domingo, 10 de junho de 2012

O MEDO É SEMPRE SELVAGEM

Arte de Cínthya Verri

"Sou brasileiro, moro na Europa e estou namorando uma dinamarquesa. Nos damos bem, mas tem algo que me incomoda: ela é amiga do ex. Eles se encontram semanalmente, ela tem foto dele no celular, cuida do cachorro dele quando ele sai de férias e já cogitou visitar a família dele na África. Eu disse a ela que isso me incomoda. Estou exagerando no ciúme?
Obrigado,
Paulo Henrique"

Querido Paulo Henrique,

Eu já estava escrevendo que você tinha razão: seu ciúme não era à toa, que os fatos beiravam o deboche. Estava pronto a argumentar que ex é fantasma e não é recomendável conversar com morto.

Estava disposto a dizer para virar a mesa e não aceitar essa safadeza toda. Que isso lembrava filme esquisito de Ingmar Bergman, com traumas, complexos irresolutos e taras clandestinas.

Estava pronto a assinar o óbito da sua relação, mas logo me contive: a convivência entre eles é tão escancarada que não pode ter coisa alguma. Caso alimentassem ainda uma história, esconderiam o jogo, fariam questão de exibir distância e mentir formalidades. Não seriam ostensivos a ponto de apresentar foto no celular, partilhar convites familiares.

Acredito que sua namorada vem sendo sincera. Não existe conspiração, segredos, picuinhas

É natural a atração se esgotar. Já vi inúmeros romances decrescerem em amizade.

Ela e o ex agem como irmãos. O contato é respeitoso e não sugere incesto. Não há nada a despertar inveja. Ambos perceberam o fim da química e decidiram preservar os laços. Sabe aquela separação consensual, em que os dois aceitam, aliviados, que não se amam?

São confidentes, mas com o desejo castrado, de quem tentou e fracassou. É um amor assexuado.  Diria mais: ela e o ex agem como irmãs. Pode ficar tranquilo. Devem fofocar de você, de sua desconfiança latina e achar graça.

Eu somente tomaria cuidado para não virar uma boneca. O ex representa o perigoso destino eunuco de outros relacionamentos. Sua namorada tem temperamento forte e uma predisposição a transformar namorado em companheiro de quarto.

Mantenha seu sangue quente, por favor. Seu sangue dramático. É o antídoto contra o tédio.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querido Paulo Henrique,

Minha mãe profetizava: jamais pergunte ao namorado sobre aquela amiga por quem se morde de ciúme; nunca toque no nome dela que é para não dar a ideia.

Sempre encontrava graça no enigma. Depois, vi sentido. Eu lhe pergunto: quem fala mais no ex-namorado: você ou ela?

Talvez o moço nem seja tão presente, mas toda vez que aparece qualquer situação onde o fantasma é mencionado, o alarme soa fundo. Você é um campo de lasers no chão: impossível pisar sem disparar o terror.

Para amar em paz, a habilidade mais importante não é lembrar, mas esquecer. Quem não digere os fatos, morre de excesso.

Ganhou um rival, oras. Que experiência interessante! Assustadora, claro, porque ele é o pioneiro – já experimentou as coisas antes. É a fantasia de ser o segundo, de ter chegado tarde. É escalar o Kilimanjaro, chegar lá e encontrar uma bandeira puída.

A verdade dói, mas salva: nenhuma mulher será só sua.

Engula o suor e sorria. Sua insegurança está virando o mundo do avesso. Nem a namorada sabia que o ex tinha sido tão importante. Seis anos passados e ela não pensava mais nele desse jeito. Mas, aí, você chega e fica apontando as afinidades, as cumplicidades.

Eis o que faremos: uma equação de Pascal. Se a questão é acreditar ou não se há algo não resolvido entre os dois, aceitaremos o duelo. Não fale mais em seu inimigo de modo ameaçador (que o temido seja você!), fique próximo dele como um irmão.

Mais: quem está no mandato conta com grandes chances de reeleição, tem o governo a seu favor.

Garanta sua namorada de novo todos os dias. Vocês dois só tem a ganhar.

Beijos meus,
Cinthya Verri


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 10/06/2012 Edição N° 17096

ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

5 comentários:

Leuza disse...

Vcs são espetaculares. Que respostas lindas...

Bjs aos dois, com amor de fã.

ana disse...

O ciúme é sempre visto como uma ameaça, mas pode ser também um termômetro do quanto estamos insatisfeitos consigo mesmos. No entanto, o ciúme pode ser nosso aliado, pois se temos ciúme admiramos os rivais e se mantivermos a cabeça fria podemos aprender novas formas de comportamento observando eles. Sao nossos grandes professores.

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

seres humanos são mesmo ridículos.

Equipe TodoDia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Vocês dois são sensacionais...
O Carpinejar eu já conhecia mas, Chyntia ( não sei se escrevo corretamente, minha memória é péssima)... você ARRASA!

Beijos da fã - AGORA NÚMERO UM - DO CASAL.