Arte de James Gleeson
Não sei o que é mais perturbador: aquele que se sente incomodado e discute a todo momento ou o que atravessa a tempestade verbal sem nenhuma alteração de humor.
Já fui os dois, mas ainda arco com a indecisão sobre qual tipo ajuda mais o amor. Não tenho a resposta, até porque resposta nem sempre é solução.
Qual o perfil mais agradável: o que debate sem parar ou aquele que não debate nunca? O que chora nos primeiros minutos de distância ou o que não chora jamais? O que se desespera nas divergências ou quem vira as costas, bate a porta e foge de qualquer conversa séria? O que se mostra muito interessado em tudo o que se vive dentro do casamento, corrige os problemas na hora, sofre horrores para se fazer entender ou o que despreza os aborrecimento diários, não alimenta a fogueira das palavras e larga discussões com a confiança intacta, como se nada tivesse acontecido?
Não venha concluir que é o meio-termo, o meio-termo não é uma realidade amorosa.
Gostaria de entender qual dos extremos tem mais sucesso na resolução dos conflitos. Sobram pontos positivos e negativos para ambas as partes.
O primeiro ama escandalosamente, sofre com as oscilações do cotidiano, só que também não deixa os desentendimentos naturais esfriarem. Pode gerar rupturas pelo cansaço.
O segundo facilita a mudança de estado de espírito, só que parece gélido e imperturbável, subestima as dificuldades da companhia e corre o risco de criar um perigoso distanciamento na relação.
O primeiro tem a virtude da sinceridade, porém estraga a noite com sua ansiedade. Briga e não consegue realizar coisa alguma até firmar as pazes. Não dorme, não come, mergulha no mal-estar profundo. Apresenta beiço, raiva, contrariedade e vai se aquietar apenas com carinhos, abraços redentores e pedidos espalhafatosos de desculpa. É sincero, porém passional.
O segundo tem uma leveza maravilhosa e também irritante. Recém quebraram os pratos e conversa com absoluta desmemória, como se estivesse acordando naquele momento. Ao mesmo tempo em que evita dramas desnecessários, também não permite a intimidade da raiva e da catarse. A sensação é de que os gritos e as discordâncias entraram por um ouvido e saíram pelo outro. Você está inchada do choro e ele já está vendo sua série predileta e rindo loucamente.
É uma dúvida insaciável, a mesma que atinge nossa reação diante do ciúme: se preferimos estar acompanhados do preocupado que não oferece um minuto de trégua ou de um indiferente, que nem nos olha?
Cada vez mais reconheço que no amor não existe o melhor, mas o menos pior.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 20/7/2014 Edição N° 17865
4 comentários:
Bacana o texto, e realmente, não se pode dizer qual o melhor, só sei que passei por tudo isso e agora só preciso de um oásis do amor, cansei que procurar soluções sozinha, enquanto o outro não tá nem ai.O egoismo nas relações é obvio e isso é comodismo, virou lugar comum, o que há em lugar do amor é concorrência, quem manda mais, quem vai marcar o território.Falta a cumplicidade. Só quero hoje um doce amor e não um poço de virtudes ou de egocentrismo. um abraço katia
No relacionamento anterior, fui o primeiro caso. Quebrei CDs, atirei o celular no chão diversas vezes, discuti, gritei, exigi desculpas até por escrito. Resultado: os dois esgotaram. E eu fui a abandonada pelo caminho.
No relacionamento atual, que ainda está no início, estou tentando ser o segundo caso e embora já tenha escutado que sou fria, posso dizer que o relacionamento está bem mais saudável e que ando com paz de espírito.
Adorei!!!
Sou a primeira... insuportável, por muito tempo o segundo!!! A relação morre!
Você é o "pai do pai"?
Imagino que sim... sou sua fã, mas não me lembro direito seu primeiro nome...(??)
Lindíssima o "Pai do Pai" (desculpe-me, também não me recordo direito seu nome correto).
Feliz de quem pôde ser pai e/ou mãe de seus pais, eu o fui. E foi muito especial ler o que você conseguiu expressar. Muitíssimo obrigada!!! Eu e mais um tanto de gente, adorou!!!
Eu e mais um tanto de gente, adoramos!
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