quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

EXCESSO DE DOM

“Você diz não saber o que houve de errado e meu erro foi crer/ que estar ao seu lado, bastaria/ Ah meu Deus, era tudo que eu queria/eu dizia seu nome, não me abandone jamais”
Os Paralamas do Sucesso


Arte de Tim Burton, o preferido dela.



Meu apelido de pequeno era patinho feio. Estudei numa escolinha com esse nome, chorei quando minha mãe me leu o livro, considerava uma tragédia o animal se transformar em cisne – era perder sua essência.

Desde aquela noite, não confio no final feliz da história de amor. A maioria não tem nem final.

Até porque ninguém acredita que terminou. Continua a se viver ou por um milagre, na expectativa que um dos dois quebre o pacto educado do silêncio, ou por hábito, o que nos empurra para frente são o trabalho, as necessidades dos filhos, o amparo curativo dos amigos.

Meu romance com Cínthya foi terrivelmente bonito. Tão bonito que não existe rascunho.

Eu e ela tentaremos narrar, surgirão fragmentos desconexos, vamos nos emocionar e lembraremos agora da raiva. A raiva de não estarmos mais juntos. Uma raiva sem culpados, mas com dois mortos.

E um morto não pode enterrar o outro. Não sei quanto tempo ficaremos ao relento. O mar talvez nos puxe por compaixão.


Por favor, não me pergunte nada dela hoje. Não pergunte nada de mim para ela hoje. Reinará o ódio. Por trás dele, de todas as brigas e rumores, dos temperamentos incompatíveis, sobrevive uma ternura incontrolável, um amor genuíno e violento.

Eu direi absurdos de seu comportamento, para aceitar que tomei a atitude adequada. Ela repetirá crueldades do meu posicionamento para se tranqüilizar. Terei meus motivos e ela, seus motivos, e nunca aceitaremos que as explicações não dão conta do mistério. Somos muito menores do que aquilo que vivemos juntos.

A incompreensão será o nosso complexo de inferioridade.

Formamos um enigma. Não é possível fazer resumo de impressões, o raciocínio se esvai nas primeiras estocadas: por que nos encontramos? Por que tentamos nos entender? Por que trocamos sacolas de pertences na despedida se não nos pertencemos mais?

O pé de pato é o sapato de Cinderela. Que engraçado lembrar só de contos de fadas.

Ela surfava com um par todo colorido, vermelho e amarelo, mas perdeu o pé esquerdo em Tramandaí (RS). Três anos depois, ainda um completo desconhecido dela, eu achei a peça extraviada em Imbé, na praia vizinha.

Guardei o objeto por teimosia, assaltado pelo vexame da concha sobrenatural e inútil. Qualquer um largaria na margem para que seu dono o localizasse. Carreguei para a casa, envolvido na completa dificuldade de me livrar do que é sozinho.

Quando a conheci e visitei seu apartamento, observei na varanda o pedal de peixe parado, ilhado, solteiro, duvidei que pudesse ser verdade, que fosse possível. Aleguei coincidência, gozação, até que o número 38 me convenceu a desistir de perguntar.

Eufóricos, arriscamos andar com pés de pato pela areia, pelo gramado, pelas ruas. Não nos acalmava a informação de que eles funcionavam apenas na água. Considerávamos um desperdício diante da grandeza da predestinação. Para nós, não havia diferença entre o raso e o profundo, tudo era mergulho. Tudo sempre foi mergulho. Um excesso de dom.

Não confio em final, mas não contesto o começo. Sou realmente seu par, que não virou cisne.

30 comentários:

juliana disse...

Lamento pelo término, mas não fique você lamentando, a vida é muito curta, a fila anda e ninguém é insubstituível, a frieza nessas horas é a melhor cura para a dor.
Bjos Fabro, fique bem.
Juliana Ritter.

Guilherme Moraes disse...

Tu é FODA!!!!

Mari Hauer disse...

Tão difícil comentar um texto desse... Pela beleza mas, principalmente, pela realidade.

Tenho sentido quase uma raiva quando leio textos sobre amores que duraram para sempre e que sobrevivem em mundos rosas. Não que amores não nascem para durar... Não acredito que amores verdadeiros precisam só do rosa para viver!

Na verdade, acredito que amores são construídos mesmo na mistura das cores, de raiva, de ódio, do ficar de bem. E que gente que quer mostrar só o lado bom é mesmo muito cruel, consigo mesmo!

Lindo o texto, mesmo. De uma realidade torta, não muito bonita, mas ainda sim linda!

Léo Santos disse...

