quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

FICHA LIMPA

Arte de Cínthya Verri



Mafioso tem ética, bandido tem ética, não há como fugir do código de conduta na intimidade.

Divido o homem em duas linhagens: os que respeitam nossa mulher e os que desprezam os laços.
Os primeiros estão destinados a perdurar a vida inteira, os segundos são salafrários, capazes de vender a mãe e a irmã numa única tacada. Nem o inferno aceita: produto intelectual de segunda.

Amigo é que nem ressaca; só saberemos se a conversa é original no dia seguinte. Amigo que é amigo não vai soltar cantada nenhuma na sua frente, sequer elogiar em excesso sua companhia. Não fará piadas de duplo sentido. Só mencionará o conjunto da obra. Qualquer coisa é o casal pra cá, o casal pra lá. Será educado, contido, elegante. Guardará qualquer comentário indiscreto para as cinzas.

Porque é fácil jogar contra o próprio time. Afinal, ele conhece seus defeitos, falhas e fraquezas como ninguém.

Bem intencionado, não irá criar indisposição e intriga, muito menos tentará ser mais amigo dela do que de você. Cuidado com quem troca de lado na confidência.

É questão de probidade amorosa. Não empregar o desabafo dos parceiros a seu favor. Jamais receber benefícios dos segredos.

Aprendi o mandamento, aos onze anos, na Escola Imperatriz Leopoldina, quando falei para Rodrigo que estava a fim de Rita e ele roubou as poesias de meu caderno para conquistá-la. Namoraram por plágio.

Nunca me envolvi com mulher de amigo. Pode ser ex, flerte, casinho, amante. Assim que se aproximou de um camarada, a atração morreu. Namorada de amigo meu não é homem, eu é que deixo de ser. Sou castrato, sou transexual, uso saia, mas ela está cortada definitivamente da lista, do futuro, da libido. Armo exercícios imbatíveis de prevenção, fantasio a figura graciosa de buço, com o sovaco peludo, sem o dente da frente. Sempre surte efeito, não corro risco. Não será o trago e a carência que me farão mudar de ideia. Mesmo que a menina se esfregue em mim, seminua ou vestida de tenista. Mesmo que deite de quatro numa mesa de sinuca, como na capa de Playboy de minha infância. Rebato os ataques com a astúcia de Santo Antão. Não cometo esse pecado, tão hediondo quanto incesto; toda tentação exige o mínimo de moralidade.

Quando se quebra a palavra não existe modo de recuperar o caráter. Igual a cavalo: depois de uma fratura, não corre mais. Nem adianta alegar que “aconteceu” ou que não teve como controlar (desculpa ainda mais calhorda, ao transferir a culpa e se isentar do ato).

Por isso, até hoje, tenho tão poucos amigos.



Crônica publicada no site Vida Breve

13 comentários:

Luciano disse...

Seus textos são foda! Concordo em quase tudo com todos...parabéns!

Abraços

Mariquinha disse...

Duviiidoooooooo!

Elaine Andrade disse...

Ficarei mais atenta naqueles que tem poucos amigos...rs

Bjão

Unknown disse...

Parabéns pelo texto. Esse, por exemplo, veio na hora certa(pra mim)!

Beijos.

Anônimo disse...

Poucos amigos, claro
Serve pra nós também, pouquíssimas amigas, de preferência, gorda, vesga e sem bunda, kkkk


beijos

Eva disse...

Oi Fabrício meu queridissimo, amo teu blog, tudo o que escreves, amo o poeta Fabrício Carpinejar, tão comum, tão humano, ehhehe, mas o único que sabe transmitir essas banalidades e nos deixa boquiabertos, hã! beijos

Caca disse...

Enquanto perdurar a amizade eu também sou um ardoroso defensor desta ética. Mas eu tenho poucos amigos por mais um milhão de motivos além desse. Abraços. Paz e bem.

Paulo Ednilson disse...

Pois é Fabrício, tem gente que teima não ler e, às vezes, até pior rasgar os 10 mandamentos! Não sou religioso e nem adepto de puritanismos em excesso mas... vamos lá! Sem essas regras elementares a vida torna-se insuportável! Abração!
Paulo Ednilson

Maria Tereza disse...

Compartilho da mesma opinião: eu é que não sou mais mulher! =)

Altamirando Macedo disse...

É isto aí, Fabrício. Não é só pelo caráter, o respeito faz parte da ética.Parabéns pelo blog, os textos veem a caráter.
Abraços.

13 de dezembro de 2010 04:12

Anônimo disse...

Inda bem que quem fez os DEZ MANDAMENTOS ERA MACHISTA . Não cobiçarás a "mulher do próximo" e
sendo assim não vale prás mulheres.(brincadeira).
NA REAL- Posso afirmar que nunca traí alguém que
tivesse compromisso ou namorado ou marido de amiga minha . o velho ditado: não fazer para o próximo o que não desejas para ti."AÇÃO E REAÇÃO",O QUE VAI VEM EM DÔBRO, DE BEM OU DE MAL!
ABRAÇO DA ARLETE.

Jucelio disse...

Gênio! Gênio!
Fabricio, como diria o poeta, "escritor não é cavalo, para ter que chegar em primeiro"...mas tu é o melhor de ser lido em solo nacional hoje.
Vida longa aos teus escritos!

Débora Aquino disse...

"Cuidado com quem troca de lado na confidência." Excelente texto. Vez ou outra volto aqui pra reler. Beijos, querido!