quarta-feira, 9 de março de 2011

AS APARÊNCIAS NÃO ENGANAM

Arte de Cínthya Verri


Mulher guarda repulsas em segredo. Não abre para a ala masculina o que realmente detesta. Deseja que ele descubra sozinho ou reza para que nunca aprenda mesmo, sempre é bom ter uma pequena vantagem no ódio.

Um dos seus horrores é homem que usa sapato branco. Para ser perdoado, ou ele é um bicheiro extremamente rico, dono de escola de samba, ou um pai de santo poderoso, proprietário de uma granja. Na ausência das duas hipóteses, precisa saber dançar muito bem, reeditar um Fred Astaire do bico fino, tirar música do salto, reproduzir La Marseillaise subindo a escada.

Mulher projeta o futuro no primeiro encontro, o depois vem antes. A realidade disputa corrida com sua idealização. Quando namora já pensa se ele serve para casar. Quando casa já pensa se ele serve para cuidar dos filhos. Por sua vez, homem é de alma retroativa; quando namora e casa, só lembra a sua mãe.

De acordo com o efeito dominó feminino, o cara que compra sapato branco vai adquirir cinto branco. O cara que compra sapato branco vai vestir camisas floreadas e abri-las até o terceiro botão para exibir a corrente de ouro com a inicial do nome. Não terá limite. Não terá censura. Colocará carpim preto com tênis. Aparecerá na cama de cueca cor de pele. É totalmente sem noção, previsão de vexame na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, durante o casamento ou na pensão.

E essa não é a mais constrangedora repugnância. Há uma que envolve a maioria dos parceiros.

O que sua esposa ou namorada não confidencia é a fobia que sente com a rodela de mijo na calça. Toda fêmea não aguenta mijão, quem abandona o vaso com um halo molhado na braguilha, uma infiltração de parede no tecido.

Não tem como dizer que é outra coisa, senão que ele não balançou o dito e que aquilo é urina pura, nem precisa submeter a exame de laboratório, urina pura!, não invente de cheirar. O mais grave é que seu companheiro não trocará de calça por preguiça ou pela certeza de que ninguém reparou. A impunidade é a higiene masculina.

Ele espera a prova do crime evaporar para seguir com suas atividades. Passará o dia inteiro cheirando a mercado público, sem nenhum pingo de vergonha.

Os mais culpados ainda desenvolvem explicações e se antecipam aos comentários: “Eu me encostei na pia e molhei a calça”, “Espirrou sabonete na hora de lavar as mãos”, “Derrubei café e tentei limpar com um pano”. Os mais intrépidos abusam das fantasias e criam a teoria de que o refil da privada foi posto invertido e jorrou água na descarga. Perdem tempo para mentir, não para corrigir o desleixo.

No banheiro masculino, junto da toalha, deveria ter uma fralda geriátrica. E, por precaução, o talco Johnson.



Crônica publicada no site Vida Breve

20 comentários:

Adriana Godoy disse...

Arrasou! Beijo

La Vanu disse...

Há mais, muito mais coisas que mulher detesta e suporta: peido disfarçado ou explícito, lamber prato quando pensam que ninguém tá vendo, empurrar a comida com a mão por exemplo...

Helen disse...

Ótima crônica!
Mas devo confessar que eu livraria a cara da "camisa florida", até curto hein?!

Samara Costa Silvestre disse...

Impecáveis palavras sobre o pecado, irremediável, masculino.

Pri disse...

Vamos promover a ideia do Jonhson! Amei!!1

TÂNIA CAVALHEIRO disse...

PERFEITO!
Só outra coisa é tão nojenta quanto:
"comer e não usar o guardanapo...

Viva o talco Johnson...2!

Altavolt disse...

Realmente, não é mole o grande número e a imensa variedade de grotesquices que as mulheres têm de aguentar de nós, homens! Sem noção é pouco. Tem macho que se supera sempre na arte de surpreender negativamente! rsrs Abraço.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Demais!

Mas não dá pra usar essa desculpa de "ter se encostado na pia" ou "espirrou sabonete", pq os homens não lavam as mãos depois de usar o banheiro!!!(rs)

Bjs

Jéssica Trabuco disse...

Eu assumo! Somos bem assim mesmo.
"Mulher projeta o futuro no primeiro encontro, o depois vem antes. A realidade disputa corrida com sua idealização. Quando namora já pensa se ele serve para casar. Quando casa já pensa se ele serve para cuidar dos filhos."

Adorei!

Lisandra disse...

nossa que realismo medonho que tu letrou... a pura verdade.

Altamirando Macedo disse...

A diferença do homem que gosta de mulher para o que, realmente, gosta de mulher é que o último lava as mãos antes de ir ao banheiro.

Não adianta balançar o bruto, o último pingo é da cueca.

Letícia Palmeira disse...

Nunca comentei seus textos. Considero intromissão. Mas a insônia chega e decidi ler alguns blogues. E cá estou.

Nunca conheci nenhum homem que usasse sapato branco (A não ser meu tio que era vendedor de carros). Isso não me faria achar que o cara poderia ser bicheiro ou coisa e tal. Eu só pensaria que ele tem um péssimo gosto para calçados.

Um abraço. =)

Adriana Alves disse...

Bela crônica. Parabéns!

Os Olhos de Alice disse...

maravilhoso!!! muito bom mesmo

Ivi Medau disse...

Oque me deixa muito, mas muito p..da vida é que os bonitos, são extremamente atentos no começo a até um certo tempo da relação. Depois caem no desleixo. O mais triste é que acreditam que isso não acaba com um casamento. Pode gritar, ameaçar fazer as malas, quebrar a cozinha. Não adiantará! Pra piorar, somos vistas como mães reclamonas.

Anônimo disse...

Perfeita a sua análise! Em todos os aspectos...

Cecília Sousa disse...

Demais!

Anônimo disse...

Sou macho e seco com papel sempre que possível pela minha companheira. Mas as vezes nem sempre é possível. Quando o último pingo atinge a calça só me resta dar uma coçadinha. A urina mancha e tira a vistosidade do tecido. Fazer o quê?

Anônimo disse...

Na verdade o homem que é macho se sente bem e um orgulho por soltar o último pingo na cueca e na calça. Senão secariam ou colocariam um pedaço de papel na cabeça do p.. Como se o macho tem no seu ego que um tecido vistoso não pode esconder ou ofuscar a cabeça do p.. dele em que a ponta do p.. tem que aparecer. Sentem orgulho quando fica na calça uma mancha amarela na fibra do tecido onde está a cabeça do p.. soltando o último pingo.