terça-feira, 19 de junho de 2012

AMIZADE PLATÔNICA

Arte de Giberto e George

Pior do que amor platônico é a amizade platônica. Muito mais grave.

Quando seu melhor amigo diz que você não é o melhor amigo dele, que ele tem um outro melhor amigo.

Você se acha traído, desapontado, desprezado.

Oferece o máximo de sua conversa e lealdade a alguém que escolheu um terceiro como confidente.

Tudo o que você já fez e falou não teve brilho suficiente para conquistar o reinado da confiança. Lembra que os jogos, os socorros e a cumplicidade não convenceram o parceiro a partilhar de idêntico arrebatamento. Ele ainda acredita que tem um sujeito mais capacitado a entendê-lo do que você. Se ele pudesse optar, não estaria ao seu lado.

Isso desequilibra sua fé. Nasce uma covinha no riso, as sobrancelhas tropeçam nos olhos.

Está ilhado na admiração. É coadjuvante quando pensava atuar no papel principal.

Na hora em que descobre a verdade, não há inveja, e sim decepção. Parece que foi usado, parece que foi um sparring, parece que o passado foi nada.

Nem pode reclamar como acontece no amor platônico. Não pode pedir estorno dos dias vividos, ou gritar que é injusto ou tomar um porre.

Dores de amizade são discretas e silenciosas. Não ser correspondido na amizade cria um vazio sem precedentes.

Na escola, meu melhor amigo era o Cristiano, o único colega a quem emprestei meu time de botão, o único a quem contei que amava a Gisele. Atravessava as tardes em sua companhia: jogando videogame, disputando corridas de bicicleta nas ladeiras da Mostardeiro, solucionando infindáveis cálculos de matemática.

E não é que numa redação da 5ª série, na qual revelávamos nossas grandes parcerias, Cristiano lê alto para toda turma, diante do quadro-negro, que seu amigo do peito era o Gustavo?

Fui pego desprevenido, não tive tempo de esconder a tristeza, que ficou visível no rosto, escandalosa como perfume de goiaba.

Naquele instante, conheci a força secreta da rejeição. Gostava dele e ele preferia o Gustavo. Eu me percebi corneado na amizade. Um corno manso das confissões.

Risquei o Cristiano rapidamente do meu texto. Mas não veio nenhum nome para substituí-lo. Não tinha segundo melhor amigo.

Menti para a professora que não terminei o texto. Ela entendeu minha solidão, e não me repreendeu.

Passei a voltar sozinho para casa.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 19/06/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17105

23 comentários:

Anônimo disse...

Passei por algumas situações assim. A mais recente foi não ser chamada para ser madrinha de casamento da minha melhor amiga (?). Como prêmio de consolação, fiquei em um lugar reservado na primeira fila. Depois desse episódio, eu me lembrei de outras situações parecidas e minha conclusão é que as pessoas querem ter sempre uma opção de "melhor amigo": melhor amigo para ir ao bar, melhor amigo para falar dos problemas etc. Mas melhor amigo não tem que ser melhor amigo na alegria e na tristeza? Então minha decisão foi tomada: minhas irmãs e meus pais são meus melhores amigos! É mais fácil, menos trabalhoso e sem falsidade!

Anônimo disse...

Minha filha faz as listas de BFF (Best Friend Forever) quase todas as semanas....do primeiro ao quinto amigo...ela tem 12 anos....me faz lembrar a composição dos Titãs: "A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana".....isso é ainda mais fugaz do que no seu tempo, caro Carpinejar....mais descartavel e mais comum nesses tempos de minha filha...ainda há uma necessidade ter um melhor amigo...mas estão tão acostumados a coisas descartáveis que já são um tanto anestesiados no coração.

Anônimo disse...

eu tb passei por isso qdo eu era criança. minha melhor amiga por anos foi a Aline, mas um dia ela disse q sua melhor amiga era a Cris, uma menina mais velha q ela conhecia ha poucos meses... frustração imensa!

Mariana Guimarães disse...

Que genial! As coisas que nos parecem tão óbvias e pelas quais a maioria de nós já passou são tranaformaras em textos maravilhosos e muito expressivos por você! Parabéns!

Anônimo disse...

No começo do ano, fiz uma amizade que pensei ser pra vida toda, ríamos das mesmas coisas, temos o mesmo estilo músical, enfim, ela era eu na versão feminina. Sempre achei que era impossível ter uma amizade do sexo oposto, mas depois de conhecer ela, mudei completamente minha opinião. Mas, na metade de Abril, ela me mandou um sms dizendo para eu fingir que nunca tinha conhecido ela, para eu fingir que nunca tinha a conhecido...ela não me disse o porque disso, ela nunca mais falou comigo. Mais uma vez fiquei sozinho, sem ninguém para conversar. Decepção, tristeza, solidão... vontade de desistir de tudo.

Anônimo disse...

Caramba Carpinejar! O que direi sairá como palavras repetidas dos comentários acima, mas você conseguiu pegar um tema simples, mas que é tão pouco falado, em algo realmente profundo e expressivo!
Sempre passei por isso. As pessoas são muito egoístas e individualistas, criando um "melhor amigo" para cada área da vida.

Como você lida com esse tipo de situação? Abraços!

Eliana Klas disse...

Falaste tudo.

