segunda-feira, 30 de agosto de 2010

ESTRATÉGIAS DE SEDUÇÃO

Arte de Jasper Johns

A mulher tem uma manha terrível, um ardil implacável de sedução. Qualquer macho sucumbe. Qualquer. Pode ser um diplomata, um gari, um doutor pela Sorbonne XXXV, um eletricista. Não foi criado um sistema de proteção; ainda somos presas fáceis.

É quando ela sussurra no ouvido que está sem calcinha. Mesmo que seja uma mentira, funciona. O sujeito engasga, extravia a linha de raciocínio, logo baba, perde a língua em ataque epiléptico. Experimentará um transe messiânico, tonteado com a revelação. Trata-se de um convite? Quem diz que não é maldade?

Toda mulher fala que está sem calcinha rindo, o que irrita sua vítima. O barbado buscará se certificar, espiando os joelhos, reparando nas dobras, com os olhos vidrados de um tarado. Não acreditará no milagre. Cometerá uma gafe, um escorregão, derrubará a cerveja na roupa, tropeçará no cadarço, praticará algo idiota como encará-la para avisar que irá ao banheiro. E voltará do banheiro duas vezes idiota porque ela sequer se levantou da cadeira.

É uma confidência imbatível que somente as mulheres têm direito. Se o homem declara que está sem cueca vai sugerir – no máximo – que é um porco. Não será nem um pouco excitante.

Mas, após décadas de experimento, desvendei uma estratégia masculina de efeito semelhante. Não faço churrasco, nunca convidei amigos para uma carne no final de semana. Meu pai se separou cedo da mãe e não me transmitiu o legado e a arte do sal grosso. Azar, não há churrasqueira que não sirva de lareira.

O que não abro mão é de comprar o saco de carvão no mercado. Nenhuma fêmea resiste a um homem carregando um saco de carvão. Com os dedos sujos de graxa. Apanhando a argola de papel com desleixo. Como se não fosse pesado.

Num único lance promocional, é oferecer as fantasias eróticas de mecânico e de peão. É mais imbatível do que escolher carne no açougue. Mais imbatível do que recusar a carne no açougue (a maior parte dos clientes discorda do açougueiro para se exibir ao mulherio).

Atravessar os corredores de laticínios e refrigerantes com um saco de carvão representa a suprema glória viril. Supera o óleo nos bíceps dos halterofilistas. É reconquistar o fogo. É se fardar completamente ao sexo.

Não precisa ser musculoso, apenas desalinhado. A cena depende de preciosos detalhes. Suje a calça na hora de pagar e não dê bola para mancha, provando que estaria disposto a rolar num barranco. Largue o pacote na esteira com um estrondo, para impor passionalidade. E pague com um maço bêbado de notas, retirado do bolso da frente. Não tire a carteira sob hipótese nenhuma, que seria uma atitude educada e fria.

Todo domingo, repito esse ato sagrado. Tenho um estoque de sacos no porão. É meu jeito de estar sem calcinha.





Publicado no jornal Zero Hora
Segundo Caderno, p. 3, 30/08/2010
Porto Alegre (RS), Edição N.º 16443

41 comentários:

Marcel Franco disse...

Sensacional! Fiquei de graça muitas horas. Sua estratégia está dando bons lucros a indústria carvoeira. Mas é "seu jeito de estar sem calcinha". Um forte abraço. Marcel Franco

Michele disse...

Como mulher posso te dizer que vc está certo! O "seu jeito" de estar sem calcinha funciona sabe porque? Porque nós adoramos homens com masculinidade, não másculos(apesar de algumas gostarem, eu não gosto), e sim masculinidade! Pegar o saco de carvão, se sujar sem reclamar, pegar um maço de notas fora da carteira, é.....estimulante!!Homem com H maiúsculo, mas ao mesmo tempo que dá atenção, pega qualquer mulher! Ih...entreguei o jogo rsrs

George Dantas disse...

Bom, concordo com a Michele! A mulher se sente atraida realmente é pela MASCULINIDADE, pela VIRILIDADE. Principalmente se estiver no seu periodo fertil! É cientificamente provado.

Tenho uma amiga, que se apaixonou pelo atual namorado, quando em um de seus primeiros encontros, ele desceu do carro e disse; "Vou mijar." E foi até o muro e mijou ali mesmo! Ela disse q foi nessa hora q pensou: "Esse é O HOMEM".

Ótimo texto!

TatybeTaty disse...

