sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A CHATICE DOS CASADOS

Os amigos casados não podem ver um amigo solteiro. É uma ameaça à estabilidade. Logo entram em parafuso para arrumar um perfil disponível no mercado e mudar o estado civil do conhecido. Plantam coincidências, forçam saídas a quatro, armam ciladas em jantares e festas. Não admitem alguém sozinho no círculo de relações. Afogam o santo Antônio da paciência em cálices de vinho e espumante.

Os encontros arranjados jamais vingam. Pois a atração surge pelos defeitos do outro, não pelas suas qualidades. Eleger um perfil pelas afinidades resultará, no máximo, em uma amizade. Pois o amor é oposição, a exceção, a quebra da regra.

Os amigos casados se transformam em aplicativos de namoro. Tinder. Happn. Não descansam ao procurar candidatos para desencalhar o colega.

Criam uma pressão descomunal, não reconhecendo que ser solteiro é uma escolha. Parece uma incompetência, uma doença social, uma completa falta de opções e de dotes.

Não absorvem o básico: qualquer solteiro tem discernimento para se virar e conseguir companhia, não depende de ajuda, caridade e compaixão. Está sozinho simplesmente porque vive melhor assim.

Mas os casados incomodam, talvez por inveja, talvez por insegurança, talvez para não pensar na fragilidade de seus próprios romances. Realizam bullying com brincadeiras sistemáticas e piadas agressivas, tais como “segurar vela”.

Quem é solteiro ou é taxado de boêmio e sedutor incorrigível, desprovido de seriedade, que não toma jeito, ou é um bicho isolado e depressivo, que não quer sair, trancado em casa, somente preocupado com a carreira.

Os casados são chatos. Entendem a liberdade como tolhimento. Sentem a necessidade de um par para completude, quando a individualidade já é inteireza, já é suficiente para transbordar.

Partem do princípio equivocado de que só a pessoa que casou ou tem filhos pode ser feliz. Qualquer outra condição é provisória. A solteirice é percebida como uma entressafra até namorar de novo. Um período de sofrimento e desinteresse, um castigo de antigas histórias frustradas. Aquele que não namora imediatamente sugere ainda sofrer pelo relacionamento passado, o que não é verdade. Quem diz que não está cansado mesmo, enjoado, não querendo negociar o seu prazer e as suas manias, com diferentes fontes de alegria?

Três anos sem ninguém fixo costuma ser interpretado como uma maldição, uma fatalidade, um desterro.

O amor é o único sentimento que não tem fiador. Você constrói o prédio para habitar.

Publicado em UOL em 26/01/2018

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