terça-feira, 30 de outubro de 2012

QUANTO MAIS..............PIOR

Arte de Andy Warhol 

Meu amigo Daniel superou 40 dias de luto da separação, aguentou no osso o divórcio, chorou horrores e debulhou suas lágrimas em copos de bourbon, parou de atender ao telefone e se trancou no quarto.

No 41º dia, ele ressuscitou. E voltou a sair e se divertir. Já estava esquecendo o quanto amava sua ex. Já estava esquecendo que foi amado pela ex.

Um homem somente apaga um amor no momento em que encontra outro. Daniel se enamorou por uma bancária. Badalou vários finais de semana com Heloísa, ria com a franqueza de um adolescente.

Apaixonado? Sim, mas seria o último a saber. Todo apaixonado é o último a saber que está apaixonado. O mundo inteiro sabe, menos o próprio apaixonado. Não adiantava contar a Daniel que ele estava apaixonado, ele jamais me escutaria. O apaixonado é surdo também.

Para comemorar a nova fase de sua vida, Daniel convidou Heloísa para almoço em restaurante francês nos fundos de um casarão.

Ele pediu cordeiro com purê de beterraba; ela, filé mignon com acompanhamentos silvestres.

Ele pediu um vinho chileno; ela avisou que não poderia beber (pois ainda iria trabalhar), e se contentou com uma Coca-Cola.

– Coca-Cola light?

– Não, senhora, só temos Zero – avisou o garçom.

– Ok, não vou me desesperar por um detalhe – replicou.

O casal soltou os braços sobre a toalha para diminuir a distância das cadeiras, ambos se olhavam firme e forte numa hipnose infindável, hipnose à moda antiga, de relógio de bolso balançando.

A mesa estava sobrando entre os dois. Ele se debruçava no prato para arrancar um beijo, ela se levantava para acariciar sua testa. Nada poderia estragar aquele bem-estar. Quase nada.

Mas quando a Coca pousou na mesa, Heloísa gelou, derrubou o arranjo de flores e fugiu para o banheiro soluçando a seco.

Ele olhou a Coca com calma: Será que tinha uma barata?

Não achou coisa alguma, até que leu um nome. A marca decidiu homenagear seus consumidores nas latinhas.

Era o nome de sua abominável ex: Carolina.

“Quanto mais CAROLINA melhor”

Heloísa não aguentou a provocação, ardia de ciúme do passado dele.

Quando um refrigerante faz uma campanha dessas, não cogita de que existem desafetos no mundo, ódio familiar, revolta interior, tristeza reprimida, viuvez, gente que levou o fora ou foi corneado ou enganado. Imagina apenas que todos se gostam e que todos vão adorar ver seu nome ou de sua namorada na embalagem.

Daniel amaldiçoou o azar, criou teorias da conspiração, não duvidou da perseguição da megera, cogitou a hipótese de ela subornar o garçom para trazer aquele refrigerante.

– Como, entre milhares de opções, surge em minha mesa logo o nome daquela vagabunda?

Não poderia responder. Heloísa recusou carona e seguiu sozinha para o emprego. Não havia mais felicidade para ser dividida.

Do copo dela, só ficou o limão.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 30/10/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17238

6 comentários:

andrea disse...

aconteceu comigo. eternamente apaixonada por um Diego, fugi pra florianópolis no último feriado, mas em todas as placas publicitárias da cidade, estava o slogan "QUANTO MAIS DIEGO, MELHOR". ironia do destino?

CarinA disse...

Campanha clichê: "Falem bem, falem mal, mas falem de Coca-Cola". Como em toda a campanha publicitária, só existem pessoas felizes e realizadas emocionalmente, não me surpreendo.

Entendo perfeitamente o que é ir ao super comprar pipocas e refri, para curtir a deprê com um filme de comédia romântica e me deparar com o nome dele na prateleira.

Enfim, troquei coca-cola por chimarrão, quanto menos lembranças, melhor.

Nana Rodrigues disse...

Quanto menos, melhor...

Franco de Paula disse...

Muito legal o texto!
Aquilo que é feito para agradar e vender nem sempre agrada a todos. Infelizmente, também, na hora do ciúme, qualquer motivo pequeno se torna o fim de uma noite, já que é um sentimento difícil de suportar calado. Virou moda a Coca-Cola Zero depois dessa novidade, que pode ser simples, mas quase todos morrem de vontade de encontrar o próprio nome, comprar e guardar de lembrança. O sabor é o mesmo, mas quem não bebia, hoje bebe, só por causa da embalagem. Você contou uma história bacana, com conteúdo, a partir de algo que esta na moda. Muito bom o texto!
Parabéns!!!

Luiza disse...

Muito bom!

ganhar dinheiro disse...

parabens pelo belissimo blog, acompanho o mesmo desde 2010, recomendo a muitas pessoas. Parabens