E como eu usei essa artimanha pra esquentar o sangue de um ser calculista e frio. Mas ele me esquentava com seu jeito de bicho, com seu cheiro de macho, quando não falava nada, só cheirava, farejava meus instintos... isso em qualquer lugar, sem pensar em nada, sem pensar em ninguém...

Vivian disse...

Gostei!!!! É bem por ai mesmo. Cada um usa as armas que tem para seduzir. E isso não é considerado golpe baixo! Dar uma "provocadinha" em lugares públicos... Quem ainda não experimentou, pode tentar que funciona! Rs...

flordelis disse...

Na mosca! Mulher gosta de homem que se comporta como tal. A gente fica imaginando como as mãos que seguram o saco de carvão vão se sair fazendo outras coisas.

Robson Ribeiro disse...

kkkkkkkk Muito engraçado e engenhoso!

Grande abraço!

Unknown disse...

Eita hombridade, hein!?

Gostei.

Batom e poesias disse...

O tipo "machão" nem sempre é unanimidade.

Um ponto equilíbrio de masculinidade e um "poquito" de sofisticação vai melhor.

Mas seu texto é sempre impecável e hilário.
Adoro!!!
Bj

Rossana

Anônimo disse...

Aí só falta acender a churrasqueira sem álcool, com o próprio papel do saco. rs rs

Tuka Siqueira disse...

É isso aí! Masculinidade está nas atitudes e não nos músculos aparentes. Um homem que pega um saco de carvão com tamanha desenvoltura, provavelmente sabe como "pegar" uma mulher nos braços e fazê-la feliz...

Oria Allyahan disse...

Muuuuuuuuuito bom! Divertidíssimo!

Essa do saco de carvão eh sensacional, funciona mesmo.

Mas acho que não se iguala à artemanha da calcinha, porque, afirmando estar sem a peça íntima, a própria mulher fica excitada, além de deixar o cara alucinado.

Mas se vocês homens também ficam muito doidos com o saco na mão, então desconsidere o q eu disse! Empate técnico!!

Grande abraço.

^^

Marco Hruschka disse...

Meu caro Carpinejar, meus parabéns pelo texto. Você transforma um ato corriqueiro, cenas do dia-a-dia em arte, em poesia, em reflexão. Gostaria de postar teu texto no meu blog, tanto para homenageá-lo quanto para engrandecer o meu espaço. É um belo texto.
Abraços
Marco Hruschka - Maringá-PR
www.letralirica.blogspot.com

Rossana disse...

Mazaaaa! Adorei o post!
Grande abraço!

Anônimo disse...

"Quem tem um caso gosta tanto do casamento que transforma a amante em rotina..." que sensibilidade Carpinejar ! É que se não fosse o casamento a pessoa jamais teria um caso, seria um namoro, um encontro, etc. pois é o casamento que propicia e mantém o caso, assim temos gratidão ao casamento. E dá-lhe Carpinejar. Parabéns.

Unknown disse...

Carpinejar, Carpinejar. A cada dia meu encanto só aumenta. E sim, é sempre bom um homem de "cara suja".

líria porto disse...

canalha! tu sempre me fisgas...
besos

Mayara Roldo disse...

Rindo muito, adoreei, muito bom!

Rafael Noris disse...

Caramba, não faço nada disso, não tenho essa masculinidade.

Acho que minha namorada se sente atraída por gays...

hahahaha

Abraço!

Ramiro Conceição disse...

Caro Fabro, li a sua crônica. Estou sem palavras… Não por estar admirado, mas por não acreditar que, efetivamente, ela saiu de você: um poeta que levo muito a sério… Como não sou politicamente correto, vou tentar esclarecer o meu espanto.
Primeiramente, deve ficar claro que as nossas origens são muito diferentes, isto é: seus pais, caro poeta, são intelectuais (uso o presente, pois não sei se os seus estão vivos…); meus pais, infelizmente, não: minha mãe, ainda viva, na juventude, foi costureira; meu pai, já morto, na juventude, foi carvoeiro (embora, quando de sua morte, era um dos diretores da empresa na qual, por mais de 40 anos, trabalhou).
Dito isto. Eis o que, efetivamente, quero dizer… Meu pai quando se lembrava de sua condição de carvoeiro sempre relatava a terrível angústia de viver, entre homens e mulheres, porém percebendo ser invisível… Isso mesmo: a maior dor de um indivíduo é, no seio da cidade, ser um ser invisível socialmente… Meu pai muitas vezes me relatou que, naquela condição, se tornou um bêbado contumaz: chegava a beber 3-4 garrafas de conhaque vagabundo num dia (na década de 40 um jovem carvoeiro forte podia sustentar seu vício…; é óbvio que por pouquíssimo tempo de vida sadia…). Outra coisa, meu pai relatou-me que, de suas brigas homéricas, às vezes, ocasionadas por um simples olhar desconfiado, nunca teve a certeza se não matou alguém: foi sangrado e também deixou gente sangrando no meio fio… À época, eram raras as armas de fogo. O comum eram facas e punhais. Detalhe: estou a relatar a periferia da cidade de São Paulo, na década de 40.
Voltando agora ao século XXI. Caro Poeta, você sabe das condições sob as quais se produz carvão vegetal nestes nossos Brasis? Penso-sinto que não preciso ir mais adiante…
Seu texto, caro Fabro, relata uma machista fantasia sadomasoquista sobre mulheres, também, sadomasoquistas. Só isso. E nada mais…
Mas e o resto?... O que está acontecendo no Brasil, neste instante, amado Poeta?
É estarrecedor, para mim, por sua trajetória poética, saber de tal texto publicado em um dos maiores jornais do Rio Grande do Sul.
Desculpe-me, Fabro. Estou sendo sincero… Volto a dizer: não sou politicamente correto!

