Arte de Eduardo Nasi
Ao fazer meu check-in no terminal do aeroporto, empaco e crio fila. Não superava a etapa: qual o contato de emergência? Nome? Telefone?
Não digitava nada. Quem colocar? Quem vai velar por mim depois que você foi embora?
Sobrevivo assim a maior parte do tempo.
Quando ando pela rua, reviso os bolsos, fraquejo com a memória, me assusto com as coincidências. Saio de casa com a impressão de que deixei a cafeteira ligada, a porta destrancada.
Qualquer atitude esconde sua ausência. Todo lugar que já estivemos me rebobina. Olho, e me perturbo. Se avisto um twingo, corro para ler a placa. Se percorro Ipanema, vejo sua sorveteria predileta e minha boca procura reaver o cheiro de pistache. Quando atravesso a faculdade, recordo o quanto desejava ter um leão de pedra no pátio de sua casa. São observações aleatórias, coisas que diríamos.
De tanto antecipá-la em pensamento, hoje minhas palavras me atrasam.
Nem dormindo não tenho paz. Eu me acordo cinco vezes por noite. Consulto o relógio a cada duas horas até amanhecer. Despertar é uma vitória, como uma festa ruim que dependemos de carona.
Antes explicava para as pessoas que estava separado. Agora cansei. Se me perguntam de sua presença, respondo: — Tudo bem! E terminou o assunto. Explicar constrange.
O que mais me atormenta é que os amigos e familiares usam o mesmo bordão para me acalmar:
— Vai passar.
Não é um conselho alegre. Não me tranquiliza saber que terminaremos.
É uma advertência que me desespera. Não gostaria que passasse.
Eles não entendem que não sofro porque o amor acabou, sofro para não acabar o amor.
Sou contrário ao término, me oponho à nossa extinção.
Sou o único que resiste contra o fim de nossa história.
Eu não quero que passe. Mas sei que vai passar.
Sei que o amor vai morrer desidratado, faminto, por absoluta falta de cuidado.
Vai passar, infelizmente.
Tudo o que a gente construiu junto vai passar.
Tudo o que a gente idealizou, inventou e armou vai passar.
O lugar no peito que recebia seu rosto para dormir vai passar.
Nossos apelidos, nossos chamados, nossas piadas vão passar.
Por mais que acredite que seja impossível, irei namorar de novo, me apaixonar, casar e rir docemente sem culpa.
Vai passar.
Não superamos os medos, sucumbimos na segunda crise, desistimos de insistir.
Somos fracos, somos influenciáveis, somos tolos.
Foi muita incompetência de nossa parte.
Não seremos inesquecíveis.
Vai passar.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
40 comentários:
já viu "brilho eterno de uma mente sem lembranças"? é um filme que retrata bem esse sentimento de não querer esquecer.
ps. nossa, ta dificil provar que eu não sou um robo. nao consigo entender estas palavras que temos que repetir para comentar! esta é a terceira tentativa.
Vai passar por mais que a gente não queria...
Onde se aperta o botão do "esquecer"?
E quando quem vai embora não se vai por completo, teima em querer não deixar seu lugar vago?
Tiramos fora sua cadeira?
Preciso que passe!
Querido, custei a acreditar na tua separação. Agora vi que é verdade mesmo.E você sempre maravilhosos nas tuas palavras.
Beijos.
E eu arrisco dizer que em tamanha intensidade, é possível que nunca passe. Talvez apenas doa menos.
E é tão bonito...
Be
Rapaz, esse texto me atingiu com uma voadora no meio do peito... Lindo, apesar de triste.
É tão clichê o que vou dizer,mesmo assim irei : Esse texto foi feito para mim.
Enfim, você pega o âmago dos relacionamentos e escreve claramente o que sou incapaz de escrever,mas sinto.Texto incrível!Parabéns Carpinejar!
Beijos na sua Alma
Às vezes me pergunto: "Quando" tudo isso vai passar? Demora muito...e eu sou "avexada" demais...
Abraço
"Foi muita incompetência de nossa parte."
Foi sim. O eternizar é do ser humano, quando quer.
E tudo isso é muito foda meu irmão, que também nasceu predestinado a respirar amor por todos os poros. Go ahead e tudo que é eterno também sempre passa. Restam-te as letras, masoquistas.
Querido Fabricio
Eu e meu marido choramos ao ler seu texto.
