Felipe e Valentina brincam sem preocupações no distrito de Árvore Só, batizado por uma figueira secular (reproduzida no livro “História das Terras e Mares do Chuí”, de Péricles Azambuja). Fotos de Genaro Joner
Ele viajou 8 mil quilômetros para estar ali. O aventureiro José Adilson, 27 anos, saiu de bicicleta de sua cidade natal Jacobina, no sertão baiano, pedalou o centro-oeste do Brasil, passou pela porção chilena da Patagônia, atravessou a Argentina e o Uruguai, para estar ali. Inteiramente ali.
Ele escolheu dormir em Árvore Só, um dos seis distritos de Santa Vitória do Palmar, pela beleza imponente e alaranjada do seu crepúsculo.
Colado na BR-471, numa parada de ônibus, armou sua barraca para suspirar pelo declínio do sol no horizonte.
– Valeu a pena todo o chão para testemunhar essa mistura de cores – afirma.
Ele vive na estrada desde junho de 2010 e agora vai explorar o Rio Grande do Sul, começando pelo extremo meridional do Estado e do país.
– Defino o lugar que descansarei pela força do pôr do sol. Na Bahia, há o costume de jantar observando o entardecer.
Árvore Só é a localidade com o nome mais poético do Estado. Seu batismo vem dos espanhóis, da expressão “Árbol solo”, um modo comum de localizar um ponto no pampa pela presença rara de uma árvore.
A árvore em questão era uma figueira secular, que reinava isolada na paisagem e destoava dos matos e descampados da região no final do século 18. Na época, Santa Vitória do Palmar representava uma terra sem dono, chamada de “campos neutrais”, faixa de trégua da disputa territorial entre Portugal e Espanha.
O lugarejo hoje tem 1.415 dos 31 mil moradores do munícipio que fica a 501 quilômetros da Capital. Parte da população trabalha na Fazenda Santa Amélia, cuidando de 3 mil hectares divididos entre plantação de arroz e pecuária. Vinte casas dos funcionários da granja formam um quarteirão. As moradias são gêmeas, de alvenaria, brancas e pequenas, numa rua sem nome.
– Os problemas moram distantes da gente – orgulha-se Maria José Santos Viana, 29 anos.
Suas crianças, Felipe, seis anos, e Valentina, quatro, brincam de bola na rua longe da ameaça de carros. No contraturno da escola, é um universo de eternas férias para os filhos: montar pandorga e arapuca para pássaros, jogar taco e disputar corrida de bicicleta, pescar na lagoa e limpar os peixes na mesa do quintal, tudo feito sob o olhar curioso dos vira-latas.
A infância em Árvore Só é um único dia, de tão parecidos e alegres os dias entre si. O inverno é inverno mesmo, com temperaturas negativas, o verão é verão mesmo, oscilando entre 35ºC e 40ºC. Não há surpresas, muito menos revezes.
– Eu sei o que vou encontrar ao acordar e gosto de encontrar de novo – ri Marlene Resende, 36 anos, que sequer chaveia a porta para dormir.
– O vento sempre venta, não para um minuto, o som faz parte de nossos pensamentos – diz o capataz da fazenda, Leomar Iepsen, 38 anos, responsável pela rotina de 1,5 mil cabeças de gado.
A hipnose é olfativa. Ele acredita que o perfume da Lagoa Mangueira é a grande responsável pela atração da localidade:
– Respiramos o ar limpo e tremente do Oceano Atlântico, já que apenas uma estreita porção de dunas de seis quilômetros separa a lagoa do mar.
Árvore Só fica ainda mais bonita porque seus habitantes a chamam, pela pronúncia rápida e abreviada, de Ave Só. A vontade é planar pelo crepúsculo.
Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 25, 12/03/2011
Porto Alegre, Edição N° 16637
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7 comentários:
Em um lugar assim parece que é possível viver de verdade! Dá vontade...
Oi Carpinejar,
Gostoso seu blog. Se der me visite.
Abraço!
Berzé
Olá Fabricio;
Excelente teu blog! Parabens =]
É realmente de uma beleza ímpar nosso crepúsculo. Dá vontade de estar debaixo da Ave Só porque lá o vento sempre venta! Bjs.
Doído de lindo, pendura em meu rosto um sorriso, faz sonhar com uma infância que já foi comum e hoje é rara, e desejar que as pessoas se contentem em ser para que haja, para sempre, lugares como este, de poesia em estado bruto.
Um lugar que sem conhecer, já deixa saudade! Essa liberdade para curtir o sossêgo todo dia, e com um pôr do sol, chega a ser um luxo no cotidiano urbano...
A viagem pela leitura faz sentir o vento no rosto. Obrigada por um texto tão bom de ler.
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