Gaúcho como ela, o poeta e cronista FABRÍCIO CARPINEJAR aceitou nosso desafio: explicar o que GISELE tem que a torna inspiradora para as MULHERES e irresistível para os HOMENS.
Gisele Bündchen não é uma beleza finda, uma beleza didática, uma beleza que se vira a página. É uma beleza misteriosa, amamos por não entendê-la. Há algo que sempre nos escapa. Uma duplicidade permanente. Como o sol de noite. Como a lua de dia.
Ela é extremamente feminina, mas carrega traços masculinos e fortes, germânicos e duros. Tem uma boca grande, o queixo grande, a testa grande, o nariz grande. O que ficaria desproporcional em qualquer outra face, nela é harmonia, coerência luminosa, constelação fechada. É a perfeição da poesia superando o resultado da lógica.
Os símbolos sexuais do século passado quase desmaiavam nas imagens. Marilyn Monroe, Ava Gardner e Greta Garbo, por exemplo, caracterizavam-se pelas pálpebras semicerradas, como se estivessem indo dormir ou levantando para o café da manhã. A feição adormecida revelava uma submissão, uma inclinação doméstica; a mulher sedada, anestesiada, vulnerável. Os olhos de cima para baixo, com a leve inclinação da cabeça, diziam sim ao mundo masculino, condicionados a somente oferecer prazer.
Gisele traz finalmente uma beleza acordada. É a primeira vez que surge um ícone feminino curioso, ávido, atento. Gisele está faminta de ver e saber o que está vendo.
Rompe com o padrão de Bela Adormecida, discorda da sensualidade da tristeza, interrompe a chantagem da melancolia. Sua mirada é invertida, de baixo para cima, corajosa, otimista, questionando nossas verdades e princípios. É o almoço do olhar. A igualdade de olhar. A tourada do olhar.
Ela não precisa de ninguém, precisa de si.
Marilyn, a antecedente mitológica de Gisele, pedia “Por favor”. Gisele pede passagem. A primeira lança uma contemplação lânguida, órfã, de alegria retraída; a segunda, uma observação convicta, decidida, independente.
Gisele tem fé em sua felicidade; não confiante demais a ponto de ser arrogante, nem de menos a ponto de ser influenciável.
Suas opiniões convergem para a autonomia. Além de pensar o que fala, pensa o que pensa. Palpita sobre temas polêmicos, não se dobra a uma tendência dominante.
Em vez da intolerância própria do famoso, age compreensivamente diante do contraponto e esclarece atitudes. É unânime (não há mais como negar sua importância histórica) enquanto muitos de sua área são consensuais (filhos adotivos de tendências).
Nunca aparece assustada com o alcance de suas declarações. Já apoiou o aborto (“Toda mulher deve ser livre para fazer o que quiser”), atuou como ativista social de campanha contra HIV e na defesa do patrimônio amazônico. Apesar de sua imensa visibilidade, mantém a rotina familiar longe das câmeras. Ela não procura a fama, a fama que a procura. Protege seus segredos. Até isso conseguiu: a mulher mais conhecida na atualidade conservou sua privacidade.
Talvez seja decorrência de uma espontaneidade inabalável. Não força amizade, não ostenta simpatia. Sua discrição chama para perto, chama respeito.
Envolvida pelo batimento cardíaco, ela não acentua o balanço natural. É a única que anda nas passarelas, sabe caminhar bonito. Já suas colegas dependem de esforço e desfilam. Para ela, tanto faz passar pelos bancos de madeira da Praça 25 de Julho, de sua cidade natal Horizontina (RS) como pelo gramado do Central Park. Ela simplifica, e deslumbra.
Tem noção do que produziu, mas não glorifica o passado. Não necessita explicar sua trajetória, o que lhe torna eternamente recente. Diferente da maior parte das modelos, que exaltam o percurso. Ela apenas aceita o que aconteceu de bom e de ruim e segue adiante. Não dramatiza a memória, não se elogia pela experiência. Sua juventude reside na firmeza de caráter. Na absoluta doação. Ela interpreta a sua vontade, não se violentou para atingir objetivos.
Curiosamente homens e mulheres partilham idêntica admiração. Não cativa separadamente os públicos.
Gisele é a saudade de uma vida simples. Uma vida descomplicada. Sem censuras e ameaças. Sem anorexia e bulimia. Com doce depois do almoço, e namoro com pipoca. Não é puro osso, mas angulosa, sestrosa. É alguém de dentro do universo da moda que veste o corpo da leitora. Com curvas e esquinas. Com decotes e bunda. Alguém que pode se beliscar para revelar que não está sonhando.
Gisele manteve cuidados, claro!, porém livre dos excessos repressivos. Desafiou à matemática da aparência, às formas triangulares e quadradas dos desfiles, aos recordes da subnutrição. Não perseguiu o esplendor a todo custo, preservou a saúde do pecado.