Há trinta anos que nós lutamos
para continuarmos juntos, apesar dos desentendimentos ,
apesar do ciúme e apesar de nossas diferenças. Um ajuda o outro nas fraquezas e assim evoluímos cada dia um pouco, mas nunca nos abandonamos. Se a Cinthya ler esse texto e não voltar correndo para você é porque ela é uma boba e não te merece.
Tudo passa. Até a uva-passa !
Com esse texto traduziste exatamente o que estou passando no momento. Foi muito recente pra mim, não faz um mês. Também ouço bastante aquela velha história de dizer que não sou a primeira pessoa a passar por isso e nem serei a última. Ísis Bisogno.
Sua crônica de hoje, me lembra a música "50 Receitas" do Leoni... "Ainda sinto por dentro toda dor dessa ferida, mas o pior é pensar que isso um dia vai cicatrizar... Eu queria manter cada corte em carne viva, a minha dor em eterna exposição..."
Vou tatuar "All things must pass" nas costas por conta do que aconteceu, mesmo sabendo que não vai passar...
http://www.youtube.com/watch?v=YboGD3LaZv8
Seu texto me lembrou da musica 50 receitas, do Leoni!
Eh isso...
Com mto carinho
"não sofro porque o amor acaba, sofro para não acabar o amor" - brutal.
Me emocionei. Espero que vocês possam se dar uma outra chance.
Os dias se arrastam, td é lembrança, até o q n foi vivido junto, mas gostaríamos q a pessoa estivesse lá... a gente se vicia em antecipar os pensamentos e normalmente sabemos exatamente o q o outro comentaria nessa ou naquela situação....
Muitos dias se arrastarão ainda!
Força meu querido!
Nossa, tive que me conter para não chorar. Tuas palavras são lindas e verdadeiras e retratam muito bem a realidade de um término que não acabou para ambas as partes. É realmente triste...
Vai passar: a frase padrão de todos os términos.
E lá vamos nós encher de dia a dia tudo o que faz falta.
Aí a gente se acostuma e realmente passa.
Força pra você, Carpinejar. =)
Muitíssimo bem expresso esse momento de transição, espero que passageiro Estou passando pelo mesmo e tenho uma pontinha de esperança de que ainda voltaremos a querer-nos.
Triste é nunca ter mesmo amado ninguém!
Rídículo é nunca ter escrito um bilhetinho de amor!... Força
Uma das história de amor mais lindas e verdadeira que já conheci. Cada palavra do texto dá a dimensão do que foi esse amor. Foi realmente infinita enquanto durou. Espero que o tempo da dor passe logo, poeta.
Como cantou Chico: "Depois de te perder, te encontro com certeza, talvez no tempo da delicadeza..."
Não vai passar. Nunca. Não que eu seja pessimista. Sou realista. O passado fica no presente, sempre! Como esta hoje e agora, e provavelmente estará amanhã... As historias, os chamados, os castelos e os sonhos, sempre vão acompanhar. É como reler o livro preferido, se revive tudo novamente, as vezes com outros gostos e cheiros, as vezes com outras dores e risadas. Mesmo que na nossa estante já tenha outra historia preferida.
"Mas o pior é pensar que isso um dia vai cicatrizar, eu queria manter cada corte em carne viva e a minha dor em eterna exposição pra sair nos jornais e na televisão, só pra te enlouquecer até você me pedi perdão". É, ruim isso de não saber o que fazer a gente não sabe se sofre porque tem que esquecer (que não vai mais ter, mas queria ter) ou se sofre porque por comodismo (pra não ter que seguir em frente, que construir outra história OU SABER SER SÓ UM). Porque amor é bom, mas dá trabalho, e achá-lo não é fácil. Sorte pra todos que querem um amor e não o tem no momento, sorte!
Aquele soco bem no meio do peito.. que só desencadeou lágrimas pingando na mesa do trabalho.
Valeu, Carpinejar.. você tem muito mais de Deus do que a maioria de nós. E a mentira mais idiota que já contaram (e que a gente repete por consolo) é que ´´Tudo passa, até uva passa``.
Um abraço coletivo, de todos os leitores que te amam.
Camilla.
Sabe o que é pior? É que passa mesmo...
Fabrício...
Vai passar, sim. Clichê, mas verdade. A vida flui... Mas as coisas boas, essas ficam, ficaram fazendo parte de você, da sua história, de quem você é hoje!
Beijos! :)
Sabe por quê eu sou super tua fã?
