sábado, 11 de junho de 2011

IRREDUTÍVEIS GARIBALDENSES

Para Ronaldo Borsoi, dono de uma loja de brinquedos, a sesta é como uma poção revigorante para a correria do dia a dia. Foto de Emílio Pedroso

A sesta não é um direito somente na Espanha, onde ocorre o Campeonato Nacional de Siesta em outubro. É também um hábito em Garibaldi, belíssima cidade serrana localizada a 110 quilômetros da Capital e que abriga 30 mil habitantes.

No intervalo do almoço, os moradores não trocam o sono pelo consumismo. O lucro não compra o descanso dos olhos. De segunda a sexta, as lojas fecham das 11h30min às 13h30min. Não existe exceção, desculpa ou choro de cliente capaz de convencer os lojistas do contrário. Todos chaveiam a máquina registradora e serpeiam as ladeiras em direção ao lar.

O cochilo da digestão é sagrado. As tabuletas de “Volto Já” tomam conta das vitrines. Durante o período, turistas amargam a espera nos degraus do comércio.

– Fiz o teste de abrir a loja na sesta e não funcionou. O público está adaptado e não vale a pena mudar. O pico é das 17h às 19h30min, na saída do emprego – esclarece a comerciante Melissa Chiesa, 32 anos.

De acordo com a população, o costume melhora a qualidade das amizades, soluciona as brigas domésticas e revitaliza o desempenho no trabalho.

– A sesta divide o dia em duas manhãs, é mais uma chance de sonhar – diz a balconista Larisse Pagliarini, 24 anos.

O repouso de 15 a 20 minutos após a refeição reduz a ansiedade de terminar com as tarefas e aumenta o capricho no atendimento. A maior parte dos funcionários erra menos, esquece de conferir o relógio, fica mais atenta, animada a negociar e a ouvir.

– Nenhum vendedor com pouco sono ri de volta. O mau humor tem remédio, descobrimos a cura – afirma Mateus Lanzoni, estudante de Relações Públicas da UCS.

Bateu as 12 badaladas e ele parte para almoçar com a mãe Carmen, 48 anos, e a mana Larissa, 10. Tranquiliza-se com aquilo que vai encontrar: arroz e feijão com temperos da própria horta e o rádio tocando notícias e canções de amor perto do fogão. Carmen explica:

– Tirar uma pestana aumenta nossa longevidade. Ninguém atravessará a tarde roncando, é um esticar na rede, um deitar no sofá, sono rápido de caminhoneiro para simplesmente tirar a preguiça do corpo.

Betania Alves, 26 anos, é fã da cochilada criativa:

– Eu me sinto renovada, tenho mais energia. A sensação é que a tarde é um outro dia. O travesseiro é meu terapeuta.

– Passei a reclamar menos do serviço – completa Rochele Gomes Rodrigues, 17 anos.

A pausa municipal também favorece a criação dos filhos. Analise Frare, 54 anos, debita a firmeza de laços entre Juliano, 31, Carolina, 26, e o marido Volnei, 57, à possibilidade de comer sempre juntos:

– Observamos nossos familiares logo cedo, com tempo de intervir, não esperamos a noite para descobrir o que houve de errado. Os problemas chegam quentes e dormem frios.

Ronaldo Borsoi, 32 anos, proprietário de uma loja de brinquedos, enxerga mais longe, compara Garibaldi à Gália de Asterix e Obelix:

– A sesta é a poção do druida Panoramix, e nos diferencia no combate diário.

“Estamos no ano 2011 depois de Cristo. Todo o Rio Grande do Sul foi ocupado pelos workaholics... Todo? Não!
Uma aldeia povoada por irredutíveis garibaldenses ainda resiste ao invasor.”










Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 35, 11/06/2011
Porto Alegre, Edição N° 16726
Acompanhe nossos vídeos em Garibaldi.

2 comentários:

Nah disse...

Hehehe, esse hábito poderia "pegar" em outras cidades tb!!!

Viviane Zion disse...

Rapaz! Conheci Garibaldi, Farroupilha, Bento Gonçalves e as demais cidades serranas daí do RS das minhas idas e vidas entre o Sul e o Centro-oeste. Realmente a impressão que tenho quando visito essas cidadezinhas (no melhor sentido que houver...) é de ter caminhado pra trás no tempo... Fantástico!

Abraços.