Tentei brincar de boneca. Não posso dizer que não experimentei. Esperei minha irmã sair de perto e ir para aula de dança de tarde. De fininho, simulando que seguia ao banheiro no fundo do corredor, entrei em seu quarto rosa e roubei a Barbie para ver qual era. Acho que o ato se enquadrava em sequestro. Desfalquei a dona da casinha enquanto se olhava na penteadeira e corri ao pátio. Ken não notou o sumiço de sua esposa - era vaidoso demais para ser atento.
Com a respiração ofegante, meu primeiro passo foi tirar as roupas dela. Com ânsia, trocando os dedos, decidido a reencontrar as curvas e volúpia que tanto me deslumbrava nas mulheres. Na ausência paterna depois do divórcio, minha mãe me levava a piscina pelo vestiário feminino - desvendei o éden de penugens loiras, morenas, ruivas desfilando com toalhas na cabeça.
Ao arrancar o vestido da Barbie, não reconheci o tremor da minha pele. Veio a decepção: ela tinha o corpo chapado, opaco, reto, sem nenhuma reentrância. Só plástico. Não havia como ser médico, muito menos enfermeiro.
Larguei logo a loira para voltar a me entreter com a bola e carrinhos, operações muito mais emocionantes, envolvendo colisões e malabarismos.
Ninguém me pegou em flagrante, mas não procurei disfarçar o desconforto. Aquilo não atiçava minha curiosidade. Não alimentava o olhar ávido, a sede de biologia, a força da anatomia.
Menina gosta de vestir boneca, menino gostaria de brincar de despir boneca, só que não tem graça. Não dá para imaginar nada. É preciso o mínimo de realidade para suscitar a fantasia.
Quando nua, a Barbie partilhava daquele desinteresse de manequim de loja. A falsidade não era excitante. Não induzia ao erro. Não inspirava expedições. Traduzia um erotismo broxante de tábua de passar.
Sou fã da nudez feminina desde pequeno. Minha alma lúdica sempre dependeu do desenho do corpo. Desenho leal, não croquis e rascunho.
Guri ama a emoção verdadeira do pecado. A visão fidedigna do pecado.
Publicado na Revista Isto É Gente
Junho de 2014 p. 50
Ano 14 Número 709
Colunista
Um comentário:
Que coisa louca, Fabrício. Mas curiosidade não é pecado e às vezes um tanto legal, por mais que ela já tenha matado o gato. Penso assim só no auge dos treze anos. HAHA!
Abraços.
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