
guarda roupa
Engavetei tudo.
Etiquetei as letras
Dobrei os discos
Fracionei as blusas
Encabidei vestidos
Sacrifiquei calcinhas
Pendurei as ancas
Troquei as calças
Emaranhei as mangas
Tranquei colares
Misturei os brincos
Vesti as alças.
No armário, ao fundo,
o par de meias ainda me olha.
Não sei mais que verbo andar.
http://www.pensologodanco.blogspot.com/
"No restante das horas, controlo a ansiedade pelo beijo de recompensa."
Lindo!!
Com este olhar parece tudo tão simples... Por que complicamos tanto???
Eu queria muito um pouco deste olhar...
Beijo
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