Arte de Eduardo Nasi
Diná tem uma coleção de pinguins. Mais de 400 pinguins pela casa. De vidro, de plástico, de pano. É pinguim no formato de abajur, de pantufa, de headphone.
Chamo sua residência de Comandante Ferraz, a estação brasileira na Antártida.
Prateleiras são tomadas de seu xodó, enfeitiçadas de cópias, clones e sósias de seu animal predileto de asas curtas e pés juntos.
Não procurei discutir com o fetiche da amiga e ofertei, preguiçosamente, um pinguim cangaceiro de aniversário.
Ao entregar o Lampião do Pólo Norte, esclareci com humor que fui voto vencido:
— É que vi que gosta de pinguim. Não quis magoá-la com minha criatividade.
Ela me fuzilou estranho, encolheu os olhos como se sofresse astigmatismo, esboçou uma cara de Orca.
— O que foi, Diná?
— É que eu odeio pinguim! Odeio!, ela respondeu.
— Como? Sua casa é cheia desse bicho…
Ela puxou meus ombros para que sentasse e explicou:
— Alguém inventou de me dar um pinguim, gostei e coloquei na minha geladeira. Um outro colega viu o pinguim na geladeira, achou que gostava e me ofereceu um pinguim de porcelana. Minha irmã espalhou para a família que adorava pinguim, que tinha até um pinguim de porcelana na minha sala, e passei a receber somente pinguim de natal, dia das mães, dia dos namorados, aniversário, amigo secreto. Eu fui educada e agora a coleção é uma maldição. Ninguém escolhe um presente diferente para mim. Eu odeio pinguim, pinguim é uma ave e não voa.
Era tamanho ódio que eu me senti integrante do Greenpeace e saí em defesa do bichinho:
— É que a asa do pinguim serve como nadadeira. Ele nada até 45 km/h!
— Não me interessa! Adivinha quantos DVDs já ganhei do filme Pinguins do Papai, de Jim Carrey?
— Quantos?
— Vinte!
Diná desandou a chorar. Sua vontade era destruir um por um dos bibelôs. Preparar uma fogueira de São João na rua.
Compreendia seu desespero. Opiniões são provisórias, mas terminam tratadas como definitivas. Nossa adoração é feita por fases, nossos hobbies são formados por épocas, só que somos cristalizados a vida inteira por um único viés.
Meu filho Vicente um dia gostou de ganhar bola de futebol — hoje ele odeia bola de futebol. Meu irmão Miguel um dia gostou de ganhar latinha de cerveja — hoje ele amassa com os pés.
É começar a colecionar algo que corremos o risco de virar museu.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
11/6/2014
Um comentário:
Fabrício, boa tarde.
Sempre que posso escuto seu comentário ao vivo na Gaúcha, com o Macedo e curto muito; acho bastante inteligentes e engraçados, o que é quase uma redundância dizer.
Também escrevo e gostaria muito que desse uma olhada no meu blog (www.samuelbonette.blogspot.com). Será uma honra te receber como meu convidado para dar uma lida.
Postar um comentário