Porque mesmo estrapolando vísceras, de tanta tristeza, consegues me fazer rir. O bom humor, mesmo que irônico, te faz estar entre os meus escritores preferidos.
Não tem coisa pior, que nos dizerem em meio a dor de um término: 'Vai passar!'
Seria engraçado se não fosse triste. Compartilho da mesma situação. Me apegando às pequenas coisas... lembranças do futuro que a gente imaginava.
Todo lugar também me rebobina, mas no meu caso um Jac Motor preto assombra, o pão com manteiga daquela padaria, a vontade de inventar só mais uma stória pra vê-la sorrir, cantar desafinado outra canção no violão, baixar mais um filme pra gente cochilar na metade... enfim tudo o que a gente já não mais faz... e que agora, confesso, faço escondido só pra memória achar que ela ainda está por ali...
Vou pra onde não a tenho, mas minha mente (ou coração) a coloca lá de alguma forma...
Mas o pior é realmente receber os mesmos conselhos...
ps.: engraçado um comentário citar a música "Todo o Sentimento", do Chico Buarque, que é no caso, a música favorita daquela que já não está aqui...
chorei...
Vc foi muito generoso com seus leitores ao escrever este texto. Lindo. Pra sublimar este seu desejo de controlar a situação (que ela volte, que este amor não se acabe, que você não precise esquecê-la...)só vejo um remédio: beba o dia inteiro!! Ganhe tempo... E cuidado para não embarcar na vybe de curtir a "ideia" da relação, longe dos problemas e defeitos da relação concreta. As pessoas têm a importância que a gente atribui a elas...
Vivi exatamente isso! E olha, não passou ainda e nem quero que passe. É a vida! Mas vai passar.. Um dia vai!
nosso amor é árdua colheita. semeamos inseguros toda sorte de terra. inseguros dia a dia a acreditar que vingue. que brote. que floresça. e quando estamos seguros do amor, do amor verdadeiro, que nos alimenta, que nos traduz, vem a tempestade, ventanias de setembro, a levar tudo embora. e de novo inseguros cortamos a terra. salivamos por chuva e sol. retomamos a lida dos incautos pelo coração derramado em semente. não há triste sina que não floresça. nem abraços. nem saudades. me descubro lavrador, com as mãos empipocadas, grossas feito um adeus, feito cachorro sem dono. feito silêncio. lavro a alma incendiada do passado de ontem como quem morde um pêssego. de néctar e lágrimas. sentindo sua pele, tuas veias no colo nu, seu gosto em minha boca de espanto. vigiando a doce espera. insegura como deve ser , mas cruel, árida e soberana. é preciso guardar as ferramentas no porão , embrulhadas nos lençóis de nós dois, da nossa loucura silenciosa e de fúria, como dois lavradores à espera do calendário. quem sabe na próxima virada da lua haverá certeza nas estantes da sala? e te amarei sem pressa, alucinadamente sem pressa, sem medo de perder a colheita. árdua colheita
"Por Onde Vão Teus Passos"
Josephin Soulary ( 1815-1891 )
Tradução de Durval Mendonça
Dos teus passos a trilha era a trilha dos meus.
Malgrado o céu em festa, o encanto do lugar,
vencido ali passei, sofrendo o rude adeus,
pesava-me na fronte a dor de recordar.
Aos pés de alta montanha, - agreste e escuro altar-
tão alta que pressinto a presença de Deus,
vejo a vereda em flor, um lago a emoldurar,
onde meu passo foi feliz seguindo os teus.
Ternamente, uma flor sussurrou-me baixinho:
"Sou memento do amor que o tempo não retém!"
E eu a beijei ardente em febre de carinho.'
Talvez a flor te espere a horas inquietantes;
meus beijos vai pedir-lhe ou dá-lhe os teus também,
mas deixa-a florescer no amor de outros amantes.
A falta que a falta faz...
O amor nunca passa. Ele continua para sempre agindo em nós de outras formas.
Eu não sei o que dizer em situações como esta que você está enfrentando. Queria escrever palavras que lhe confortassem, se isso fosse possível. Mas eu só posso te enviar um grande abraço, com o imenso carinho que a sua arte me inspirou a ter por você.
QUEM AMA NÃO DESISTE. Lembre-se!!!
parabens pelo belissimo blog, acompanho o mesmo desde 2010, recomendo a muitas pessoas. Parabens
"Eles não entendem que não sofro porque o amor acabou, sofro para não acabar o amor."
Perfeito.
Postar um comentário