Colecionei decepções deste tipo na infância.
Nunca li um texto que falasse sobre o tema e o achei perfeito.

...e cá pra nós...eu volto sozinha pra casa até hoje.

O Rei do Drama disse...

não tem a frase dizendo "amigo não se pede, não se compra, nem se vende. Amigo a gente sente", então hoje, na minha maturidade de meus 35, recém completados, anos eu me preocupo apenas com o que eu sinto. não posso cobrar esse sentimento de alguém, mas só posso dizer que eu gostaria de ser para os meus amigos tudo aquilo que eles são pra mim. não vivo sem nenhum deles, que me ajudam a construir meu caminho.

CLAUDIA disse...

Bah! Estava eu a pensar sobre este assunto hoje pela manhã no caminho do trabalho....como é difícil relacionar-se...no meu caso estava pensando como meu filho segue os mesmos passos que eu quando criança quando o assunto é amizade - impressionante! está no DNA. Belas e verdadeiras palavras!
Como no comentário anterior continuo voltando pra casa sozinha.

Coord.Informatica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Coord.Informatica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Cara muito legal a sua história....peidei demais !!!! Valeu grande homem.

Têreza Augusta disse...

"o irmão que escolhemos" nem sempre esta de acordo com essa escolha. E principalemte aqueles 'amigos platônicos' que passam a ser além de tua sombra, 'teu sósia', foram sempre os que abandonei na sombra e na platônica tólice de não ter personalidade.

Anônimo disse...

Meu caso é diferente, tenho duas amigas, das quais não abro mão de nenhuma, nos damos beem, mas as vezes falta atenção para uma ou a outra recebe demais, dai fica complicado, mas no meu coração cabe as duas!

Luciana Gonçalves disse...

Acredito não ser uma amizade de coração e sim uma amizade de tempo.Mesmo que consideramos que o outro seja o nosso melhor amiga, a distância não deixa com que sejamos leais.

Daiane disse...

Falou tudo! Infelizmente depositamos muitas expectativas nas pessoas e acabamos decepcionados, pra variar!

Aletheia disse...

Puxa!
Anômina número 1, também fui preterida para madrinha de uma amiga/prima. Mas, isso faz anos e posso lhe garantir - passou a decepção. Não voltou a ideia de amizade com ela. Claro. Anônimas outras que disseram que voltam para casa sozinhas: eu também, e, sem querer desanimá-las, sou, com certeza, beeeeemmmm mais velha que vocês. Mas, tudo bem. Mesmo. Acontece. Às vezes, sem perceber, não fomos melhores amigos de alguém, às vezes, somos nossos melhores amigos, às vezes, ainda vamos conhecer nossos melhores amigos. Não é brincar de Poliana, é tentar seguir, na boa, certo? Quanto a você, Fabrício, vontade de lhe dar um beijinho na cabeça de criança. Ainda dá tempo?

Tiego Victor disse...

Quando eu era criancinha, também tinha amizades 'verdadeiras', mas acho que eu sempre lidei bem com o fato de que elas somem, que as coisas mudam, que as pessoas vão e vem todo o tempo... na verdade achava estranho quando eu voltava pra casa com alguém, sempre gostei mais de ficar só. Hoje tenho umas duas ou três amizades fieis, mas sei que elas podem sumir sem motivo e eu continuar só, esperando de novo o destino colocar na minha frente alguém que eu considere como melhor amigo novamente...

Cristiano disse...

De fato, como o colega disse ae em cima, um tema que passa tão desapercebido e de repente voce diz assim como palavras tão simples e que mexeu comigo.Mas hoje cursando Psicologia, eu questiono isso. Porque existe ciúme em amizade e coisas afins? Ora, desconfio da pureza desse sentimento. esse texto me inspirou pra escrever algo a respeito. MAS ADOREI.

luc disse...

nchmuito interessante seu texto! teria como vc se aprofundar mais no assunto? - destacando o desejo de uma pessoa ser amiga de outra -

grato!

Anônimo disse...

Eu passei por isso em todas as minhaa amizades... frustrante!

Anônimo disse...

Esse ano comecei um curso novo e conheci uma pessoa que, acreditei, pudesse ser meu amigo. Conversávamos bastante durante as aulas e sempre fazíamos os trabalhos juntos. No segundo semestre desse já finado 2015, eu senti que ele estava mais distante. Me vi na difícil missão de conduzir a amizade. Puxava conversa, tentava resgatar o que acreditei que pudesse ser uma amizade pra vida toda. Eis que um dia falei o quanto a amizade dele era importante pra mim, e recebi como resposta um "legal".
Desde então passei à voltar sozinho pra casa também.

Anônimo disse...

Não há coisa pior que colocar expectativas no outro. Mas é impossível de não fazer isso quando você está extremamente solitário, com a única coisa a te salvar da tristeza e angústia sendo uma amizade.
Pena que a única coisa que consigo são "amigos colegas". Sai do trabalho, da faculdade e ninguém mais liga para o outro. As vezes acontece de sair uma vez ou outra, mas é algo tão raro, coisa que não dá pra contar nos momentos em que você quer compartilhar sua tristeza ou felicidade.
No esforço de obter amizades, só consegui decepções. Agora tento me conformar com a solidão. Mas não estou conseguindo ter muito sucesso também.