domingo, 14 de outubro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

PAGAR PARA VER

Arte de Fatturi

“Foi ele quem terminou usando como ‘desculpa’ nossa falta de tempo. Depois passou a fazer um jogo de me tratar mal. Fiquei desnorteada, saí e fiquei com outro homem. O jogo virou, e a culpa é toda minha por não termos mais chance. Ele disse que não consegue superar o fato de eu não ser somente dele. Beijo Raquel”

Querida Raquel,
 
Sua vida não mudou para resgatá-la. A saudade é que vem enganando e maquiando o rosto sujo. Antes estava ruim, agora está pior. Porém, não é destino para se levar.
 
O namorado quer infernizar sua rotina, garantir a exclusividade, dominá-la. Ele não a ama e não pretende deixá-la amar outro tão cedo.
 
O que noto é uma total intolerância. Quando o orgulho prevalece no relacionamento, não existe amor, e sim poder.
 
Não ocorre uma leveza de quem busca se acertar. Uma compreensão das adversidades. Ele alimenta ressentimentos e cobra decisões passadas.
 
Não há sentido pensar que estragou tudo: vocês estavam separados. Ele se afastou por falta de tempo, e apenas voltou porque viu seu território ameaçado por novos romances. Age como capataz dos afetos, determinando a hora e o momento da convivência.
 
Não aceite o cabresto. Sei que meu palpite pode não surtir efeito no momento.
 
Está cega por um objetivo de tê-lo de volta a qualquer custo, para compensar o sofrimento da primeira separação e fazer valer as lágrimas depositadas nas urnas dos santos. Mas um dia descobrirá que ele não é feito para suas vontades.
 
Quando amamos, não reparamos nos sinais negativos e presságios contrários. Toda orientação de amigo não pesa. Toleramos uma série de menosprezos em nome da esperança. Infelizmente não vejo atalho em sua desilusão. Terá que pagar para ver. Ir ao fim da idealização. Sofrer com mais afrontas e decepções até cansar por completo.
 
Ninguém é capaz de destruir a fantasia que nós próprios criamos, só a gente.
 
Só você pode matar o amor que nunca existiu.

TRAIÇÃO PARCELADA
Arte de Fatturi

“Sou casado e minha esposa admitiu que já se interessou pelo chefe. Inclusive já presenciei situações em que cheguei na sala e eles ficaram ‘errados’ com a minha presença. Já vi conversarem de mãos sobre a mesa. Sou ciumento, inseguro mas amo ela. Não sei o que fazer. Abraço Humberto”

Querido Humberto,
 
Não tenho como dizer que é paranoia.
 
Ela admitiu o interesse e contaminou a relação profissional. Formalizou o flerte e autorizou a dúvida a penhorar as alianças.
 
Mesmo que não tenha nada, haverá a apreensão de que aproveitam as desculpas do trabalho para se encontrar livremente.
 
Ambos partilham de álibis pontuais e incontestáveis: uma reunião de emergência, uma viagem inesperada, visita a clientes.
 
Na hipótese de se posicionar contra saídas eventuais, combaterá a liberdade de sua carreira.
 
É uma situação constrangedora, propícia a alucinações e de difícil controle.
 
Nem mais relaxa, né? Deve caçar suspeitas e incriminações, mexer na bolsa, no telefone e no computador dela.
 
O medo é muito ambicioso, não tem pudor, entendo o desespero.
 
Não duvido que você reze para que ela saia logo de casa para iniciar a investigação em paz, e não arcar com os sustos e o nervosismo infantil.
 
Pelo jeito, não deseja sequer conversar sobre o assunto, somente pegá-la em flagrante. Está no segundo nível: não bastam suas explicações, a sede é por fatos.
 
Sinceramente não encontro problema no ciúme. Revela uma atenção refinada, uma forma de se renovar a franqueza.
 
Perigoso é quando o ciúme está acompanhado da insegurança, que é o seu caso. Daí o ciúme não espera respostas, inventa respostas.
 
A questão delicada é que tem certeza da infidelidade dela. Você já se separou por dentro.
 
O que aconselho?
 
Volte duas casas, fique uma vez sem jogar e acredite na esposa.
 
Se ela enganá-lo, é ela que foi a idiota. Não sofra por aquilo que não aconteceu.
 
Amor é confiança, senão vira tortura.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 14/10/2012 Edição N° 17222
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

6 comentários:

Clarissa Magalhães disse...

eu adoro você. só isso.

ana disse...

Segundo o Manifesto pela Maciez que o Fabricio escreveu, no primeiro e no segundo caso, existem duas pessoas macias e ternas se responsabilizando sozinhas pelo relacionamento...Mas um relacionamento feliz é uma construção a dois.

andreaim disse...

Queria ter lido a resposta à primeira consulta há alguns meses atrás, embora acredite que, provavelmente, lesse mas acabasse ignorando emocionalmente aquilo com o que concodaria racionalmente.
É como você mesmo escreveu: "Ninguém é capaz de destruir a fantasia que nós próprios criamos, só a gente.
Só você pode matar o amor que nunca existiu."
Por que somos assim? Por que às vezes pessoas macias envolvem-se com pessoas duras? Rs
Aproveito o comentário para elogiar também: Adoro seus textos, sua capacidade de entrega (mesmo que isso doa algumas vezes) e sua transparência.

ana disse...

Pessoas macias se envolvem com pessoas duras porque elas sao tao macias a ponto de acreditar que os outros tambem sao macios.

Roseli Vaz disse...

Gosto muito de como você desbrava o mundo masculino pra nós, o jogo fica mais limpo.Pra ti, desejo tudo de bom, e que se cerque de pessoas criativas e alegre, macias, e pra quebrar a monotonia, algumas duras e implacáveis.
Beso,

ganhar dinheiro disse...

parabens pelo belissimo blog, acompanho o mesmo desde 2010, recomendo a muitas pessoas. Parabens