segunda-feira, 25 de março de 2019

CARTA AOS MEUS FILHOS ADOLESCENTES

Nossa relação mudará, não se assustem, continuo amando absurdamente cada um de vocês. Estarei sempre de plantão, para o que der e vier. Do mesmo jeito, com a mesma vontade de ajudar.

É uma fase necessária: uma aparência de indiferença recairá em nossos laços, uma casca de tédio grudará em nossos olhares.

Mas não durará a vida inteira, posso garantir.

Nossa comunicação não será tão fácil como antes. A adolescência altera a percepção dos pais; virei o chato.

Perdi o favoritismo, não adianta surgir quicando uma bola e convidá-los para jogar - não verão graça nenhuma. A bola só trará preguiça. Seguirão com as suas conversas no celular e seus afazeres. Levarei várias negativas em meus convites para piscina, cinema, teatro e jantares.

Prometo não levar para o lado pessoal, não ficarei ofendido por ser posto em segundo plano.

Eu me preparei para a desimportância, guardei estoque de cartõezinhos e cartas de vocês pequenos, colecionei na memória as declarações de “eu te amo” da última década, ciente de que não ouvirei nenhuma jura por um longo tempo.

A rotina será mais árida, mais constrangedora, mais lacônica. É um período de estranheza, porém essencial e corajoso. Todos experimentam isso, em qualquer família, não tem como adiar ou fugir.

Serei obrigado agora a bater no quarto de vocês e aguardar uma licença. Existe uma casa chaveada no interior de nossa casa. Não desfruto de chave, senha, passaporte. Não posso aparecer abrindo a porta de repente. A educação aumentará a minha ansiedade, desesperará a minha saudade. Às vezes mandarei um WhatsApp apenas para saber onde estão, mesmo quando estiverem dentro do apartamento. Passarei essa vergonha.

Perguntarei como estão e ganharei monossílabos de presente. Talvez um ok. Talvez a sorte de um tudo bem. As confissões não acontecerão espontaneamente.

Nem tenho como arrumar a bagunça da escrivaninha e as roupas pelo chão. Irei me conter para não mexer em nada. Que difícil ser pai e não interferir. É uma profunda reeducação, doloroso aprendizado.

Não há mais como aparecer mandando, tudo o que eu falar receberá uma resposta irônica, e exigirá uma explicação de minha parte.

Durante a infância, vocês aceitavam qualquer parada. Eu é que me mostrava o difícil, o ocupado pelo trabalho. Puxavam a manga de minha camisa para largar o computador e cumprir as promessas. A situação se inverteu. Hoje sou o mendigo pela atenção de vocês.

Não haverá alegria para passear comigo pela rua. O sol é capaz de aborrecê-los. O prato do almoço vai esfriar na mesa - óbvio que me avisarão que querem dormir e comer mais tarde, de preferência sozinhos.

“Me deixe em paz” despontará como refrão diante de qualquer cobrança.

Precisarei ser mais persuasivo. Nem alcanço alguma ideia de como, para mim também é uma experiência nova, tampouco sei agir. Os namoros e os amigos assumirão as suas prioridades.

Verei vocês somente saindo ou chegando, desprovido de convergência para um abraço demorado.

Serei o velho de vocês. As minhas piadas serão velhas. O meu vocabulário será velho. As minhas implicâncias serão velhas. As minhas ordens serão velhas. Os meus programas serão de velho.

Já não me acharão um máximo, já não sou grande coisa. Perceberam os meus pontos fracos, decoraram os meus defeitos, não acreditam mais em minhas histórias, não sou a única versão de vocês. Qualquer informação que digo, vão checar no Google.

Mas vamos sobreviver: o meu amor é imenso para resistir ao teste da diferença de idade e de geração. Espero vocês do outro lado da ternura, quando tiverem a minha idade.

Publicado em O Globo em 25/6/2018

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