quarta-feira, 29 de junho de 2011

LEI SECA

Arte de Cínthya Verri

O inimigo público do homem é o barman gostosão.

Foi ele que nos conduziu a uma crise de identidade sem precedentes, ao término do maniqueísmo e da Guerra Fria.

Do barman, veio o metrossexual, o pansexual e Patrick Swayze. Não duvido que os emos não sejam ramificações de sua índole.

O barman destruiu a luta entre o bem e o mal, tirou o homem do mundo e o colocou em casa para defender seu território doméstico. Ou ele voltava rápido ao lar, cozinhava, passava aspirador e cuidava dos filhos, ou perdia sua mulher para sempre.

O barman é o monstro pornográfico, o vilão erótico, destruiu nosso conforto maternal de comida e roupa lavada. Não tem como concorrer com ele: atende ao mínimo sinal, dança, rebola, canta e prepara poções melosas batizadas de filmes românticos. Uma mistura demoníaca de stripper, personal trainer, karaokê e liquidificador, tudo o que uma mulher sente falta em seu marido.

Quando ele surgiu, seminu e sarado, atrás dos balcões nos bares e boates, morreu o heterossexual como meu pai e meu avô conheciam.

O escandaloso e convencido barman suplantou o discreto e humilde garçom.

Morreu a gravata-borboleta para ceder espaço à bandana. Morreu o dente de ouro do maître para abrir lugar a aparelhos e piercings. Morreram os pelos dos ouvidos dos cinquentões para o reinado dos peitos depilados dos rapazes. Morreu o destilado caubói para um edifício de drinques coloridos e duvidosos. Morreu a simplicidade da bandeja pela agitação da coquetelaria. Morreu a imobilidade generosa do funcionário pelo show de malabarismo, acrobacia, e mágica. Morreu a elegância do dedo levantado em nome do assobio histérico.

O garçom exemplificava lealdade: padre que guardava nossos pecados e limpava a mesa. Fácil de acreditar, chorar dor-de-corno, pedir emprestado o ossinho do ombro. Nossa felicidade terapêutica consistia em oferecer gorjeta e derramar um pouco de bebida ao santo.

Já não conheço nenhum amigo que confie no barman. Sofre-se o medo de que ele se aproveite da fragilidade das confissões e seduza a esposa.

O barman é um infiltrado na barbearia; deveria aparecer longe de nossos olhos, somente no chá-de-panela.

Em sua companhia, não há como vacilar um minuto, somos obrigados a buscar bebida porque as mulheres criam motivos para se aproximar dele. É um risco, uma temeridade: jovens lindos, cheirosos, disponíveis, e traficando secretamente o número de seus celulares nas comandas.

O barman é o fim do faroeste, da porta-balcão, do cavalo amarrado no obelisco.

Não consigo imaginar John Wayne sendo servido por um barman.

Sentimos saudades do velho garçom.

Todo garçom tinha a obrigação de ser mais feio do que a gente. Uma tranquilidade que não volta mais.

O que nos resta é beber para esquecer. Dentro de casa.



Crônica publicada no site Vida Breve

11 comentários:

Hope* disse...

Acho que o mundo ficou muito mais feliz depois dos barmans!
Eles estão ai para ensinar como servir da melhor maneira possível, agora a concorrência não é só entre as esposas, os maridos também estão na suas comandas, hehehe!
Bj!

Caca disse...

Se o chifre for inevitável, o negócio é ficar pelo menos amigo do barman e beber de graça. Abraços. paz e bem.

Renata Targino disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk....
incrível o olhar que vc tem das coisas.
sou muuuuuuuuuuuito fã :)

Viviane Zion disse...

hahahahaha!!! simples, esclarecedor e ... brilhante.

abraço.

Juliana Lima disse...

Eitaaa que discriminação com os barmans! Concordo com o 1º comentário de que o mundo, pelo menos o feminino, ficou muito mais feliz depois deles!

Mas, também não nego que o garçom é fundamental para a minha estabilidade alcoólica e só me lembro do Rei Reginaldo Rossi e sua célebre música "Garçom"

Muito bom teu texto!
Beijos

Anônimo disse...

Vc descrevendo barman e eu so imaginando um Go Go Boy, daqueles indecentes...kkkkk

Edvan Barreto disse...

Como você disse hoje no Jô, "literatura é provocar silêncio", acho que foi assim, e de fato o Jô ficou. Esse texto provocou em mim um silêncio sorridente. Um olhar social acerca do efeito barman gostosão,kkkk. Muito bom! Parabéns!

Tenho um blog, seria uma honra ter sua visita por lá. Grande abraço.

http://gritosatrasdomuro.blogspot.com/

Samuel Frison disse...

Se um barman provoca um estrago desses, imagina o stripper... texto leve e profundo, se me permite o paradoxo. Abraço

Vinho tinto disse...

bela crônica,só não entendi 'o garçom tinha a obrigação de ser mais feio',já que ele esta sendo lindo,te sevindo.

camila disse...

Perfeito.

Lara Couto disse...

Olá, estou escrevendo em nome da produção do programa de rádio MINUTOS DE POESIA. Estamos recebendo poesias para recitar no programa.

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