Arte de R.B. Kitaj
Eu convivia com meus primos até o Natal de 80.
O pai brigou com seus irmãos e deixamos de visitar a casa dos avós e de participar das festas da virada com toda a família.
Foi um desaparecimento sem explicação. Sempre brincava com meus oito primos, paramos de nos ver de repente por imposição e diferenças dos adultos.
Nem desconfio qual o motivo do desentendimento entre os tios e as tias. Sei que sobrou para as crianças, que cresceram separadas e longe do casario amarelo da Corte Real.
Herdamos o desterro. Não tenho nem ideia de como meus cúmplices de sangue e peraltice se encontram e como enfrentaram a maturidade.
Quanta diversão desperdiçada! Quanta algazarra sufocada no pulmão! Quantas vidraças intactas porque não jogamos mais bola na rua!
Perdi meus melhores momentos de férias, que eram roubar pingente do lustre da sala, deslizar de meias, espiar revistas com mulheres seminuas, beber cerveja escondido.
Sumimos da vista e da vizinhança, apartados do contato.
Não quero repetir a tragédia. Mas estou fazendo igual ao meu pai.
Briguei com dois irmãos, Carla e Rodrigo.
Meus filhos Vicente e Mariana raramente falam com seus primos João Pedro, Giovanna e Francisco.
Não proíbo nada, mas não ajudo, o que dá no mesmo. Penalizo as crianças de frequentar os corredores do sobrenome.
O boicote é carregado de desculpas menores, finjo que estou certo, invento razões e me adio em mentiras.
Como estamos de mal, não visito os manos, sequer dividimos espaços em comum. É uma Guerra Fria, na qual o silêncio se bandeou para arrogância.
O tempo vem passando, e já faz dois anos sem aparecer nos aniversários, sem telefonar, sem atualizar o rosto, comemorar os sucessos, amparar as tristezas.
Moramos em Porto Alegre com um fosso interminável de ressentimento entre nossas casas.
Sou um penetra na vida deles, e eles são desconhecidos em minha vida.
Não visitei ainda Francisco, bebê recém-nascido do Rodrigo. Carla me atende, mas seu marido me odeia.
Que falta dos mais velhos nos obrigando as pazes. Hoje é complicado qualquer passo em direção ao riso.
Não pretendo ter mais razão. Prefiro transformar o orgulho em amor.
Peço desculpas aos dois publicamente. Tenho saudade de nossos churrascos, dos abraços gritados, dos conselhos sussurrados, de me emocionar à toa. E de trapacear no jogo de ludo.
Peço desculpas. Eu errei.
Nossa mãe, Maria Elisa, não suporta a gente distante.
– Não desejo morrer com vocês brigados. Não eduquei minha gurizada ao ressentimento.
Por favor, meu presente de Natal é comemorar com vocês. Prometo que empresto minha bicicleta amarela.
Porto Alegre (RS), Edição N° 17280
23 comentários:
Lindo texto! Mágoas não podem ser guardadas nunca, ainda mais da familía.... @kamirodriguess
Simplesmente uma atitude bem nobre e lindaaaa!!!! Quem dera se todos superassem os próprios orgulhos em nome do amor que sempre trará mais felicidades...! Espero um dia o mundo assim!
Bjos!
Bela atitude Fabrício, torço pela sua reconciliação com seus irmãos.
Sei bem como é porque vivo uma situação muito semelhante. Vou me inspirar em suas palavras e tomar atitudes para que tudo possa se acertar.
Abraços,
Bela atitude Fabrício, torço pela sua reconciliação com seus irmãos.
Sei bem como é porque vivo uma situação muito semelhante. Vou me inspirar em suas palavras e tomar atitudes para que tudo possa se acertar.
Abraços,
Que maravilhoso texto a expressar um sentimento tão belo quanto raro: o perdão. Feliz reencontro!
Nobre. Nobre é a palavra. Por tens de fazer a gente chorar? Grande abraço.
Isso é que é presente! Caramba!
Feliz Natal!
Emocionante. Esse é o verdadeiro espírito natalino, o momento de repensarmos nossas vidas, ponderarmos e vermos em que podemos melhorar. Espero que se permitam um belo reencontro!
admirável sua atitude e seu texto, claro. parabens
Passo pelo mesmo problema. Avançar numa conversa com meus pais para que se reconciliem com seus irmnãos parece ofendê-los, e assim, me calo. E o tempo passa. Boa sorte com seu presente de Natal.
www.cadernosurbanos.wordpress.com
Parabéns, Fabrício! Família é importante demais e a vida é muito breve, "um sopro" como disse Niemeyer. Não vale a pena perder o amor de seus irmãos ou privar seus filhos do convívio com os primos por motivo algum.
Fora o desgosto que a inimizade deve causar na sua mãe.
Desejo que o seu texto tenha tocado o coração de seus irmãos e que você tenha um Natal de verdade, com a presença deles.
Sou sua fã!
Abraços
Pra frente é que se caminha!
Chorei!
hahaha, o feminismo é o novo puritanismo, e mata as mulheres.
Fale mesmo das mulheres Fabricio, e se isso é ser machista, o que não parece, o seja, ta faltando machos e machistas hoje em dia.
beijos, vc é lindo
tomara que sejam todos receptivos. parabéns!
Bela atitude,lindo texto! Boa sorte Fabrício!
lindo!
E muitos costumam dizer que essa época serve apenas para se dispor aos serviços do capitalismo. Eu discordo. A época natalina serve para, antes de tudo, fazer renascer o que de melhor há em nós.
Se a época é para gastar? Sim, mas gastar energia e renovar o que há de bom em nós, e nos outros.
Bela atitude, que seja espelho não só para teus filhos, como para teus leitores :).
Um abraço.
Faz uma semana q entro aqui para saber se fizeram as pazes! Nao nos deixe no escuro
peloamordedeus, nos dá um retorno...
posta uma foto da festa de natal com todos juntos.
eu fiquei na aflição da curiosidade e na torcida pela reconciliação!
E aí? Estamos curiosos!
Ah que lindeza! Seu afeto me afetou! Terno abraço.
Ah que lindeza! Seu afeto me afetou! Terno abraço.
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