terça-feira, 3 de junho de 2014

GNOMO EM ALTO ESPORTE

Arte de Pedro Friedberg

Logo no segundo encontro com a minha mulher, ela teve que enfrentar um grande teste: o modo como eu estava vestido.

Esperava Katy no bar do cinema. Meu figurino era uma calça amarela de coração, um blusão verde, um casaco de veludo ainda mais verde, sapato vermelho combinando com os óculos. Em suma, um gnomo em alto esporte. Um arco-íris na curva da tempestade.

Não precisava levantar o braço para denunciar minha localização.

Ela, que se preocupava com o que colocar para me agradar, descobriu que deveria é se preocupar comigo. Vinha a ser, mesmo vestido, um atentado violento ao pudor.

Por generosidade do destino, não tive irmão gêmeo.

Andar comigo pelo shopping seria o equivalente a dar a mão para uma árvore de Natal. Os cadarços desamarrados serviam de tomada.

Ela confessou, um ano depois, que não ficou assustada.

– Eu me assusto com baratas. Contigo daquele jeito, fiquei apavorada.

Acho que rezou para não esbarrar com algum familiar e amigo pelas galerias e lojas. Suou frio, gaguejou, contornou o constrangimento com a elegância das meias palavras.

Foi muito amor e provação da parte dela. Não comentou nada, fingiu normalidade. Não teceu nenhum comentário irônico. Elogiou o que podia naquele momento, o meu perfume.

Hoje, aposentei as calças coloridas e extravagantes, as camisetas P brilhosas, os casacos estranhos. Fiz uma limpa nos cabides. Tirei a drag queen do meu armário. Separei as roupas para dar. Finalizei uma era de minha vida. Não desprezava quem fui, apenas não me atendia mais.

Nossa empregada Cléo recebeu a responsabilidade de levar as sacolas aos necessitados.

Qual minha surpresa quando ela volta no dia seguinte com todas as minhas peças. Nenhuma ganhou a simpatia de entidades beneficentes e brechós.

– Pode ainda interessar as escolas de samba –, Cléo buscou me consolar.

Terminei recusado pela campanha do agasalho. Devo ter sido o primeiro caso da história de Porto Alegre.

Não há caridade que justifique a cafonice.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 24,  3/6/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17817

7 comentários:

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

Pois talvez tenha sido melhor assim

Lara Vcitóriaa disse...

haha

Unknown disse...

Guarde de recordação para caso de mostrar para alguém o que não usar. Ou para o caso, de um dia, ir na festa do ridicúlo; com todo respeito.hehheheheheh

Clara Mello disse...

hahahaha Adorei!
Bom, pelo menos você sabe que o amor é verdadeiro!

Mari disse...

kkkkkkkkkk Sua mulher é uma heroina!!(bribcadeira)
Adorei o seu blog e seu jeito de escrever,
Venha me visitar!
Bjus

Unknown disse...

Leiam meu blog
modaforademodaa.blogspot.com.br/2014/06/aparencia.html

Ramon Samudio disse...

Parabéns pelo site. Muito bom Mesmo.