sexta-feira, 5 de março de 2010

REZE PARA SER PERDOADO

Arte de Georg Baselitz


Eu não chamaria uma mulher de exótica.

É bonito, sugestivo, mas considero arriscado pronunciar para uma beldade que sua beleza é exótica. Dependerá do alzheimer ou de muita intimidade para ser esquecido.

Ainda que não seja ofensivo, ela vai sentir que é mais estranha do que bonita. Destacaremos uma anormalidade enquanto desejávamos anunciar sua singularidade. Não cai bem mesmo no baile a fantasia.

Paira sobre a frase uma nuvem negra: ele está me chamando assim para não me ofender? Beleza exótica tem um quê de educação. Prefiro mentir a usar.

O elogio que gera dúvida já é ofensa. Se ela não entendeu, não ouse explicar. Cantada não admite explicação.

Falta apenas completar que ela é um animal em extinção e tem que se reproduzir contigo para salvar a espécie.

Não há como festejar o enigma desse jeito, talvez encontre o estigma e lamente a casa vazia.

Cautela no momento de abrir a boca, o golpe deve ser empregado uma vez em toda vida, quando não há saída, quando não tem mais nada a falar, na total imobilidade, como o pulo de garça do Karatê Kid.

É uma expressão ambígua. Ao mesmo tempo em que se mostra encantado denuncia uma eventual perplexidade, um susto, tipo nunca vi nada igual. Percebe a sutileza?

O exotismo não ajuda na sedução. Afora a pressão que cria no relacionamento.

Ela não vai mais relaxar. A conversa será séria, quase um noivado, com a presença dos pais aborígenes e canibais.

Crescerá o medo de decepcioná-lo. Ela assumirá a responsabilidade descomunal de surpreendê-lo. Não ficará mais livre para ser comum. Proibida de cumprimentar com “oi” ou “tudo bem?”, forçada a comprar charutos na Finlândia e desdenhar dos doces de Copenhague. Terá que ser exótica para qualquer coisa, condenada a honrar a fama.

Você abriu a porta ao surrealismo, ao insólito, ao absurdo.

Convidará a garota para sair e ela dirá que não pode, vai pular de pára-quedas de noite, após cumprir seu serviço de espionagem dos rótulos de cerveja numa boate gay. Oferecerá uma carona e ela dirá que não pode, há um tanque da antiga União Soviética em seu quintal, que impede visitas civis. Chamará para um café, e ela dirá que não pode, que somente toma biotônico fontoura.

Depois do primeiro contato, a mulher exótica desaparece. O que não é exótico perto da grosseria de tentar reduzir seus encantos a uma jaula de zoológico.

24 comentários:

Janara Lopes disse...

Você está absolutamente certo.

Anônimo disse...

Amei!
"Interessante" também é perigoso - existe adjetivo mais insípido?
Falar para uma mulher que ela é interessante é o mesmo que dizer que ela "dá pro gasto". Talvez, por causa disto, passe a se esmerar para ouvir um "exótica". Quando isto acontecer, será que surgirá o temido/temível efeito rebote?
Parabéns pela postagem, abraço paulistano!

Youssef disse...

Muuito bom mesmo!

marcelo disse...

Havendo beleza na sentença, é difícil para mim ver grosseria. Jaulas de zoológicos contém animais lindos. E quem não vive em jaulas?
Um grande abraço de um amigo que volta e meia lembra e torce por ti.

Bianca Briones disse...

Descreveu perfeitamente.

Adorei o blog e estou seguindo.

Bianca
http://redoma-de-cristal.blogspot.com/
http://twitter.com/biancabriones

christiana disse...

Exótica é a feia que chama atenção. Interessante é a feia que vc pode pegar depois de uns chopes.
Bonita mesmo é a que te deixa sem palavras.

Liamara disse...

Dizer "interessante" é algo como dizer que se quer estar ao lado daquela pessoa por mais tempo, trocar telefones, ir ao cinema juntos, comentá-lo depois... AGORA, dizer "você é exótic@"... realmente... será o novo colonizador que acabou de entrar em contato com um mundo todo misterioso e não conseguiu captar nenhuma afinidade contigo, nadinha? Então esse moço opôs kilômetros de distância, se a intenção era aproximar, ou será um tipo de moço que adoraria colecionar mulheres, "mulheres exóticas", como se fossem uma coisa utilizável, um acessório para mostrar?? Nada mais desinteressente, desestimulante que ouvir um negócio então.
Mas a palavra "interessante" tb pode resultar num efeito de responsabilidade por parte de quem ouve. Como sustentar tal adjetivo tão provocativo nos momentos mais simples, comezinhos, humanos. Existe um modo de dizer interessante, sem dizer?

Beijos!

De tanto acompanhar esse blog já me sinto na intimidade de ir dando meus "pitacos" rs

Anônimo disse...

