quarta-feira, 29 de agosto de 2012

PIQUENIQUE NO QUARTO

Arte de Eduardo Nasi
 
Tomo o café da manhã em etapas.

A primeira no quarto, bem apressado, enquanto me arrumo. Com pãozinho fresco e cafezinho preto tirado na hora (nem um minuto a mais na chapa da cafeteira). Em seguida, me encaminho para a cozinha onde como frutas. Por fim, sento na sala, para ler e-mails e mastigar omelete preparada pela minha fiel escudeira Cleonice.

Faço questão de ocupar todos os aposentos com o café da manhã. A louça fica espalhada perto das roupas que não foram sorteadas para meu corpo naquele dia.
 

* * *
 
Tudo termina de pernas para o ar: gavetas abertas, livros espalhados, papéis voando.

Sou mais anárquico do que mulher se vestindo.

Residência com mulher se vestindo não precisa de faxina, mas de reforma. O meu caso é mais grave: necessito trocar de endereço.

* * *
 
A pressa é enamorada da perfeição.

Demoro a realizar o simples. A elegância está em testar combinações estranhas e se odiar no espelho.

Provo dezenas de roupas para voltar a gostar do primeiro conjunto.
 
* * *
 
Vestir-se é um agradável remorso.

* * *
 
A criatividade depende dos lapsos.

Sempre estou alterando o contexto dos objetos. Mudando raízes de lugar. Misturando coisas que não se falavam, como guarda-chuva e violão, azeite e ferro de passar.

Fui puxar hoje a porta do armário e encontrei um pratinho cheio de farelos ao lado da pilha de camisas.

E um copo com espuma de laranja rente aos blusões.

E uma xícara assediando as calças.
 
* * *

 Ri da minha baderna. Como quem compreende que não tem conserto.
 

* * *

 Era uma explicação poética: as roupas comiam em segredo, por isso não me apertavam. As roupas engordavam comigo. Alimentava meus panos para não me sentir fora do peso.


* * *

Também lembrava uma casinha de passarinho, um chamado de floresta. Logo meu guarda-roupa será uma gaiola, com uma ninhada na gaveta das gravatas.

Os passarinhos serão os cabides e levarão as roupas para o Shrek se vestir.

Uma delicadeza abrir o armário do quarto e enxergar um prato com casquinhas e restos de miolo.

O lençol como uma toalha de mesa. A toalha de mesa como um lençol.

Minha casa é um piquenique a céu fechado.

 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

7 comentários:

Anônimo disse...

És de uma sensibilidade profunda, delicada, suave e doce. És um homem . Sim, um homem, na essência e na força.
És um homem para ser amado. Respeitado em suas diferenças e escolhas de vida e de estilo.
Para ser amado. E não usado.E abusado.

Não te deixe abater. Vira o jogo.
Foste usado.


Vejo em ti toda a potência de ser, e de estar vivo.
Não te deixe envolver . Fica longe.

Era a ZH, O Jô, a mídia que ela queria. Não tu.
Só que o tiro dela foi pela culatra, porque ela te descobriu, e agora te ama.
Deixa ela só, e segue.
Tua felicidade contagia e contagiará outras damas !!!!! Acredite.
És forte !!!
Adoro ler você, e eras mais você, antes dela.
Volte a ser Fabrício Carpinejar. Deleta os nomes que ela te acrescentou.
Te cuida !!!!

Unknown disse...

Te cuida querido. Ficamos todos perplexos, arrasados mesmo, mas certos de que somos todos apenas pobres mortais e o amor uma dor conjunta, um punhal...mas não só isso: pode ser flor, estrela, coração, violão...
Seja forte: vai passar, como tudo passa. Um grande abraço! Sou fã.

Renata disse...

Texto perfeito! Adorei!

Daliana olanda disse...

Muito Bom seu texto, como todos aliás ... Naum posso deixar de comentar que estou Mt sentida com o que houve, entretanto como sua fã e admiradora, tudo que vooc fizer daqui pra frente eu te apoiarei e seguirei como sempre fez durante todo esse tempo, depois que conheci vooc e soube da sua grande obra como autor. Fique bem.

Eliane Ratier disse...

Delícia!!!

Blog da família Hull disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Blog da família Hull disse...

Te leio sempre,te assito também e visito seu blog diariamente afim de ler uma nova postagem criativa,inteligente e interessante,mas nunca me senti tentada a comentá-las,mas essa tive vontade..vc é meio "porco" não Carpinejar? rsrsrsr