Arte de Fraga
Deitado no sofá com a namorada Juliana, com as nossas pernas trançadas, fazia planos. Quando fingimos assistir televisão, é que conversamos sério.
– Vamos morar junto.
– Vamos casar na igreja.
– Vamos ter um filho.
– Vamos envelhecer lado a lado.
– Vamos pescar.
Neste momento, ela me interrompeu:
– Pescar? Por quê?
Juliana não estranhou nenhuma das minhas afirmações anteriores, bem mais sérias, para quem está namorando apenas há um mês. Aceitou com naturalidade comprometer sua vida comigo; o que achou esquisita foi a pescaria, numa completa inversão de expectativas.
Para os crédulos e os céticos, para os normais e comportados, pescar seria a única alternativa aceitável. As demais seriam vistas como ameaça, desatino, irresponsabilidade.
Demonstrar confiança na posteridade da relação é um gesto de pressão e sufocamento. É forçar a barra, anular a individualidade. Os passos afetivos devem ser miúdos e recalcados, se possível com o casal descendo as escadas segurando no corrimão.
Para a maioria, esse diálogo apressaria discussões, terminaria relacionamento e geraria debandadas de escovas de dente das canecas do banheiro.
Existe um pânico de ser espontâneo a favor do romance. Como se fosse uma maldição, como se o amor fosse uma promessa política vigiada pelos eleitores.
Muitos nem falam o que desejam para não serem cobrados no futuro. E perdem a chance de aprender a falar.
Juliana ofereceu um espetáculo de fé na gente. Suspirei e ri ao mesmo tempo, de feliz de dividir as sobrancelhas com alguém que não se amedronta em sonhar.
Porque não vejo problema algum em sentir medo da vida, mas sentir medo de sonhar é o cúmulo da covardia.
É a liberdade de querer, que ninguém pode nos tirar. Não planejar a relação para não sofrer só deixa o sofrimento mais despreparado.
Quando realmente amamos, nada é impossível. Nada é sobrenatural. Não resta o pânico da formalidade e do compromisso.
Não receamos firmar pactos, desenhar o futuro, elaborar viagens, confessar as fantasias dentro de casa.
Entre nós, o pudor não pode mandar. Quando tememos dizer algo, até o silêncio será incômodo.
A recompensa da convivência supera as fobias, e as aparências regradas.
Ainda vou convencê-la a pescar comigo.
Será difícil, porém consigo. Talvez leve uns dois anos.
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 05/05/2013 Edição N° 17423
3 comentários:
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Morar juntos, casar, ter filho, envelhecer ao lado seria considerada "coisas normais" de um casal (se bem que hoje ter filho já é um ato de IRRESPONSABILIDADE, opinião minha). Já pescar é considerado algo fútil, inútil, isso é coisa do "nosso tempo" diriam os "conservadores". Hoje tá na MODA ir ao Shopping, comprar, comprar e comprar...pescar sai da normalidade de uma vida ditada por regras de comportamento.
Adorei! só gostaria de saber se hoje 22/08/2015, 27 meses após esta crônica, conseguiste levar Juliana para pescar.
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