Eu descobri o que é a vulgaridade: o desinteresse.
Quem fala um palavrão apaixonado não será vulgar. Não será tosco. Acredita naquilo, colocará sua vida entre os dentes para estalar o chicote do desaforo.
Quem fala um palavrão por estilo, sem necessidade, acaba se vulgarizando.
Quem se oferece por excitação abarcará o peso da palavra dita, da palavra retirada, não será vulgar. Abraçará o suspense entre o pensamento e o som. O único acordo ortográfico que conheço é conciliar o que se pensa com aquilo que se deseja e conseguir ser compreendido.
Quem se oferece por hábito e técnica será tão vulgar quanto a marca do biquíni acima da calça.
A indiferença é vulgar. Não são vulgares a sensual abaixadinha e cada um em seu quadrado. O funk pode ser explosivo.
Não são vulgares os saltos enormes, os lábios pintados de vermelho ou o laquê ou qualquer adereço escandaloso. Um travesti pode ser muito elegante.
Vulgar é quem cobra por apresentação da alma durante as folgas. Não escuta os outros, não se reparte, confia que o amigo é espectador e que todos estão adorando sua companhia.
Há uma diferença entre a vulgaridade e soberba. Alguns merecem a soberba. Há uma diferença entre a vulgaridade e a maldade. A maldade tem sentimento.
Dei um giro noturno com minha namorada e sua amiga. Em cada bar que entrávamos, ela passava a mesma cantada ao porteiro com o interesse de arrebatar privilégios e uma mesa maior. Entoava um sopro infantil, acentuava os joelhos numa oferta despropositada. Sua voz era pedófila.
Bonita, pernas trabalhadas pela dança, vestido curto, rosto carismático, mas vulgar. Não alterava nunca a velocidade dos olhos não importando a lembrança. Falava com desdém, com certeza de toga emprestada para a formatura. Não estava familiarizada com o talvez, a dúvida, a hesitação. Unicamente admitia se corresponder na quarta e quinta marchas. Não voltava atrás num assunto, não dava a mão para uma conversa, não declinava de uma opinião. Seu lema: ou me acompanhem ou deixo vocês. Ela se via como a gostosa, a poderosa, a invencível, mas vulgar, porque não conquistou em nenhum momento o direito de ser conhecida. Demonstrava um talento absurdo para grosserias. Foi com o garçom, foi com o vizinho do balcão, foi com os colegas que encontrou na rua, foi comigo.
Brincava que minha namorada me chamava de gay heterossexual. Pelo excesso de cuidados e gentilezas. Ela nem me encarou. Virou os cabelos, abstraída de ternura:
— Se não fosse tão feio, seria gay.
Desprezou sua amizade antiga com a namorada, desprezou o que eu significava, cometeu um preconceito longe da paciência para convertê-lo em piada.
Vulgar. Como animais em cativeiro. Ela não sabe, nem saberá, até para avisar de nossa morte dependemos de pele.
26 comentários:
Parabéns pela crônica!!!! Me fez bem acordar e ler um texto tão bem escrito! Anseio voltar mais vezes!
Adorei a crônica, elegante resposta à atitude que você classificou tão bem no seu texto como vulgar.
(Eu já fui chamada de filha da puta e foi lindo! http://amormusicapoesia.blogspot.com)
Descobri, quando amigas de minha companheira - que é psicanalista - implicaram com meus vícios, que aquilo era ciume. Meses depois, soube de uma que, ao falar de um seu pretendente amoroso, caiu em ato falho e chamou o "affair" pelo meu nome... No fundo, todas sonham em ter um "gay heterossexual" ao seu lado... e mordem-se se inveja de quem já o tem...
Muito boa a sua definição de vulgaridade, nunca tinha me ocorrido isso =)
Se calhar, é bem pior que soberba e maldade juntas.
Lindo texto! Adorei, os dias atuais, narcísicos. Obrigada pelo belo que vc sempre nos oferece.
Fala sério, sua namorada não tem amigas mais legais pra sairem com vcs?...
rsrsrs
Texto nota 10, como sempre.
Incrivelmente bem colocado.. e não me espanta que o giro não tenha parado no primeiro bar.
Que texto lindo! Também acho que vulgar seja esse desdém, essa arrogância. Já vi pessoas de corpos perfeitos se tornarem feias e pequenas em segundos, por gestos e atos. E já vi pessoas baixinhas e feinhas se tornarem pessoas enormes, iluminadas!
