Não há corpo fechado. Qualquer macho será bagaceiro por um motivo, ao palitar os dentes, ao arrotar alto ou ao cuspir na rua.
Meu desleixo monstruoso é manter uma carteira cheia no bolso de trás. Lembro uma saúva. Como se houvesse um rolo de meia amontoando o jeans.
Hábito que partiu da infância, onde colecionava os cartões de crédito vencidos da mãe e brincava de falência com os irmãos. Guardo a mínima coisa que recebo: tíquetes, carnês, recibos, guardanapos de amores platônicos.
Careço de conhecimentos praianos para desaparecer com o dinheiro nas pernas e mergulhar no mar. Se morasse no litoral, não estaria escrevendo. No Rio de Janeiro, vejo banhistas sempre pagando os biscoitos Globo sem retirar a bufunfa de nenhum acessório. Ou lá é a cidade do fiado ou a sunga é uma niqueleira.
De todos os modos de proteger os documentos, o que me incomoda é a capanga. Aquela carteira larga com uma cordinha de rádio de pilha. É meu pai andando na Riachuelo nos anos 70. Combina com calças boca de sino, correntes no pescoço e cabelo de cesta de basquete.
Repare na coragem do seu dono; é uma bolsa atrofiada, uma bolsa escrotal doente.
Quem carrega a capanga não tem grana, muito menos graça. Nem tente assaltar. É tamanha cafonice que destrói a reputação do bandido. Ele pode ser ladrão, mas é sério, tem família a zelar.
A capanga parece uma cápsula ejetada da nave-mãe. A cordinha é o ó do borogodó. Eu enforco a fé na humanidade em seu terço desdentado. Melhor enlaçar o pulso com as fitas do Bonfim, que são coloridas e puxam o trio elétrico dos anéis.
Ainda mais danosa do que ela, somente a pochete. Não existe justificativa nem num pampa safári. É filha de uma relação proibida do alforje e da trouxa no Nordeste.
Forma a dupla de coleiras masculinas com a capanga, sua irmã caçula. Atesta que o homem é masoquista e desfruta do prazer de ser chefiado. Com certeza, ele lava a louça em casa todo o dia e leva o lixo antes das 19 horas.
A pochete evoca um boi sendo puxado, é uma sela que vem com rédea. Aniquila com a virilidade braçal, mesmo que destinada a servir as crianças no passeio ao parque. É um autorama na cintura. Serve como almofada para a barriga. Imperdoável quando usada como cinto.
O desastre aumenta porque a ala masculina julga exibir sua praticidade. Alega que é possível carregar tudo. Tudo, menos a elegância. Oferece a visão de um boxeador fracassado, com seu cinturão de nylon.
Pois o que me transtornou numa manhã de março foi encontrar o professor Cláudio Moreno em minha rua. Eram oito horas da manhã, a luz não havia aberto seus camelôs, Paulo Coelho dormia nos Montes Pirineus.
Moreno é um sinônimo de altivez vocabular e de português escorreito. Não vai errar a concordância sequer num palavrão. Duvido que fale um, por sinal. Ele descia a ladeira com a mulher Ana e seu cachorro branco. Até suas sobrancelhas estavam penteadas.
Maldito momento em que ele surgiu de foto inteira. Eu vi, eu vi uma pochete preta, exuberante, em sua cintura.
— Pô, professor, de pochete?
— Qual é o trauma?
— Você fica a mais inofensiva das criaturas. Não conheço deus grego que andasse de pochete.
— Está me estranhando?
— Só falta dizer que Afrodite e a Ana adoram.
Não respondeu, abriu fragorosamente o zíper e tirou uma faca imensa. Transformou-se em Ares, deus da guerra, ou Hades, deus da morte. Não me lembrava com exatidão de suas aulas.
— Nossa, professor, obrigado, tem colaborado para a segurança do bairro.
A conversa terminou naquele impasse, caminhei lentamente para casa. Muito cedo para correr no fio da navalha.
Proíbo, portanto, a pochete para todos, menos para Cláudio Moreno.
Crônica publicada no site Vida Breve
12 comentários:
Haha, assumo, já usei pochete... ¬¬
Quem somos nós para discordar do Moreno? hahahahah
1 beijo.
Pochete é um dos lemtnos que consegue ser odiado quase que com unanimidade.
Pochete é 'bokomoco' é confissão de idade e como dizem os adolescentes: é a treva.
Fiquei imaginando tua carteira e o sobrepeso no lado B. Sempre que vejo alguém com capanga eu até disfarço, mas não contenho o riso.
abraço
Caro Fabro, este é um protesto de um réptil fóssil.
Sou professor do programa de pós-graduação "stricto sensu" em engenharia metalúrgica do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo), em minhas aulas, além de uma POCHETE MARROM, uso camiseta, bermudão e sandálias franciscanas...
Quando digo que sou poeta, a “engenheirada” das usinas siderúrgicas locais, toda uniformizada e triste, com seus 25 a 40 anos, faz uma desafiadora cara incrédula... Porém, depois de 4 meses, 2 provas e 1 seminário, os tenho - menos tristinhos e mais sabichões - na palma da pata.
Ainda bem que meu marido aposentou a pochete! rsrs...
Você tem cada uma Fabricio, fico babando quando leio você.
Bjos, sou sua fã.
Adorei Fabrício o post, lembrei do meu pai e a sua pochete, que ele tanto ama! hahá, que latinha texto.
Cíntia Florence.
meu pai usava capanga. foi onde vi pela 1a. vez uma camisinha lá por 76, ao procurar por uma nota de 10 dinheiros. quase morro quando meu irmão aparece de pochete para irmos ao jogo do Inter - ele justifica que só assim carrega a carteira, o radinho de pilhas, o marlborão e o isqueiro, é de doer. mas o Moreno ser homem de faca na pochete ganhou o dia! Poderia até imaginar uma pistola, mas uma faca... hahahaha muito bom!
Pochete lembra meu avô Miguel, com tal acessório sempre cheio para satisfazer as vontades exageradas dos netos. Era sempre muito dinheiro e lembro que ele, em sua inocência quase infantil, carregava grandes quantias até para um adulto normal. Ele não era normal porque era avô, era criança conosco e, apesar desta tua crônica não fazer referências assim, emocionais, acabei por relembrar coisas boas e lindas da infância e da vida.
Obrigado por isso, Fabrício.
Obrigado por muitas outras coisas mais que, sem saber, você fez. É muito bom poder te ler anonimamente como sempre fiz, encontrar suavidade em alguns textos e me clarear em outros. Saio do anonimato escrevendo demais hoje, envergonhada mas ainda assim, agradecendo e abraçando com palavras.
Um sorriso,
Nina Antunes
Putz! Pochete é realmente de f...! Alguns disfarçam e usam-na pro lado ou pra trás, há os que nem disfarçam, usam por considerem um acessório másculo.
Gosto muito daquela bem tradicional preta em couro sintético, que conforme o sujeito anda ouve-se o chocalhar das moedas no ritmo dos passos. rsrs Mas estes cidadãos não estão preocupados com a leveza da elegância, MACHO QUE É MACHO prefere o peso das moedas...
Quanto às cidadãs... Sou adepto da máxima que diz que pochete é crachá de sapatão. Por favor gurias! Usem uma bolsinha do Fórum Social Mundial mas não usem pochete!
Arrasou como sempre Fabrício!
Eu não entendo a pochete, mas também não dou conta de entender os homens com suas carteiras nos bolsos, como se elas pudessem carregar tudo...meu Deus,minha bolsa às vezes parece não bastar...rsrsr
Abraços
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