Complicado testemunhar um homem trocando de roupa, indeciso com suas opções, dando meia-volta no quarto, suplicando “só um minutinho, amor”. Ele escolhe um conjunto de cara e não se arrepende. Voltará somente sob pressão popular ou por problemas técnicos, se realmente alguma peça não serve, a camisa está manchada, caiu um botão ou a calça arrebentou a braguilha.
Não há nenhum dano neste comportamento. Revela sua vontade imperiosa de não ser cobrado pela aparência. Põe o desleixo na conta da pressa.
O que tem sérias consequências no comportamento masculino é o descaso com as cuecas. Já é piada que homem somente compra quando tem uma amante.
Mas a calamidade temperamental não está em comprar ou não, mas em nunca jogar fora. Olhe a gaveta do seu namorado ou marido, é natural encontrar cueca de quando ele tinha oito anos. Um pouco mais e acharia fraldas. Seu parceiro confia na desintegração do tecido, no Triângulo das Bermudas, na sucção dos objetos pelos gnomos.
Tanto que é um elogio chamar de gaveta a própria gaveta, refere-se a um museu de pano. Uma caixinha de cueiros, com espécimes descoloridas, puídas, esgarçadas, autênticos sudários da sexualidade. Nem precisa perguntar sobre seu passado, ele está intacto no armário. O marmanjo joga ali e esquece. Não se despede de nenhuma intimidade, sempre abandona.
Não propõe uma faxina ou uma limpa, não reconhece a cueca como vestimenta, é uma fatalidade. Seu desejo é voltar a ser Adão com folhas de parreira. Não toma esta atitude primitiva porque a planta revelaria o tamanho do seu documento.
Ele sequer dobra o tecido, como a mulher empreende sutilmente com a calcinha. Não busca o capricho da coleção. Não estende ao artigo o refinamento do mulherio com a peça de cima. Uma cueca é amassada, enfiada de qualquer jeito. Já o sutiã dorme de conchinha com as duas alças encaixadas.
Homem nem supõe o preço, não guarda nota, não reclama do valor. É o raro produto que não pechincha. Compra em saquinhos de cinco ou seis, para se livrar da tarefa. Arrebata o varal inteiro numa promoção. Não analisa a costura, não se submeterá a experimentar em loja. Nenhum macho testa cueca em provador, é quase um rebaixamento moral. Compra em segundos para pensar no assunto seis meses depois, evidente que nunca por iniciativa própria, mas para se defender das críticas. Mulher já renova a lingerie e, simultaneamente, lança as antigas no lixo, curada do dó e da piedade.
Tamanha sua indiferença, o homem somente descobre a cueca que vestiu no final do dia ou no momento de transar. No baú de inutilidades, se as menos gastas estão lavando, o varão toma a primeira da fileira de cima. Não confere os modelitos, apanha o tecido pela cor. Ele nunca estranhará o sumiço de uma, pois sequer registrou sua chegada. Algo inadmissível para a ala feminina, que prefere sair sem nada a contrair juros da deselegância.
O hábito pode resumir um desprezo, uma avareza emocional ou uma dependência materna. Que as patroas nos perdoem, a cueca é nossa única humildade.
Crônica publicada no site Vida Breve
30 comentários:
É provável que tenhamos outras humildades, algumas talvez inconfessaveis, mas esta nos resume bem.
E pode-se, quem sabe, dizer que nas cuecas igualam-se desde o varredor de rua até o corrupto do alto escalão.
Ótimo! Minha gaveta é parecida, exceto pela aplicação das minhas neuroses peculiares (existe organização).
De fato, a virgindade neste caso é inegociável! RT @CARPINEJAR Nenhum macho testa cueca em provador, é um rebaixamento moral.
Segundo dizem os estudiosos, Einsten comprava roupas e sapatos iguais para não perder tempo com a escolha. Por imposição social (isto significa esposa), há que se ter roupas no armário em cores e tons diferentes que vestimos geralmente não combinando. Sapato marrom com calça preta por exemplo. Afinal, estavam "na fila de cima".
Mas cueca é nosso grito de lbertação sim: todas pretas, da mesma marca, do mesmo modelo (escolhida conforme o aconchego que proporciona ao "parque de diversões"). Fácil e prático.