!Cibely disse...

mas que coisa mais bah tchê!

a sem-calcinha paulista

Caca disse...

Caramba! Eu já fiz isso tantas vezes e o máximo que consegui foi uns apelos femininos, do tipo: Ô gordão, a que horas vai sair uma carne ao ponto? Pode? Mas o seu texto é uma delícia de se ler. Abraços. Paz e bem.

Tiago Medina disse...

Sempre somos presas fáceis delas...

Anônimo disse...

O cara é bom,muito bom,seria gaúcho por acaso?carne ...carvão...churrasco e ...mulher é o que o véio gosta,,hehe assina:Tchê

Maria Tereza disse...

"Se o homem declara que está sem cueca vai sugerir – no máximo – que é um porco. Não será nem um pouco excitante." Além de não ser excitante, deve ser incômodo pra caramba! Texto magnífico! =)

Cristiane disse...

Vc é maravilhoso! Tinha que escrever algo neste texto em especial...tão perfeito! Rs ADOREI!NÓS sabemos as armas que temos para seduzir...:)NÓS DOIS!

frassinetts disse...

foi quase um conto erótico pra mim hahaha


http://www.fagulhadagua.blogspot.com

Lucas Candido disse...

Essa tese só não se aplica a essa nova geração de mulheres que gostam mesmo é de um homem com cara de mulher ala justin bieber..

Bernardo B. Bortolotto disse...

Depois de ler o texto e os comentários da mulherada, já comprei uns 10 sacos de carvão! hahaha

Mto bom!!

Felipe disse...

Demais para caber num texto só. Perfeito!
Abraço, Fabro.

Anônimo disse...

adorei o texto, vi uma entrevista sua na globo news e me apaixonei rsrsrsrsrs gostei mesmo!
beijos da Pueblo...

Carolina Assunção e Alves disse...

Minha conclusão, após alguns posts seguidos fervorosa e atentamente, durante meses em que te admiro e, ao mesmo tempo, te questiono, é: você é talentoso, genial. Porém, machista. Isso dói.
Uma fã reles como eu deduz o seu pecado - posso estar enganada, Fabrício. Espero que sim.
Atenção, não posto a bandeira do fogo nos sutiãs, longe disso, sou feminina até a raiz dos meus cabelos. Por isso (talvez) dói. Prefiro um homem sem cueca a um saco de carvão. Mas não abro mão da barba, ok?

Giuliane Sampaio disse...

Existem certas coisas nesse mundo virtual que são "engraçadas"...ao mesmo tempo que é um espaço "ilimitado é estreito", digo isso porque dias atrás vi uma palestra pelo youtube de um psicoterapeuta chamado Flávio Gikovate que tratava justamente desse assunto da sexualidade e do poder de sedução da mulher e foi muito coincidência eu ler esse texto depois! Incrível como tudo isso faz sentido rs. No mundo animal a biologia é tendência, em outras palavras, apesar de nós sermos seres pensantes existe também esse lado mais carnal e feroz que descocertam nossos sentidos e raciocínio. Flávio Gikovate argumenta também que o sexo está culturalmente associado a agressividade e a esse lado "animalesco". Por isso boa parte das mulheres ficam atraídas facilmente com aquele homem viril e voraz e quando ela percebe que ele fica descontrolado com o poder de sedução feminino é fato que o desejo sexual entre ambos falará mais alto.

