Talvez mais triste que desamar é perder a confiança dentro da relação, situação que acaba levando o amor embora de qualquer jeito.
Só que a agonia de amar e não confiar no outro é interminável no tempo emocional. São os momentos mais angustiantes da vida a dois: dormir ao lado de um estranho íntimo, não prevendo para onde ele vai quando sonha; duvidar dos longos silêncios (o que será que pensa quando olha para longe?); conversar com o pé atrás, com medo de ser enganado e ser surpreendido de novo por uma mentira; suspeitar quando ele surge alegre demais ou triste demais; ter a respiração alterada pela troca de horários e atrasos.
Não se recomenda a experiência, é despertar em constante sobressalto.
Quando a confiança desaparece, não há nem vontade de repartir as confissões. O encanto quebra-se junto. Você começa a se proteger, não pretende dar informações privilegiadas a um possível inimigo. Cala-se, evita o olhar, retrai a sua libido. Esconde os diálogos do WhatsApp, atende o telefone longe. Torna-se forçosamente desonesto.
Não existe nem mais o melhor da relação, muito menos o pior, unicamente o morno. O morno do pântano. O morno da areia movediça dentro da ampulheta.
O brilho some das paredes. Do porta-retratos. Das telas da televisão e do computador. Da pele. Dos cumprimentos.
Os copos nunca mais estarão inteiramente secos, a porcelana nunca mais estará suficientemente limpa, as roupas nunca mais estarão confortáveis.
Resta uma umidade da mágoa por tudo.
O cotidiano emperra, o simples se transforma em engrenagem cerebral difícil. O beijo é um selo, o abraço tem agora o muro das mãos no peito, as refeições revelam a exclusividade do som dos talheres nos pratos.
Com a confiança finda, ficam as perguntas do Big Bang amoroso: com quem fui namorar? Com quem fui casar?
Domina apenas a solitária memória recente dos acontecimentos. O descrédito provoca a descrença. Não acredita acreditando.
Não encontrará modo de avançar, relevar e não pensar mais no assunto ou de recuar e regressar para antes da deslealdade. Ambos pararam de viver e residem numa lembrança traumática.
O súbito desconhecimento da nossa companhia traz inédita repulsa, sente nojo do toque dela, da escova de dente dela, da gilete dela, dos objetos e das emoções dela, nojo de se sentir usado.
O amor é chaveado no quarto, sem ar, sem comida, sem paz, sem esperança, enterrado vivo.
Crônica publicada em 22/3/2018
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