Mais um ótimo texto.
Um tanto feminista esse pensamento, mas de fundamentos relevantes.
Há dois anos que não uso os andrajos de baixo. Era dura a decisão: renovar as cuecas e por a correr as velhas ou não usá-las mais. Até hoje não faz falta!
Ademais, as velhas cuecinhas estão lá, na gaveta do armário como verdadeiras relíquias da minha sexualidade.
Bom, aqui em casa eu pego as roupas pra ele de manhã, e acho que não é bem questão só da esposa querer que ele vista tudo combinando, afinal na rua, nas empresas ele tem que estar apresentável, se estiver amassado, todo colorido, eu é que serei a relaxada. E quanto a cueca, não acho excitante o cara com a cueca toda molenga, caindo meia bunda ou com furos, então compro, descarto e ficamos felizes, a única exigência dele é que seja de algodão e deixe meu brinquedo confortável. @Lisstan.
Eu, particularmente, adoro a liberdade de uma cueca, mas confesso que tenho cuidado com as minhas, embora não tenha muitas e as use às vezes só para dormir. Cuido mesmo das minhas calcinhas...
Já ouvi falar que homens "desanimam" com langerie feminina da cor bege. (É verdade?)
Mas aquela cueca velha, gasta, relaxada, tbm desanima.
Dependendo da tpm pode ser um insulto.
É compreensível. A salvação pode ser incluir cuecas na lista de presente do namorado.
Cuecas é um caso sério mesmo, certa vez, vi um cara vestido com uma cueca amarelo ouro, aquilo piscava no meu olho com uma velocidade impressionante. Fechei os olhos, retirei rapidamente aquilo de minha visão, mas isso porque eu já conhecia o 'recheio' senão...um abraço, aff!
beijo Fabro!
Poxa Fabro, aí tu se entrega: "porque revelaria o tamanho do documento"???? Tudo bem, se vc quer que todo mundo saiba né?
Puta verdade! OU verdade dos putos. =)
Melhor ainda qdo o tocador aleatório seleciona WAS I? da Madeleine Peyroux pra acompanhar suas palavras!
Adoro passar por aqui.
Genial, Carpinejar! Me identifiquei muito e sequer conseguiria responder agora a cor da cueca que estou usando! hahahaha
Abraços
Vinícius Antunes
nenhum problema se vc casou com uma amélia como eu que compra as cuecas, separa por cor e alinha na gaveta de modo a que ele pegue a de cima, enquanto eu ponho as limpas por baixo, de modo a permitir um revezamento.
Compulsão?
Quem, eu???
Considerando que um dia fui gordo e que guardo uma cueca dos velhos tempos que mais parecem um lençol, julgo que sua teoria está mais do que correta!
Caro Fabro,
seu post fez lembrar-me que, com urgência, tenho de dar cabo de duas velhas ceroulas curtas que utilizo com frequência.
Faz, aproximadamente, um ano que repito para o meu juízo insano: “É hoje...!”; “Vai ser hoje...!”. Mas não acontece nada. Depois de usadas, lavadas, secas e passadas elas voltam boazinhas para dentro do armário qual duas ceroulinhas pródigas.
É... Penso que nem Freud explica este meu caso com as tais cuequinhas. Chego à conclusão de que é possível amar de forma muito semelhante dois seres (ou teologicamente servir a dois senhores), pois só me falta o jeito, se possível, de trajá-las de modo concomitante.
E para não dizer que minhas cúmplices são, na realidade, as verdadeiras donas das partes que, em mim, prezo tanto, digo que elas sabem que estão com a faca e o queijo nas mãos - pois, em texto de poeta, cueca tem mão.
Caro Fabrício, sabe o que outro dia uma delas teve a desfaçatez de fazer? Estava eu, belo e formoso, ministrando uma aula de termodinâmica metalúrgica, no Ifes, quando de repente, não mais do que de repente, comecei a sentir algo estranho a descer molemente - poder-se-ia dizer, até, enternecidamente - sobre as minhas nádegas... Sim, a cada passo dado, a bichinha descia um bocado... Até o ponto em que tive a plena certeza filosófica de balbuciar para mim, com muita coragem, um verso fundamental: “Mal pago e fodido, continuo... igual!”.
