Arte de Eduardo Nasi
Os adultos deveriam ler um pra o outro.
Antes de dormir, eu e Juliana não nos isolamos em nossos próprios livros. Não nos separamos em obras diferentes.
Pego um romance que interessa aos dois, ela deita em meu colo e vou lendo até que as páginas se transformem em cílios. Preciso adivinhar o momento em que ela apaga para continuar no dia seguinte. Marco um singelo colchete de lápis e sigo o passeio da paixão durante a semana.
Ela sonha com a minha voz, eu misturo o cheiro de sua pele ao papel. Ambos estão conectados em caso de pesadelo.
É o nosso rivotril, o nosso lexotan. A leitura acalma e organiza as experiências.
Não abdicamos do luxo da narração. A língua renova os dentes e as letras voam pelo quarto.
Depois de um livro lido a dois, todo casal dormirá abraçado o resto da madrugada, não se soltará, será íntimo do pensamento. É terapia de família, é natação dos olhos, é massagem nos ouvidos.
A leitura cuida da alma da voz. É uma transfusão de alma. Não nos defendemos. Não nos armaremos, estaremos disponíveis ao acaso do enredo e da intensidade do inesperado. Formamos a união feroz das nossas fragilidades.
Bonito quando ela pede para repetir, bonito quando alongo a pausa para espiar se ela cochilou, bonito que ela se emociona e perde o sono com alguns autores, bonito que me encabulo ao recitar trechos e a descrição se torna exageradamente embargada. Bonita que é bonita que é bonita a nossa cumplicidade.
A partir dos personagens, surgem observações sobre amigos, assuntos do trabalho, bagunças da memória, lembranças extraviadas. No fim, forramos os volumes com nossos desejos e nos conhecemos mais.
O livro é o nosso bar, nosso balcão, nosso restaurante.
O gesto cria arrebatado discernimento. Percebo o quanto a solidão fortalece o que aprendemos a dois.
Não é possível se conhecer para amar. É o contrário. Só posso me conhecer ao amar. Ela é que me ensina a me amar — não é algo que faria sozinho.
Eu me amo admirando seu amor por mim. Eu vou copiando o amor que ela me dá.
Avançamos trinta páginas por noite. Mas vários capítulos em nossa relação.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
7 comentários:
Unir as fragilidades é o que nos torna invencíveis.
Parabéns pelo texto...
(achei sua namorada parecida com a Marcia Tiburi)
OLÁ CARPINEJAR,
sou seu seguidor há algum tempo e não faço nenhuma coisa extraordinária em sê-lo, como diria o abominável Jânio Quadros, após a centésima terceira dose de cachaça, ou, "como nunca se viu neste país", como bostejaria nosso preclaro Lula de todos e todas.
Principalmente, de todas!!!
Enfim , quero dizer que estou de volta, como a inflação e gostaria usar da humildade dos sábios e a generosidade de Madre Teresa de Calcutá ao colocar meus blogues à sua inteira disposição.
Alguns são de humor e outros escritos quando sinto-me mais normal, do que eventualmente, me ocorre.
Receba um abração carioca!!!
Ps.Esse abraço é de graça,coisa incomum nesta nossa admirável sociedade capitalista.
Oi. Estou quase acabando de ler "Canalha", bom em excesso. Tem autor que com metade daquilo faz um livro e vende feito água. Pronto, elogiei.
Quanto a esse texto, mais uma vez touché. Houve um tempo em que eu lia de noite na cama para o meu amado, e creio que éramos muito felizes. Depois eu não sei o que aconteceu, mas eu o perdi: seria tão bom se eu o tivesse ganho.
te descobri ontem, e hoje estou surpreendida com o que li. Ganhou meu coraçao, minha admiracao, minha vontade de absorver. Parabens e obrigada. :)
Quando eu amei de verdade, meu amor foi vivido que nem o seu, Carpinejar. E foi tao bom que, mesmo sem agora, ainda sei o que é viver em sua total plenitude um sentimento... Então, com tantas verdades, tantas pequenas emoçoes que você vive ao lado dela...se um dia perdê-la vai ser difícil "arrumar" outra, por isso estou sem namorado. Minha referencia de relacionamento foi tão perfeita , leve que ainda nao consegui encontrar outro alguém que dividisse comigo esses momentos tao simples e suficientes ao amor.Geralmente querem barzinhos, baladas, viagens, presentes...eu só quero alguém q leia junto comigo...beijos
Opa Fabrício,
faço o mesmo com minha menina.
E sendo que fui indiretamente presenteado com esse escrito, mando-te outro em retribuição.
Felicidades...
Té.
http://pedronicoll.blogspot.com.br/2011/11/um-dialogo-daqueles-que-voam.html
Simplesmente lindo!
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