Ela não é tudo, pode ser tudo, que é muito melhor. Mais do que camaleônica, é de uma ambigüidade apaixonante, que permite várias formas e tons, várias nuances e sombras. Domina os dois extremos: é magra, alta e essencial e irradia volúpia.
Ela torna qualquer um bonito. Não nos incita a competição. É o ideal do cotidiano. É a exuberância do comum. A singularidade da mulher comum. A normalidade consagrada.
Gisele nos perdoa pelas imperfeições. Ela tem a virtude de não julgar. Nas fotografias, não está dizendo: “Seja como eu”, está dizendo: “Eu sou como você”.
A partir da ternura, cria empatia e não desperta inveja; sua beleza é filantrópica, transparente.
Gisele Bündchen exige mais e mais atenção e não enjoamos. Não é fotogênica, mas hipnótica. Ela nos desafia, o desafio é seu convite. Empareda a nossa atenção. Seu rosto é um prisma: mesmo de lado, seu rosto está de frente. É como se fosse um olhar de árvore (árvore não tem costas).
Empenhe-se para sair de suas órbitas. Impossível. Ela se movimenta parada. Prende como um magneto. Antes mesmo de ser famosa, a gente a conhecia de algum lugar. Vê-la é reprisar existências passadas.
Gisele é uma aula de pintura. Suas madeixas materializam a Vênus de Botticelli. As camadas loiras formam andares das ondas. Ela avança como uma correnteza, uma armação marinha, ela se derrama vertical.
Gisele é nossa última Renascença. Nosso derradeiro Código. Seus olhos estão rindo. Enigmáticos como La Gioconda de Leonardo da Vinci. As mesmas sobrancelhas invisíveis. O mesmo contentamento rico de sutilezas: contido, ansioso, libertador, sereno, irônico. Um espelho de nossa multiplicidade.
Repare bem na semelhança, Gisele apresenta realmente o desenho igual aos olhos da Mona Lisa. Com a vantagem de serem azuis.
Gisele Bündchen não é uma beleza finda, uma beleza didática, uma beleza que se vira a página. É uma beleza misteriosa, amamos por não entendê-la. Há algo que sempre nos escapa. Uma duplicidade permanente. Como o sol de noite. Como a lua de dia.
Ela é extremamente feminina, mas carrega traços masculinos e fortes, germânicos e duros. Tem uma boca grande, o queixo grande, a testa grande, o nariz grande. O que ficaria desproporcional em qualquer outra face, nela é harmonia, coerência luminosa, constelação fechada. É a perfeição da poesia superando o resultado da lógica.
Os símbolos sexuais do século passado quase desmaiavam nas imagens. Marilyn Monroe, Ava Gardner e Greta Garbo, por exemplo, caracterizavam-se pelas pálpebras semicerradas, como se estivessem indo dormir ou levantando para o café da manhã. A feição adormecida revelava uma submissão, uma inclinação doméstica; a mulher sedada, anestesiada, vulnerável. Os olhos de cima para baixo, com a leve inclinação da cabeça, diziam sim ao mundo masculino, condicionados a somente oferecer prazer.
Gisele traz finalmente uma beleza acordada. É a primeira vez que surge um ícone feminino curioso, ávido, atento. Gisele está faminta de ver e saber o que está vendo.
Rompe com o padrão de Bela Adormecida, discorda da sensualidade da tristeza, interrompe a chantagem da melancolia. Sua mirada é invertida, de baixo para cima, corajosa, otimista, questionando nossas verdades e princípios. É o almoço do olhar. A igualdade de olhar. A tourada do olhar.
Ela não precisa de ninguém, precisa de si.
Marilyn, a antecedente mitológica de Gisele, pedia “Por favor”. Gisele pede passagem. A primeira lança uma contemplação lânguida, órfã, de alegria retraída; a segunda, uma observação convicta, decidida, independente.
Gisele tem fé em sua felicidade; não confiante demais a ponto de ser arrogante, nem de menos a ponto de ser influenciável.
Suas opiniões convergem para a autonomia. Além de pensar o que fala, pensa o que pensa. Palpita sobre temas polêmicos, não se dobra a uma tendência dominante.
Em vez da intolerância própria do famoso, age compreensivamente diante do contraponto e esclarece atitudes. É unânime (não há mais como negar sua importância histórica) enquanto muitos de sua área são consensuais (filhos adotivos de tendências).
Nunca aparece assustada com o alcance de suas declarações. Já apoiou o aborto (“Toda mulher deve ser livre para fazer o que quiser”), atuou como ativista social de campanha contra HIV e na defesa do patrimônio amazônico. Apesar de sua imensa visibilidade, mantém a rotina familiar longe das câmeras. Ela não procura a fama, a fama que a procura. Protege seus segredos. Até isso conseguiu: a mulher mais conhecida na atualidade conservou sua privacidade.
Talvez seja decorrência de uma espontaneidade inabalável. Não força amizade, não ostenta simpatia. Sua discrição chama para perto, chama respeito.