Bah Tchê! Relaxa! Toma um negócio e siga em frente! Isso é coisa que acontece e blá, blá, blá...

À propósito:
O trecho da canção Meu Erro que introduz o teu post é obra de Herbert Vianna com seus amigos de Brasília - Os Paralamas do Sucesso - e não de Renato Russo.

Carpinejar disse...

"meu erro" ...verdade, Léo. Corrigi. abraço Fabro

Carolina disse...

Fabrício, sinto muito pelo "fim". A história de amor de vcs deu muito certo, foi verdadeira e intensa, como pudemos acompanhar pelos teus textos maravilhosos. A alegria de ter vivido um amor assim deve ser plena. Agora é seguir em frente, para o desconhecido, p/ o q tiver q acontecer.

Torço mto pelos dois!! E tuas palavras são lindas e perturbadoras, como sempre. É aquela verdade que nos arrebata! Sou viciada nos teus textos!

Fica bem! Abraço, Carol.

Dolce Vida disse...

Sempre te acompanho....sou mais uma q gosta dos seus textos...rs
meu blog não tem a ver com o seu, então nem queira visitar,por um acaso de dúvida de quem te deixa um comentário...
enfim, na minha opinião, sinta a dor, a falta, sinta o momento...ele há de passar e isso não creio que lhe restem dúvidas, já passou por 'outros furacões'. "Fingir que não dói é programar uma dor futura" No futuro, estas coisas sempre vem a tona...cure-se nas coisas belas da vida: amigos, filho(s), família, livros...ou no seu grande dom, a escrita...

Um grande abraço e o que é teu tá guardado para o tempo certo (3 de eclesiastes - caso a bíblia)

Virgínia Santiago disse...

Não, a vida não segue em frente enquanto a saudade ainda respira pela boca.
Que mania tem pessoas de falar para seguir em frente com uma dor aparente!
O tempo é o senhor do futuro e do presente. E eu não conheço o tempo. Só sinto que ele passa rápido. E isso não dá o direito para mergulhar de cabeça no próximo voo, só porque o tempo passa veloz.
Tomara que seu amor, Cínthya, volte. Um romance “terrivelmente bonito” não termina assim. O orgulho deve ficar de lado. Ele só cega e machuca corações enamorados. Ouçam o coração. Quer melhor razão?

Elaine disse...

Parece que estamos passando por momentos parecidos...
acho que, quase sempre, os motivos que fazem uma relação acabar são muito menores do que os sentimentos que o fizeram começar...
Uma pena que sentimentos são tão instáveis e incompreensíveis... =/

Andrey Brugger disse...

Quanta serenidade, Carpinejar!

Excelente texto e, mesmo que não fosse tua intenção, excelente ensinamento de cordialidade. Um exemplo de bondade e respeito, do que o verdadeiro amor é capaz!

Um abraço

Ramiro Conceição disse...

SONHO DE UM CADÁVER
by Ramiro Conceição


Quando teu olhar vestiu-me, soube
que não poderia mais... despir-me;
foi tal qual um mar a batizar-me,
dando-me um verdadeiro nome.
Agora padeço de uma sina:
te perder na curva da esquina
e tornar-me o sonho de um cadáver
que dorme... quando a alma some.



PS: um abraço, Fabro!

Luna Freire disse...

Não é um cisne???
É, sim.
Usamos, sempre, os espelhos errados.
E não vemos que há cisnes em todo patinho feio.
E mirrados patinhos em todo belo cisne...
Assim nos completamos,
cada casal:
pelas nossas ausências e vazios.
Se agora sobrou o vazio,
mergulhe nele.
Somos feitos de hiatos e as ausências têm muito a nos falar...

Anônimo disse...

hoje é meu aniversário e queria um dia bonito. Não que não esteja mas... vi um motoqueiro caido, gritando de dor! E agora vejo sua dor, traduzida em palavras... esta é a realidade da vida, de vontades, de sonhos e de dores! Um dia depois do outro, emoções que aquecem, abrandam, surpresas boas e ruins! Torço para que aquele motoqueiro tenha se machucado pouco e que sua dor se abrande. Que nunca percamos a capacidade de amar. Nossos amores passados, acomodamos em um cantinho e lá ficam pra sempre, deixando espaço para que outros aconteçam, diferentes mas bons, que é o que merecemos. Concorda? Torço por vc e pela beleza de suas emoções e franqueza!

Nina disse...

Belo texto, emoções doloridas, mas belas, ainda assim.

E, às vezes, o fim é só o começo...

Bj

(também tenho um blog "póstumo"... http://amormusicapoesia.blogspot.com )

Rita disse...