O que me deixa triste às vezes é ver essas mocréias com alguém legal e cego! Deve ser disso que elas se alimentam...
Esta é uma observação muito séria, e cada dia mais nós vemos perto de nós este tipo de gnte que você descreveu tão bem.Como já te disse,já adoro a sua caligrafia...Maravilha!
Carpi:
encantada com a tua escrita hoje, por dias pensarei nessa última frase : "Ela não sabe, nem saberá, até para avisar de nossa morte dependemos de pele" Você é foda!
Carpinejar lê (sim porque a leitura acontece primeiro só depois vem a escrita) e escreve como um artista do meu tempo. Sempre que leio seus escritos fico com a impressão de ter chegado atrasado porque ele sempre chega na frente quando se trata de materiaizar aquilo que todo mundo sente e não sabe como dizer.
Tenho uma amiga que precisa ler este texto!
Prabéns poeta!
É, podemos emuldurar o texto em cada mesa de bar, como repelente, sabe? Na verdade, tb em todos os lugares de altos balanços. Mulheres assim sao tao desagradaveis,nunca não há muito acesso a elas. E, mesmo quando a gente "pega", a falta de presença da moça é tanta que a ofença é equivalente ou maior. Na quinta marcha tem que ser ou muito atleta, ou sheik.
Noooossa, Fabrício, isto é que pode ser chamado de uma vela maldita!!!
Vá à forra, cara, pede a namorada para mandar o endereço do seu blog pra ela, de preferência antes do seu próximo post...
Deu o troco que devia
- e em grande estilo!
Beijo,
doce de lira
Melhor colocado impossível. Mas será que a "própria" entenderia o recado?! Duvido! De qualquer forma, mais um belíssimo texto que certamente, nos remete a lembranças individuais... Eita mundo pequeno!!!
Como sempre, você arrasa com as palavras. Deu um tapa de luvas na cara dela. Pena que de tão vulgar, ela nem deve ter capacidade de interpretar seu texto. Continue nos deliciando com suas crônicas maravilhosas! Parabéns!
Faço das palavras da Mari Hauer as minhas também....
Você sempre perfeito Fabro!!
Bjos!
A linha é tênue entre elegância nata e vulgaridade exibida!
bjo
Simplesmente di-vi-no. Eu não sou uma mulher das mais belas que se pode apreciar, mas aprendi com minha sábia mãe a não ser vulgar. Classifico a vulgaridade de algumas pessoas como um estupro: estupro da alma,dos olhos, da mente e dos ouvidos dos demais envolvidos.
Muitas mulheres de nossa geração, deveriam ler este post. Arrasou. Beijos
Vc escreve pra caramba!!! Leio algumas coisas suas faz um tempo... e to gostando mto de te seguir no twitter.
Salve, querido, me afasto um pouco depois do começo e antes da entrada da moça, depois, entretanto, é de uma grandeza de espírito notável e muito contemporâneo (como lembrou uma das leitoras). Além disso, é uma crítica quase imbatível de tão lúcida! Grande abraço e sempre arte.
p.s.: o novo acordo ortográfico atenuou a feiúra das mocreias, né?
sempre me disseram que se você quer ser notada, evite o excesso de informação. Desse mos vão perceber a você e naõ a uma fantasiar escolhida para a ocasião errada (páscoa vestida de bruxa).
adorei o cronica, e acho feio tbm essa vulgaridade explicita que nossos olhos encontram em todos os cantos.
um amigo me indicou o blog, e estou vendo que espaço é bem interessante ^^
Impressionante como nos deparamos com pessoas assim o tempo todo e o fato é que não sabemos nem bem como caracterizar esse comportamento. Que por vezes nos deixa atônitos, sem ação. Você chamou de vulgaridade (e mocreia) talvez por tratar-se de uma mulher (?) mas... e um homem que se comporta assim? Sim, porque também existem. Enquanto lia seu texto se desenhava na minha mente um homem que conheci recentemente, não uma mulher.
Adorei o texto, como sempre. Apenas senti que ficou algo preconceituoso às avessas, como se só as mulheres pudessem se comportar assim...
Lucidez é a palavra!
abraços
Tá difícil.
A vulgaridade é triste, porque muitas vezes nem desperta a raiva, desperta só a pena!
Adorei o texto.
Desinteresse é o fim da picada, se é que tem fim essa picada.
Gostei de seu blog. Gostei de seus palpites.
Temos compatibilidades nos palpites, hahaha.
EStou lendo tudo devagarzinho, pra beber o néctar.
Melhores abraços
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