Para quem se interessar vale a pena saber mais o que Flávio Gikovate fala (por sinal muito bem) sobre sexologia (uma verdadeira aula filosófica):

http://www.youtube.com/watch?v=ixcYNA0eB1Q&feature=related

Dalva M. Ferreira disse...

Sabe que você tem toda razã? Eu não resisto.

Anônimo disse...

Olha, acho que dá certo, porque me peguei imaginando a cena, detalhadamente, e... égua, adorei! Nunca mais vou olhar pra um saco de carvão sem me lembrar desta crônica.
Ontem, na Feira do Livro aqui em Belém, te conheci pessoalmente e me surpreendi com o teu jeito maluquinho, brincalhão e sem frescura - imagina, jogar espuma em quem não perguntasse nada! Só tu mesmo! Cheguei na hora do perfume do boto daquela simpática senhora - perdi um bocado, não? - mas o que vi foi o suficiente pra me apresentar um Fabrício que ainda não conhecia direito, apesar dos livros, dos blogs, do Programa do Jô. Fiquei encantada contigo - e olha que tinha o perfume, mas não tinha sequer um carvãozinho por lá!
Uma sem-calcinha paraense... risos...

Isa G. disse...

hahahahahahahahaha...MUITO MUITO MUITO BOM! Imaginei cada cena e foi, no mínimo, uma comédia! Legal seu jeito de estar sem calcinha!kkkkkkkkkk
Você é ÓTIMO!!!!!!! Parabéns!

Anônimo disse...

Deixa eu te contar, Fabrício: encontrei um homem no supermercado com dois sacos de carvão, carvão vegetal selecionado... e ri. Nunca mais vou olhar pra um saco de carvão do mesmo jeito, já te disse. Parei para observar rapidinho a cena: ele pegava nas argolas de papel e tentava arrumar os sacos em cima da esteira do caixa (já não gostei, arrumar?), distraído tirou o dinheiro da carteira... ah, estragou tudo! Ele não leu tua crônica, nem ao menos pensou no assunto.
Achei muita coincidência ler tua crônica ontem e hoje topar com um rapaz comprando carvão, até porque nunca vejo ninguém comprando carvão. Parece até conversa fiada, mas juro que é verdade.
Abração,
Iracema, a paraense.

Anônimo disse...

Divertidíssimo!!!

PARABÉNS!!!

A propósito, estou sem calcinha..rsrs

Sole disse...

Ahhhhhhhhh, q D+ isso tudo... tão bom ficar sem calcinha... e saber que isso irrita a vítima, rsrs, bjos

Paulo Artur Rodrigues disse...

Tchê, depois de ter lido, há algum tempo a "estratégia", só arranjei complicação doméstica. Minha mulher disse não entender como posso sujar-me tanto numa simples compra em supermercado - onde circulam por entre gândolas de diversos finos produtos, verdadeiras poesias sobre salto altos. Não soube responder, o que criou uma situção semelhante Coréia do Sul - Coréia do Norte. Lado a lado, com olhares belicosos. Mas é o preço a pagar pela expecativa destas "poesias autopropelidas", informar-me, num súbito, que estão sem calcinha, o que diga-se de passagem, nunca aconteceu e a possibilidade de que venha a acontecer é a mesma de que eu ache R$10.000,00 em notas de R$200,00,i.é. NUNCA!

Anônimo disse...

Adorei a sua forma de escrever. Ri demais. Tá... o seu texto é engraçado, mas não rola isso, não. Só faltou escarrar (que nojo. Se eu vejo uma coisa dessa, perco o interesse na hora. Nem o Brad Pitt salva.). rsrsrs Homem forte é uma coisa. Porco é outra... Tem que ter um meio termo. Se eu vejo um homem se sujar assim, penso nas roupas dele, toalhas, roupa de cama e no resto da casa que ele vai sujar e se vai ajudar a limpar ou deixar tudo pra mim.Sabe o que seduz mesmo uma mulher:ser atencioso, gentil... aquele cara que mostra que se importa. Que procura estar presente, que liga porque sente saudades (não é o meleca que gruda). Gosto de ser mimada (não é dar presentes caros, sabe? É tipo... "amor, passei em frente da padaria, lembrei que você gosta desse pão - mesmo que ele não saiba dizer o nome, fica ainda mais fofo - e resolvi passar aqui pra nós comermos juntos". aquele que traz flores sem motivo... que divide as tarefas da casa - a mulher faz o jantar, ele lava a louça.) Ah, não sei se alguma mulher deixa um cara desses escapar (se deixar é louca. Eu sou esperta. Já agarrei o meu. rsrsrs