Minha mulher tem uma beleza exótica, pois, por mais que os outros tentem, somente eu percebo seus detalhes mais incríveis.

Tiago Medina disse...

Realmente é melhor não usar mesmo.
Além disso, como bem destacaste, cantada não se explica. Não devemos criar dúvidas.

celia.musilli disse...

Prefiro exótica do que interessante...Interessante me passa a ideia de uma lacuna no...interesse de fato.Algo assim trivial, como a arte que não desperta a sensibilidade, no máximo faz passar o tempo. Coisa que a gente faz quando não tem mais nada interessante pra fazer...Já exótica, pelo menos sugere uma graduação fora de série, algo que não se encontra facilmente...Borboletas da Patagônia, a rosa azul. Embora a gente leve para casa a sensação de ser um bicho a ser visto e admirado só uma vez, para continuar sendo...exótico! Um beijo!

mulher de sardas disse...

Há 7 anos meu marido usa a palavra "exótica" pra definir minha beleza. Juro, o importante é definir o termo. Exótica se desdobra em mil. Ser exótica me delicia. (E não desapareci.)

O Neto do Herculano disse...

Exótica, simpática, interessante...
são adjetivos que não definem
apenas subjetivam,
e uma mulher precisa
de certezas.

anna disse...

Achei o texto de muito bom gosto, muito bem humorado. Mas nãoconcordo. Acho o adjetivo exótico interessantíssimo e ficaria mais feliz se ouvisse que minha beleza exótica do que simplesmente que sou bonita.
a gente percebe o sentido que está sendo usado pela situação, pela pessoa...e em certos casos o uso dessa palavra pode, sim, avacalhar tudo.
Eu gosto das coisas exóticas.. meus amigos costumam usar a palavra "alternativa". Eu gosto das belezas que não são consideradas belezas por todo mundo. eu gosto disso, então considero que ser isso também é bom. :)


Primeira vez que venho aqui, só li esse post, mas vou ler mais, gostei muito! =)

Mulher de Fases disse...

Carpinejar,
Olha p/ mim...
Adoro seus textos e tenho 3 livros seus.
No momento estou lendo Canalha!
Maravilhoso!
Sucesso!!!
Bjsss

Ela disse...

Ouso, pousar por aqui, depois de uma indicação encantadora!

Bom te ler!

Adélia Carvalho disse...

Exótica não é mesmo a palavra melhor de ouvir, mesmo que o desejo seja de agradar. Talvez porque nós mulheres nunca ouvimos as palavras, ouvimos apenas o que há por detrás delas.

Cleyton Cabral disse...

ma-ra-vi-lho-so. Gostei do seu espaço. Abração.

Marina Almeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marina G. disse...

"O elogio que gera dúvida já é ofensa."
Concordo com sua tese. Nem todas nós estamos preparadas para um exótica, há de existir muita cumplicidade e de ser o momento único. Mas é melhor não arriscar.

1 beijo!

Renata de Aragão Lopes disse...

Você sempre atento
às miudezas femininas...

Beijo,
doce de lira

Regina Alonso disse...

Como é bom carpinejar ! Se dás outra função ao seu verbo, estás enganado, ou talvez dependa do contexto do texto.

Já me chamaram de exótica. Foi há vinte e poucos anos. Ótimo saber que ainda não cheguei ao alzheimer.

Preferi, há vinte anos, salvar minha espécie com um bonitão que cruzou a perna como uma mulher ao sentar e sabia o que era uma desenhista cartográfica.

Fiquei com a impressão que o safarista não tinha noção do significado da palavra exótica e queria mesmo era pegar qualquer animal da savana sem saber que tinha mirado em uma de rapina.
Um abraço, Regina Alonso

Regina Alonso disse...

Como é bom carpinejar ! Se dás outra função ao seu verbo, estás enganado,ou talvez dependa do contexto do texto.

Há vinte e poucos anos me chamaram de exótica.. Ótimo saber que ainda não cheguei ao alzheimer.

Preferi, há vinte anos, salvar minha espécie com um bonitão que cruzou as pernas como uma mulher ao sentar, e sabia o que era uma desenhista cartográfica. Fiquei com a impressão que o safarista não tinha noção do significado da palavra exótica e queria mesmo era pegar qualquer animal da savana sem saber que tinha mirado em uma de rapina.
Um abraço

Jacelena Dourado disse...

Interessante como algumas palavras não soam bem em determinadas ocasiões, tentar contornar a situação pode ser pior ainda....
Amei!!!
Abraços carinhosos de Jacelena Dourado!

Ita Batistella disse...

Oi. Relendo "O Amigo Invisível"...
Como crônica, pode ou não ser verdadeiro. Mas tenho certeza de que, sabemos , é a mais simples e pura realidade.
Com carinho, um beijo
Ita