Senti um aperto, feito aquele livro que a gente vai lendo bem devagarinho para não chegar ao fim. Muita generosidade em nos consolar, nós os leitores, com um texto tão sereno e bonito. Obrigada.

Leo Vinhas disse...

Fabro, não deixo comentários, poesia os palavras porque você pediu para que se respeite seu recolhimento.

Mas aqui em SP tem sempre uma casa, um copo e até talheres pra você, sempre que quiser.

Abraço,

Luciana Brito disse...

Primeira vez que venho por aqui e dou de cara com um texto sobre 'fins'. Bonita a forma como tu descreveu esse romance e a forma bastante correta de como as coisas acontecem quando tudo acaba.

Beijo!
Voltarei mais vezes =)

Proseando a Vida disse...

Fabro,

forças para enfrentar a dor.
Que ela não não seja maior que sua sensibilidade.
Parabéns pelo belíssimo texto, mesmo em situações tão adversas.

Carinho no coração doído

Mayara Sá (fã)

Raiana Reis disse...

Ainda que as razões nos conforte em cada amanhã a atravessia com o solitário pé de pato é que nos faz nostálgicos... Há beleza em saber que mesmo tudo que já passou deu certo,pela medida de tempo que lhe coube, como dizia o Vinícius, eterno em quanto dura, mas parte nossa pra vida toda.
Beijos no coração!

Raios
Tocou!

Mônica disse...

É amigo, estamos passando por momentos semelhantes. Orgulho, raiva, mágoas e tudo o mais que faz um buraco no coração. Só quem passa sabe..
força pra nós

Denise Portes disse...

Lindo seu blog, gostaria que você fosse conhecer o meu www.odeliriodabruxa.blogspot.com
Um beijo
Denise

Vanessa disse...

Li seu texto e inevitávelmente me identifiquei, me vi nas suas palavras, e assim pude compreendê-las de tal forma que não contive as lágrimas que insistiam em sair de meus olhos. É bonito, real e, um pouco doloroso, como algumas realidades da vida.
Tocou-me a alma. Obrigada por compartilhar algo tão seu e tão próximo ao que acontece com quase todo mundo nesse texto dessa maneira tão bonita.

Lica Marques disse...

Dá até vontade de pensar que esse rompimento deveria ter acontecido antes, pra que fosse possível ler um texto desses. Sensacional.

Maria Tereza disse...

Nem sou gaúcha, mas Báh! Fiquei triste... apesar do texto ser ótimo! =/

Ariana disse...

Texto perfeito pra um momento imperfeito.

Alê Periard disse...

2010

Ego(ísmo).
A gente quando gosta de alguém tem uma espécie de egoísmo: nossa vida pode continuar mas a da pessoa não... Se descobrimos que fulano está namorando e beltrana casou, a gente fica bravo, despeitado, num sentimento de posse confuso, como se os outros deveriam ficar congelados no passado como nós os deixamos.

(Alexandra Periard)

Lívia disse...

Nem acreditei no que meus olhos me contavam... Parei por diversas vezes, na tentativa de interiorizar o que estava escrito... Lamento muito pela separação. Amores assim, tão produtivos e ricos de ensinamentos, onde crescemos junto e com o outro são sempre eternos... não morrem jamais. Seja pelo retorno ou pelas memórias. Acredite que o que tiver de ser, será. Tome seu tempo, respeite o dela. E deseje profundamente que seus caminhos sejam iluminados, qualquer que seja a direção... juntos ou separados. Lamento mais ainda por silenciosamente, por tantos meses, torcer pela felicidade e sucesso de quem não conheço... sua e dela. Felicidade que espelhava em tantos de nós inspiração, esperança, delicadeza e um inconfundível olhar para a poesia diária... Que seja em silêncio... que seja recluso... que seja seu tempo e o tempo que houver.
Apenas durma bem.
bjs

Flor de Bela Alma disse...

Oi, escrevo depois de muito tempo de silêncio. Leio você silenciosamente nos livros e no blog tem muito tempo. Tudo na sua escrita é absolutamente genuíno e transbordante, preciso dizer. Não sei como, mas percebi a desconstrução poética que se fez dentro de você. As suas palavras caminhavam para o ponto, e seguem agora para as reticências....
Com carinho:
Bia

Adélia Carvalho disse...

Nem sei se existem mesmo finais, ou apenas dois novos recomeços...

Ana disse...

Teu espaço é lugar repleto de tesouros. A frase que resume tua crônica de forma brilhante, e que representa pra mim , quando termina um grande amor. " Somos muito menores do que aquilo que vivemos juntos."

Parabéns , sucesso sempre ! bj