Arte de John Everett Millais
Não tenha medo de quem é ciumento, mas de quem é possessivo.
O ciúme não é nocivo, é um sentimento sadio e normal para revelar os limites da aceitação e da dependência. Moderado, transmite inclusive uma sensação charmosa de cuidado e de proteção. No início do relacionamento, revela paixão e comprometimento.
Ciúme é uma insegurança passageira, uma carência pontual. Costuma ser mais uma dúvida do que uma desconfiança.
O problema é a possessividade, que impõe conclusões e não questiona, sempre incontrolável e insaciável.
A possessividade é o ápice do machismo, escraviza e anula personalidades.
Com a fachada da adoração, o sujeito cria uma prisão emocional. Não permite que a mulher viva nada além do que é concedido dentro da relação. Seus elogios são mesadas. Suas gentilezas são oportunistas. Seu cerco é castrador.
O que ele busca é enfraquecer sua companhia de tal maneira que ela não apresente mais individualidade e forças para se opor. Sua tática é cansá-la perguntando e exigindo explicações para qualquer coisa. Disposta a não se incomodar e evitar os conflitos, ela vai dizendo sim e apagando as diferenças.
É como ter um pai patrão, não um marido. É como ter um chefe, não um cúmplice. É como ter um dono, não um parceiro.
A possessividade não é brincadeira, não é engraçada, não é bem-vinda.
O possessivo será rude com seus amigos e familiares, será grosseiro com seu círculo de convivência, armará barracos e escândalos nos momentos de suas maiores alegrias, sob o pretexto de sinceridade e transparência e que precisa dizer o que vem sentindo.
Sem se dar conta, estará pedindo autorização para se vestir, para sair, para falar, para se comportar, para se divertir. Tudo o que fizer dependerá de relatórios minuciosos e narrativas detalhadas, e nada agradará para garantir a confiança e a liberdade.
Um cafetão seria mais discreto e generoso.
Terá seu Facebook administrado pelo marido, seu celular monitorado pelo marido, seus gastos checados pelo marido. O controle começará com o tamanho e o perfil das roupas, depois avançará para as fotos nas redes sociais, prosseguirá nas amizades (seus conhecido dependem de aprovação à semelhança de linha de crédito) e, por último, desembocará na utilização das palavras em mensagens.
A possessividade é a ameaça de bomba dentro de sua casa. Pode evacuar o coração. Não costuma ser trote.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
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