Envolvida pelo batimento cardíaco, ela não acentua o balanço natural. É a única que anda nas passarelas, sabe caminhar bonito. Já suas colegas dependem de esforço e desfilam. Para ela, tanto faz passar pelos bancos de madeira da Praça 25 de Julho, de sua cidade natal Horizontina (RS) como pelo gramado do Central Park. Ela simplifica, e deslumbra.
Tem noção do que produziu, mas não glorifica o passado. Não necessita explicar sua trajetória, o que lhe torna eternamente recente. Diferente da maior parte das modelos, que exaltam o percurso. Ela apenas aceita o que aconteceu de bom e de ruim e segue adiante. Não dramatiza a memória, não se elogia pela experiência. Sua juventude reside na firmeza de caráter. Na absoluta doação. Ela interpreta a sua vontade, não se violentou para atingir objetivos.
Curiosamente homens e mulheres partilham idêntica admiração. Não cativa separadamente os públicos.
Gisele é a saudade de uma vida simples. Uma vida descomplicada. Sem censuras e ameaças. Sem anorexia e bulimia. Com doce depois do almoço, e namoro com pipoca. Não é puro osso, mas angulosa, sestrosa. É alguém de dentro do universo da moda que veste o corpo da leitora. Com curvas e esquinas. Com decotes e bunda. Alguém que pode se beliscar para revelar que não está sonhando.
Gisele manteve cuidados, claro!, porém livre dos excessos repressivos. Desafiou à matemática da aparência, às formas triangulares e quadradas dos desfiles, aos recordes da subnutrição. Não perseguiu o esplendor a todo custo, preservou a saúde do pecado.
Ela não é tudo, pode ser tudo, que é muito melhor. Mais do que camaleônica, é de uma ambigüidade apaixonante, que permite várias formas e tons, várias nuances e sombras. Domina os dois extremos: é magra, alta e essencial e irradia volúpia.
Ela torna qualquer um bonito. Não nos incita a competição. É o ideal do cotidiano. É a exuberância do comum. A singularidade da mulher comum. A normalidade consagrada.
Gisele nos perdoa pelas imperfeições. Ela tem a virtude de não julgar. Nas fotografias, não está dizendo: “Seja como eu”, está dizendo: “Eu sou como você”.
A partir da ternura, cria empatia e não desperta inveja; sua beleza é filantrópica, transparente.
Gisele Bündchen exige mais e mais atenção e não enjoamos. Não é fotogênica, mas hipnótica. Ela nos desafia, o desafio é seu convite. Empareda a nossa atenção. Seu rosto é um prisma: mesmo de lado, seu rosto está de frente. É como se fosse um olhar de árvore (árvore não tem costas).
Empenhe-se para sair de suas órbitas. Impossível. Ela se movimenta parada. Prende como um magneto. Antes mesmo de ser famosa, a gente a conhecia de algum lugar. Vê-la é reprisar existências passadas.
Gisele é uma aula de pintura. Suas madeixas materializam a Vênus de Botticelli. As camadas loiras formam andares das ondas. Ela avança como uma correnteza, uma armação marinha, ela se derrama vertical.
Gisele é nossa última Renascença. Nosso derradeiro Código. Seus olhos estão rindo. Enigmáticos como La Gioconda de Leonardo da Vinci. As mesmas sobrancelhas invisíveis. O mesmo contentamento rico de sutilezas: contido, ansioso, libertador, sereno, irônico. Um espelho de nossa multiplicidade.
Repare bem na semelhança, Gisele apresenta realmente o desenho igual aos olhos da Mona Lisa. Com a vantagem de serem azuis.
Publicado na Revista Cláudia
Nº 4, Ano 50, Abril 2011
Ps. 34-36
10 comentários:
Tanta explicação não me convence,
tantos adjetivos só me confundem.
Perfeita é a mulher que encontro na rua, no ônibus, na fila do banco; com suas curvas, suas dores, sua dose generosa de realidade.
Talvez o segredo esteja no que disse: "Ela não precisa de ninguém, precisa de si". Será esse o segredo do sucesso?? Abraços!!
mais puxa-saco impossível.
Textinho mais ou menos..
Pelo seu texto, já teria valido a pena ser Gisele. Embora eu não a ache uma beleza tão comum assim. Porque ela até assusta de tão bela...
Difícil explicar o inexplicável, mas o texto acabou por se sair uma bela tentativa...
http://omundoparachamardemeu.blogspot.com/
Que poder que tem a poesia. Nunca achei a Gisele
bonita, mas agora ...
Agora entendo porque não canso de olhá-la....
Gostei...
Era o que eu sentia em relação a ela e não conseguia explicar!!!
Carpinejar, bela crônica! Risório alguns indivíduos, metidinhos a escritor, alheios a qualquer noção de literatura espontânea, aberta, vêm aqui tentar debochar de um texto bem alinhado, caprichoso. A Gisele foi ovacionado pelo verbo da poesia.
Geovane Belo
*ovacionada
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