Portanto, caro Carpinejar, hoje ao chegar em casa abrirei as janelas da existência... E defenestrarei, tristemente, duas velhas cuecas companheiras.
Fiquei preocupado, não sabia que eu tinha amante!
Vai ver que é por isso que minha c/c está sempre no vermelho.
kkkkkkkkkkkkkkkkkk
ri alto
humildade masculina, quando bem conservada, dura para sempre...
belo texto, camarada
Deixando as cuecas de lado, adorei o lirismo dos bojos do sutiã dormindo de conchinha. É desta forma que guardo os meus e nunca tinha percebido quão romantica pode ser a relação entre eles... e eu interferindo neste relacionamento, separando os amantes para que sustentem o que a gravidade teima em empurrar...
é Tati, não tinha pensado desta forma antes...
concordo com vc... eu, sempre buscando um romantismo, separando todas as manhãs um dos meus casais de bojo. rss
Silvia
Brilhante, brilhante.
E confesso: adoro uma cuequinha velha, de preferência azul desbotada.
Uma amiga na véspera do casamento teve uma super briga com o noivo porque ele não havia comprado a "cueca do dia". O pobre foi rapidinho pro shopping resolver isso pois sabia que corria o risco de ser largado no altar. Sério.
Beijo,
Cléo
"Já o sutiã dorme de conchinha com as duas alças encaixadas." É exatamente assim! rsrs... Ai, ai, você é demais! =)
Ótimo texto como sempre.
Concordo com algumas coisas. Acredito que os homens de hoje já se cuidam mais com as cuecas, mas guardar cuecas velhas? ah não dá, para mim cada uma delas tem seu ciclo com o pinto (O MORADOR) acabou, passou, que venha uma nova.
Quanto as gavetas, concordo que nunca está arrumada mesmo, mas nem precisa, ali só vão ter cuecas pretas ou brancas, e do mesmo modelo, que , claro deixem o "bichano" bem confortável...rss
Quanto ao "sem cuecas" só com folhas...hahahahaha...seria engraçado, pois tem muito marmanjo que jura que usaria uma folha de bananeira e aí teria que usar uma de hortelã.
Mas as mulheres sairiam em vantagem, pois não cairiam mais no conto do "bem dotado".
EXPERIMENTAR CUECAS???? NUNCA, EU SEI O "MEU TAMANHO".
Lembro do comentário que um amigo me fez: "Calcinha cinza ou bege é a coisa mais brochante do mundo". Nesse dia, fiquei corada e sem jeito, pois quase todas as minhas são cinzas, beges e brancas. Nunca entendi muito essa coisa de mulher de escolher lingerie como se fosse um vestido de festa. Até sair de casa, minha mãe que comprava as minhas. Nesse aspecto, pareço um homem mesmo.
Hoje em dia, saio com o meu marido para comprar. Desta forma, ninguém pode reclamar de ninguém. Quando um reparo que as do outro estão ficando velhas, desbotadas e puxando fio, já marca o dia da grande feira.
Agora só falta ensinar ao meu homem que meia e cueca só se usam uma vez. Alguma sugestão? =)
E alguns ainda acreditam que quanto maior o descuido com a cueca, maior a marca da sua masculinidade...rsr...fazer o que!
Fico feliz ao encontrar um texto tão verídico e profundo vindo de um ser do sexo masculino!Faz tempo alerto meus amigos sobre os riscos do descuido com a peça íntima, cueca!Furadas puídas, desformes, manchadas, beges...arg!!!Um nojo!Ainda mais se o sujeito se acha no direito de desfilar em mulambos com um par de meias nas mesmas condições!!!BROCHANTE!!!Cuidado!Existem as exceções, "traidores", que experimentam, compram e usam a bonita e charmosa "cueca box" e afins!
Bom texto,só cometeu um pequeno deslize: Loja alguma permite que se experimente a cueca antes de comprar,pois não não há possibilidade de troca depois que sua genitália se acomodou dentro da peça.
Seria o mesmo que se testasse a escova de dentes antes de comprar,o cliente tem que saber que cueca serve em seu corpo se quiser levar.
Eu tenho a solução para aqueles que não querem se preocupar com sua cueca www.cuecaemcasa.com.br
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