quarta-feira, 22 de maio de 2013

ASMA É AMOR


Arte de Eduardo Nasi

Viver é susto. Improviso já é um luxo, agradeça, é quando ainda podemos interferir na realidade.

Juliana tinha que acordar mais cedo que o costume. Pretendia estar 8h na agência de publicidade para dar conta de um projeto importante de mídia.

Precisava dormir cedo. Bem cedo.  Programou a rotina com antecedência, preveniu sobressaltos.

Mas sempre que a gente reserva algo importante de manhã, a noite é um inferno. Ou pelo excesso de expectativa ou porque simplesmente não controlamos a vida.

No caso, a vida era eu ao seu lado na cama. Sofri um ataque violento de asma. Fazia mais de dois anos que não tinha asma.

O problema da asma é que ninguém acredita que ela é física. Todos acham que é de fundo emocional.

Todos, na manhã seguinte, já perguntam: — Está preocupado? — Está tenso? — Está sofrendo? — O que foi?

Entende-se asma como uma ameaça psicológica. Na verdade, a asma é uma fragilidade respiratória, que se agrava com um dilema afetivo.

A preocupação é apenas uma faísca no corpo embebido de gasolina.

Tentei sair de mansinho da cama, sufocar a tosse, enganar o enjoo. Não pretendia despertar Juliana. Conservava a urgência de seu trabalho, como sei que a falta de sono é atalho da irritação.

O que esqueci foi o estardalhaço dos balidos do peito. No meu rosto barbudo de lobo, resistia uma ovelha negra perdida.

A asma acordou o prédio inteiro. Tanto que Ilton, o vizinho do andar de baixo, telefonou oferecendo carona ao médico.

Não havia como controlar o estrago. Minha panaceia consistia em dormir e fingir que nada aconteceu. Juliana, óbvio, não aceitava que permanecesse naquele pânico de boca, sem emergência.

A DR da saúde é um estágio obrigatório do casal.

O doente: — Logo passa!

A companhia: — Precisa confiar em mim! Temos que conferir no plantão.

Quinze minutos de prédicas: eu não desejando incomodar (quem deseja não incomodar incomoda o dobro), e ela morta de sono buscando ser terapêutica, não levantar a voz e me convencer que não iria me recuperar sozinho.

É uma arena delicada de papéis. Desde a infância, desde o fingimento da primeira febre.

Varei luas por filhos com dores na garganta e no ouvido, por pais em crise e por amigos em bebedeira.

Não existe amor que não seja condicionado a atravessar a doença da madrugada.

O que acho triste é que o acompanhante merecia um atestado médico. Até mais do que o próprio doente.




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

5 comentários:

Franco de Paula disse...

O cuidado do parceiro amoroso é maior que o próprio cuidado do doente. Amor também é se peocupar com o outro. Pode estar tudo bem, mas para o apaixonado qualquer coisa que esteja diferente é motivo para preocupação.

Parabéns, ótimo texto!

Franco.

Anônimo disse...

Carpinejar...gosto de todos, todos seus textos,mas o QUASE PERFEITO é perfeito !!! Sei que a inspiração, a situação, o momento é que faz a escrita...mas...gostaria muito de ler mais textos deste gênero. ABRAÇOS.

Anônimo disse...

Estive no lançamento do seu livro em Belo Horizonte. Estou sob efeito das suas palavras ate hoje!
Parabéns grande Carpinejar!

Otimo texto.

Abraços.

Ana Paula

Natália Abreu disse...

Eu ando simplesmente apaixonada pela sua escrita. Pode até ser que haja por aí (sempre há, não é?) quem não aprecie, mas o teu talento é inquestionável.
Eu mesma escrevo algumas coisas vez ou outra, mas quando leio você e alguns outros autores que gosto tanto, sinto-me até boba... quem sabe um dia não atinjo essa maturidade?! (:

Tudo de melhor pra você, Capinejar.

Menina Marota disse...

Como entendo estas noites... afinal a minha companhia está doente há doze anos com... esclerose múltipla e... não é fácil!