sábado, 21 de maio de 2011

UMA JOIA DE FUSCA

Zenir Disott é tão apaixonado por Fusca que já teve dois, e de vez em quando pede emprestado o modelo verde 1971, do vizinho. Fotos de Adriana Franciosi

(  ) Fusca não é um veículo, mas um familiar.
(  ) Troca-se de carro, não de Fusca, ele permanece como herdeiro para os filhos.
(  ) Fusca é o único automóvel que recebe apelido.
(  ) Fusca nunca será passado em Joia.
(X) Todas as alternativas acima estão corretas.

O município de 8 mil habitantes, a 424 quilômetros de Porto Alegre, demonstra ter a maior frota do carro no RS, proporcionalmente à população. Dez minutos no centro e cinco Fuscas passam, rugindo de vaidade a cada seta e curva.

– O Fuca, como o gaúcho diz, sem o s, é a nossa adoração – afirma a advogada Lígia Bernardes.

Agricultores usam o Fusca para o vaivém da lavoura, jovens empregam o Fusca para conquistar gurias. Em Joia, ele sequer saiu de moda. A cidade é uma Cuba brasileira dos carros antigos, um museu a céu aberto, um túnel no tempo.

– Sempre tem um deles por semana para consertar. Ele forma minha aposentadoria – comenta o mecânico Sani Jorge Goulart, 50 anos.

O carro zero mais vendido no mundo em 1972 e atualmente o usado mais revendido no país é a paixão de Zenir Disott. O gaudério já teve dois deles, e não cansa de sua praticidade. Para andar um pouquinho no modelo verde de 1971 do vizinho, até se oferece para uma boa ação, como levar a filha do compadre, Aline Facin, 25 anos, à rodoviária.

– Não há necessidade de pedir licença, é o carro mais próximo do cavalo em termos de confiança.

Sua vida foi influenciada pelo Fuca.

– Aprendi a dirigir nele, tive a primeira namorada nele, às vezes tinha que abrir o vidro para dar espaço ao amor.

– Fusca vale para quem trabalha e para quem coleciona. É disputado como relíquia. Investe-se mais aparelhando o Fusca do que se gasta comprando um veículo novo – conceitua o comerciante Marion Alves, 48 anos.


Existe toda uma história de cobiça secreta para garantir a sonhada máquina na garagem. Marion surpreendeu o filho Glauber, 26 anos, no Natal de 2010. Ofereceu um Fuscão preto de presente. O rapaz viajou a trabalho para Panambi, onde é funcionário público concursado. Seu irmão Glauco, 23 anos, ficou o responsável por cuidar do Negrinho. Feito o golpe de estado.

– Vá que um dia Glauber veja meu capricho (lavo a carroceria semanalmente), e me libere o auto para sempre – chantageia.

– Se acontecer, juro que canto na praça a canção de Almir Rogério: Fuscão preto você é feito de aço/ Fez o meu peito em pedaços.

Apesar dos 1m86cm, Glauco entra facilmente no carro:

– Fuca tem um fundo falso.

Sua teoria é de que o Fusca sensibiliza o dono pela humildade e pela aparência terna de besouro, de capô redondo e faróis graúdos parecidos com olhos de órfão.

– É simples e confortável, a manutenção é fácil, não precisa entender de mecânica, ele entrega seu coração sem mistério.

Acostumado a viajar para Ijuí, a 40 quilômetros de Joia, o Fuscão preto não o deixa na mão. Um arame e uma caixinha de fósforos são seu pronto-socorro.

(X) É o carro que mais ressuscita quando morre.








Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 30, 21/05/2011
Porto Alegre, Edição N° 16706
Veja vídeo de Glauco Alves, 23 anos, dá uma volta por Joia no Fuscão preto.

4 comentários:

Ramiro Conceição disse...

Ao velho fusca
do Adamastor...


O VELHO ADAMASTOR
by Ramiro Conceição

Após cada sábado,
a fazer sol ou pingos,
sempre…
jogos de bingo.
É, de belzebus
d’olho no patrimônio
do velho Adamastor,
a casa ficava atulhada
de espelhos – do amor –
todo domingo.

Durante bimestres,
Adamastor não partiu.
Durante semestres,
Adamastor resistiu.
Passaram-se anos…
Porém,
pouco a pouco,
naquela casa,
só ficou o pó
da canalha…

Por fim, o velho Adamastor,
que tudo fingia e nada dizia,
finalmente, um dia… sorriu!

Qual é a moral dessa história
capitalista… e tão humana?
Ora,
a morte não tolera zombarias:
aqui se canta, aqui se cala;
aqui se afana, aqui se afaga;
aqui se é luz – aqui se apaga!

Roberta F. disse...

Eu amo Fusca!, e não é à toa que eles estão por aí até hoje... =)

Patricia Varella disse...

O carro mais SIMPÁTICO já criado!
Não é a toa que até filme ele ganhou. O Herby, o Fusca 56.
Se o consumo de combustível não fosse tão alto e se ele estivesse melhor adaptado a sustentabilidade que novos carros estão sendo. Com certeza seria a minha opção de carro.

Que fabriquem novos fuscas, mas com a mesma carinha dos antigos...
:-)

Suzy Luz disse...

Mas que 'achado' foi esta crônica!!!
Perdi sua publicação no jornal Zero Hora, mas que bom que encontrei aqui, em seu blog.
Fala de minha cidade natal, Jóia! Os entrevistados são todos conhecidos meus, dois deles (os mais jovens rsrsrs) foram meus alunos no Ensino Médio!!!
Adorei sua fidelidade ao relatar o amor dos joienses pelo Fuca... é assim mesmo!!!
A cada dia mais admiro seu trabalho, sou sua fã.

Um abraço.