Hoje o interfone toca e todos de casa já perguntam: quem deve estar incomodando a essa hora? Não importa o turno, o barulho intermitente é um dos menos desejados pela família.
Qualquer visita soa como perturbação da ordem doméstica. O imprevisto surge como sinônimo de problema. As pessoas se fazem de surdas para não sair do conforto de seus afazeres e cantinhos. Atender ao interfone é se responsabilizar pelo trabalho de descer. Ninguém quer assumir o compromisso.
Não sei em qual momento de nossa vida as visitas passaram a ser malquistas, mas isso significa o quanto reduzimos a nossa capacidade de acolhimento. Somos avarentos com o nosso tempo. Não nos permitimos distrações generosas.
A residência se transformou num bunker de isolamento, um espaço fóbico, uma extensão do escritório, onde não se pode sacrificar o andamento das demandas planejadas e dos objetivos a se cumprir.
Quando exatamente que passamos a odiar as visitas, a nos afastar do ato de receber quem gostamos? Até os amigos são penetras de nossa felicidade.
Talvez seja uma decorrência do uso crescente do celular, poder ligar a qualquer instante serviu também para restringir a convivência.
Os encontros com os nossos confidentes são monitorados, agendados, como se estivéssemos confinados em uma cela.
Na minha infância, no fim dos anos 70, não funcionava assim, com essa monstruosa indiferença.
Não existia nem campainha. Tínhamos que bater palmas no portão e gritar o nome do morador: Ó Ó Ó Fulano.
Feliz desse tempo em que casas eram aplaudidas. Realizávamos uma serenata à capela. Os latidos dos cachorros nos ajudavam a sermos vistos. Aparecíamos sem avisar, sem ter a certeza se haveria gente para nos receber. Não praguejávamos a viagem perdida, não se reclamava das tentativas. Às vezes batíamos com a cara na porta, nem por isso nos sentíamos ofendidos e maltratados. Sempre explicávamos com modéstia: “estava por perto”.
Mas nada apagava a emoção quando alguém nos localizava na janela e nos convidava a entrar, com sincero interesse.
E nos agradecia a surpresa, realmente feliz.
E nos convidava a almoçar ou a jantar, não por mera educação, e sim com uma leveza indescritível, pondo mais um prato na mesa e as conversas em dia.
Não inventávamos desculpas para os amigos. Mentíamos menos.
Publicado em Jornal Zero Hora em 19/6/2018
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