quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O PIJAMA DO PAPAI

Arte de Cínthya Verri

Não sou fã de pijama. Dispenso o figurino. Nem que seja marroquino, ou de seda mais pura.

Muito diferente de meus amigos, como Mário Corso, alucinado pelos trajes de dormir, disposto a combinar polaina com pantufas. Ele enxerga rigor no conforto, a ponto de confundir o pijama com um smoking do sono, um fraque da preguiça.

Eu não suporto, é meu pesadelo de pano; tenho alergia, urticária, repulsa. A princípio, alego motivo nobre. Assim como os ambientalistas protestam em desfiles de casacos de pele, participo de campanha ecológica contra o fim do homem.

Pijama, nunca. Em seu lugar, recorro ao abrigo macio, mais apropriado e prático. Já acordo vestido, sem o transtorno de me trocar para atender visitas.

Pijama, nunca. Defendo sua extinção como um princípio imutável do caráter. A escolha reflete bom gosto, refinamento de estilo.

Não me faltam argumentos. Pijama não é sensual, traz sempre bolsos para desfigurar o peito com canetas e papéis. Tem um componente broxante, que é uma braguilha sem zíper. Seu uso adoece os olhos, não sei se são as listras ou as cores, algo faz com que seu dono procure o oftalmologista e passe a adotar óculos de leitura.

O pijama corrompe a moda, estraga a aparência, prejudica a libido. Com ele, o homem aceita a velhice, entrega os pontos. Baixa a crista, o queixo e outras coisas mais. É uma castração moral, um canil de botões. Logo mais o sujeito estará assistindo novela.

Além dos motivos mais do que razoáveis, meu preconceito conta com uma explicação científica. Há um trauma vestindo a rejeição.

Meu pai existia em casa até a hora de pôr o pijama.

Quando colocava as duas peças azuis, desaparecia. Evaporava. Partia para ler romances policiais na cama. Trancava a porta do quarto. Como chefe de gabinete, a mãe repreendia qualquer aproximação:

- Não incomoda seu pai, ele está de pijama.
- Seu pai não pode atender, ele está de pijama.
- Tem certeza que não consegue carona com algum amigo, meu filho? É que seu pai está de pijama...

O pijama era o escritório paterno. Seu isolamento. Sua farda militar. Seu esconderijo matrimonial.

Era o mesmo que estar dormindo, o mesmo que estar morto.

Ele continuava pai com qualquer outra roupa, menos de pijama. Escutávamos seus chinelos pelo piso de madeira, o chiado da asma, o ronco, o barulho da descarga, ouvíamos sua voz comentando de manhã sobre algum colega de trabalho, mas não o enxergávamos. Não podíamos vê-lo.

Até hoje, ao telefonar de manhã para o meu pai, em vez de perguntar se ele está acordado, questiono se ele está de pijama.

18 comentários:

o refúgio disse...

Maravilhoso! :D

João Ribeiro disse...

Gosto muito do teu trabalho, na minha opinião você é um dos melhores escritos em atividade do país.

Se puder depois gostaria que visse o que escrevo, em. http://lalumimg.blogspot.com/

forte Abraço...

Sueli disse...

Meu sonho de menina era casar e encontrar meu marido sentado ao sofá, à tardinha, todo cheiroso e de pijama. O marido que tenho usa pijama, sim, só que tardíssimo da noite, só para dormir. Acho o pijama um traje super erótico, convidativo, que só envolve um homem quando está completamente disponível. Respeito sua rejeição, mas eu gosto e gostei da crônica.

Hermes Eleggua disse...

muitoo bom!

Abraços

Paola Roma disse...

Pura verdade! Ótimo.

juliana disse...

Me vi no texto.Muito bom.

Luiz disse...

Pijama é um lar que nunca teremos.

Alyna disse...

adorei o texto.. mas tbm adoro pijamas!!

Heidi disse...

Bom demais.Acho que pijama tem um que de...pertenço somente ao lar de agora em diante...rsss....eu gosto.E na verdade, detesto abrigos p dormir.Coisa tipo assim...estava aqui, fui ali, me joguei na cama e pronto...rssss...Ótima cronica!!!!!

Daniela Yoko Taminato disse...

Olá Fabrício, sou uma grande fã do seu trabalho e espero poder comparecer na sua próxima vinda a São Paulo. Seria ótimo contar com sua visita ao meu blog recém-nascido: http://rabiscosliterais.wordpress.com/

Grande abraço

Bazófias e Discrepâncias de um certo diverso disse...

heheh... excelente, carpinejar. também não sou afeito a pijamas. Como vc mesmo disse, é broxante a vestimenta, e dói nos olhos. Mas a vivência com o seu pai fez o pijama tornar-se não só dispensável, mas sim torturante e traumático! abraços

Silvinha disse...

Carpinejar é simplesmente fantástico!
Eu também não suporto pijamas... Me vi em diversos momentos do seu texto!

Helena Castelli disse...

Carpinejar, realmente o pijama dói aos olhos! Ontem vi uma cena na tv onde um rapaz esperava sua amada entrar em seu quarto... lembro-me que pensei... noooossa!!! ele está de pijama! e o pior... meias nos pés!

Deixo-te um abraço.

Anônimo disse...

Adorei o texto. Pijama não é sensual? Depende. Há pijamas e pijamas...um Calvin Klein todo branco...

Ramiro Conceição disse...

Eu também... Não suporto pesadelos de pano!
Por isso estou aqui nu, a compartilhar com você e seus leitores o que acabei de sonhar...


LIBÉLULA METÁLICA
by Ramiro Conceição


Nem só ao humano se destina a arte:
porém também ao mistério do existir
que houve, há e que sempre haverá.

Somos somente aquele anêmico ponto azul,
que apareceu…no olhar da libélula metálica,
que passou bem perto…do solitário Netuno.

Por isso
coisas GRANDES
são dos grandes
e coisas raras,
dos RAROS.

Por isso
a goiabeira
dá goiabas… ao bem-te-vi,
que não é dono do jardim
e nem de si.

Anônimo disse...

teus escritos me capturam pela fatal realidade que os compõem. vou te seguir.

Unknown disse...

Muito bom seu texto! A vida é feita dessas pequenas (e memoráveis) coisas...

sissi disse...

adorei esse texto! pijams nos dão a sensação de estou descansando não me perturbe! um abraço