quarta-feira, 11 de junho de 2014

OS PINGUINS DE DINÁ

Arte de Eduardo Nasi

Diná tem uma coleção de pinguins. Mais de 400 pinguins pela casa. De vidro, de plástico, de pano. É pinguim no formato de abajur, de pantufa, de headphone.

Chamo sua residência de Comandante Ferraz, a estação brasileira na Antártida.

Prateleiras são tomadas de seu xodó, enfeitiçadas de cópias, clones e sósias de seu animal predileto de asas curtas e pés juntos.

Não procurei discutir com o fetiche da amiga e ofertei, preguiçosamente, um pinguim cangaceiro de aniversário.

Ao entregar o Lampião do Pólo Norte, esclareci com humor que fui voto vencido:

— É que vi que gosta de pinguim. Não quis magoá-la com minha criatividade.

Ela me fuzilou estranho, encolheu os olhos como se sofresse astigmatismo, esboçou uma cara de Orca.

— O que foi, Diná?

— É que eu odeio pinguim! Odeio!, ela respondeu.

— Como? Sua casa é cheia desse bicho…

Ela puxou meus ombros para que sentasse e explicou:

— Alguém inventou de me dar um pinguim, gostei e coloquei na minha geladeira. Um outro colega viu o pinguim na geladeira, achou que gostava e me ofereceu um pinguim de porcelana. Minha irmã espalhou para a família que adorava pinguim, que tinha até um pinguim de porcelana na minha sala, e passei a receber somente pinguim de natal, dia das mães, dia dos namorados, aniversário, amigo secreto. Eu fui educada e agora a coleção é uma maldição. Ninguém escolhe um presente diferente para mim. Eu odeio pinguim, pinguim é uma ave e não voa.

Era tamanho ódio que eu me senti integrante do Greenpeace e saí em defesa do bichinho:

— É que a asa do pinguim serve como nadadeira. Ele nada até 45 km/h!

— Não me interessa! Adivinha quantos DVDs já ganhei do filme Pinguins do Papai, de Jim Carrey?

— Quantos?

— Vinte!

Diná desandou a chorar. Sua vontade era destruir um por um dos bibelôs. Preparar uma fogueira de São João na rua.

Compreendia seu desespero. Opiniões são provisórias, mas terminam tratadas como definitivas. Nossa adoração é feita por fases, nossos hobbies são formados por épocas, só que somos cristalizados a vida inteira por um único viés.

Meu filho Vicente um dia gostou de ganhar bola de futebol — hoje ele odeia bola de futebol. Meu irmão Miguel um dia gostou de ganhar latinha de cerveja — hoje ele amassa com os pés.

É começar a colecionar algo que corremos o risco de virar museu.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
11/6/2014

Um comentário:

Samuel Bonette disse...

Fabrício, boa tarde.

Sempre que posso escuto seu comentário ao vivo na Gaúcha, com o Macedo e curto muito; acho bastante inteligentes e engraçados, o que é quase uma redundância dizer.

Também escrevo e gostaria muito que desse uma olhada no meu blog (www.samuelbonette.blogspot.com). Será uma honra te receber como meu convidado para dar uma lida.